Migalhas: O SCR - Sistema de Informações de Créditos e a legitimidade da atuação das instituições financeiras
por Glauber Soares
quarta-feira, 20 de agosto de 2025, 16h56
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A crescente judicialização das relações bancárias impõe o necessário esclarecimento sobre a natureza jurídica e a finalidade do SCR - Sistema de Informações de Créditos, gerido pelo Bacen - Banco Central do Brasil. Muitos consumidores, ao identificarem o registro de seus contratos de crédito nesse sistema, confundem-no com cadastros restritivos de crédito, como SPC ou Serasa, e buscam a responsabilização das instituições financeiras. No entanto, essa compreensão carece de respaldo legal e jurisprudencial.
O que é o SCR?
Instituído com base na resolução CMN 5.037, de 29 de setembro de 2022, o SCR é um sistema mantido pelo Bacen que consolida informações sobre operações de crédito realizadas por pessoas físicas e jurídicas no SFN - Sistema Financeiro Nacional. Seu objetivo principal é fornecer dados para a supervisão prudencial do sistema financeiro, permitindo ao Banco Central monitorar riscos, evitar colapsos sistêmicos e adotar medidas preventivas.
Diferentemente dos cadastros negativos, o SCR não tem caráter punitivo ou restritivo. Ele abrange todas as operações de crédito, adimplidas ou não, e seu registro é obrigatório para as instituições reguladas pelo Bacen, nos termos do art. 3º da Resolução supracitada. Trata-se, portanto, de um dever legal e não de uma faculdade contratual.
Transparência, legalidade e consentimento
Ao contratar um produto de crédito, como um cartão de crédito ou empréstimo pessoal, o cliente é expressamente informado - por cláusula contratual - sobre o envio de seus dados ao SCR. Ainda que o consentimento seja condição para consulta por terceiros, o registro da operação junto ao Bacen decorre de obrigação regulatória da instituição financeira.
O art. 13 da resolução CMN 5.037/22 exige que o consumidor seja previamente comunicado da inclusão das informações no sistema, o que se dá de forma clara no contrato firmado com a instituição.
A jurisprudência e a segurança jurídica
A jurisprudência tem reconhecido a licitude do registro no SCR. Como já decidiu o TJ/SE, "o Sistema SCR/Bacen não possui característica de restrição ao crédito" (TJ/SE, AI 0009304-84.2022.8.25.0000). O TJ/SP igualmente reafirmou que o SCR tem "caráter informativo" e sua utilização não enseja dano moral (TJ/SP, AC 1001190-09.2022.8.26.0002).
Essa compreensão afasta a pretensão de indenização por dano moral em casos de registro regular, inclusive quando a dívida estiver adimplente, vencida ou mesmo quitada posteriormente, tendo em vista que o SCR reflete a situação de crédito em cada mês-base, e não uma atualização automática de todo o histórico.
Responsabilidade e finalidade pública
A responsabilidade das instituições financeiras, conforme o art. 15 da resolução CMN 5.037/22, restringe-se ao correto envio das informações. O sistema serve como instrumento de política pública de estabilidade financeira, sendo gerido exclusivamente pelo Banco Central. Qualquer tentativa de restringir ou impedir o envio de dados pelas instituições representa violação ao dever legal e comprometimento da segurança do SFN.
A Inexistência de Danos Morais diante de Inscrição Preexistente ou Concomitante no SCR
Ainda que se admitisse, por argumentação, que o SCR - Sistema de Informações de Créditos pudesse ser equiparado a um cadastro de proteção ao crédito - o que, conforme demonstrado, não se sustenta juridicamente -, o reconhecimento de eventual dano moral decorrente de suposta anotação irregular estaria condicionado à inexistência propriamente da dívida, e, em segundo plano, à inexistência de registros negativos legítimos preexistentes ou concomitantes no nome do consumidor.
Nesse sentido, o STJ consolidou entendimento por meio da Súmula 385, segundo a qual "da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição do devedor". Embora originalmente voltada aos cadastros restritivos tradicionais (como SPC e Serasa), que não é o caso do SCR, a súmula tem sido aplicada por diversos Tribunais de Justiça também aos registros constantes do SCR, desde que presente a simultaneidade de inscrições regulares.
A título de exemplo, a jurisprudência do TJ/GO ilustra bem essa extensão interpretativa. Em recente acórdão, reconheceu-se que, mesmo diante da ausência de comunicação prévia ao consumidor acerca de anotação no SCR, não há que se falar em reparação moral quando comprovada a existência de outras dívidas já vencidas e regularmente registradas. Nessa linha, destacou-se que "a existência de negativação preexistente e/ou concomitante no SISBACEN/SCR - Sistema de Informações do Banco Central possibilita a aplicação da súmula 385 do STJ" (TJ/GO, apelação cível 5621102-90.2022.8.09.0051, 10ª Câmara Cível).
Portanto, mesmo nos casos em que se alegue irregularidade formal quanto à comunicação da inscrição, a análise da existência de registros legítimos anteriores ou simultâneos no SCR é elemento suficiente para afastar o alegado abalo moral. Tal entendimento preserva a coerência do sistema jurisprudencial e evita o reconhecimento automático de danos indenizáveis com base em falhas meramente formais, especialmente quando ausente qualquer repercussão concreta e adicional na esfera do consumidor.
Essa interpretação, por fim, reforça a natureza eminentemente informativa e fiscalizatória do SCR, cujo objetivo precípuo está voltado à transparência do risco de crédito e à estabilidade do Sistema Financeiro Nacional, e não à penalização de consumidores inadimplentes.
Conclusão
A atuação das instituições financeiras ao registrarem contratos no SCR não é abusiva, tampouco ilícita. Ao contrário, trata-se de cumprimento de norma cogente que tem como objetivo proteger o próprio consumidor e a economia nacional. Confundir o SCR com cadastro negativo compromete o entendimento jurídico adequado da questão e gera demandas infundadas, que devem ser rechaçadas com base na legalidade e na boa-fé objetiva.
É fundamental que o Poder Judiciário continue observando a distinção entre registros informativos e restritivos, reafirmando a confiança nas instituições reguladas e a estabilidade do mercado financeiro.
Fonte: Migalhas