TJ-MS mantém condenação de personal trainer que ofendeu nordestinos
sexta-feira, 14 de novembro de 2025, 10h41
A alegação de crítica política não descaracteriza o conteúdo discriminatório de expressões que demonstram intenção deliberada de incitar o preconceito contra um grupo de pessoas por sua procedência regional.
Esse foi o entendimento da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul para manter a condenação de um personal trainer por insultar nordestinos nas redes sociais.
Conforme os autos, as ofensas foram proferidas em outubro de 2022, no período de eleição para presidente do Brasil. Ao ser ouvido pela polícia, o réu afirmou que não tinha a intenção de atacar os nordestinos, mas “externou que seu intuito era demonstrar insatisfação com os eleitores do partido contrário ao seu”.
Após a derrota do seu candidato, o réu postou o seguinte em suas redes sociais: “ÊÊÊÊ Nordeste, você ainda vai comer muita farinha com água pra não morrer de fome” e “O Nordeste merece voltar a carregar água em baldes mesmo; aí depois vem esse bando de cabeça redonda de bagre procurar emprego nas cidades grandes”.
Depois de ser condenado em primeira instância, o personal trainer recorreu. O relator do recurso, desembargador Fernando Paes de Campos, afastou a alegação da defesa de que houve quebra da cadeia de custódia das provas digitais.
“No caso concreto, não há qualquer indício de irregularidade ou quebra de integridade dos elementos informáticos acostados aos autos. Os prints das publicações foram recebidos pelo representante do Ministério Público e encaminhados à autoridade policial, sendo formalmente juntados aos autos. Ademais, o próprio acusado, em interrogatório policial, admitiu ter sido o autor das postagens que ensejaram a persecução penal, limitando-se a afirmar que não teve a intenção de ofender.”
Ofensa generalizada
Campos também afastou a alegação de que a postagem foi mera crítica política, já que se tratou de ofensa dirigida aos nordestinos em geral, sem qualquer distinção quanto à orientação partidária.
“Igualmente não procede a tentativa de atenuar o termo ‘cabeça de bagre’ sob o pretexto de se tratar de jargão futebolístico. Ainda que essa expressão possa, em determinados contextos, ter conotação inofensiva, ao admitir que a expressão designa pessoas com pouca habilidade ou inteligência e ao direcioná-la a todo um grupo regional, o apelante revela sua real intenção de ofender e desqualificar a coletividade nordestina. A generalização da ofensa é a própria essência do ato discriminatório”, disse o relator, cujo entendimento foi seguido de forma unânime.
O réu foi condenado à pena de dois anos de reclusão, em regime inicial aberto, mais pagamento de dez dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
Autor da denúncia contra o personal trainer, o promotor de Justiça João Linhares celebrou a decisão.
“O povo brasileiro é um amálgama de distintas culturas e todas devem ser respeitadas e conviver em busca de um país melhor, mais justo e solidário. Quando alguém deprecia e despreza outrem em razão de sua procedência nacional, de seu Estado ou região de origem, também incorre em racismo. Tal conduta é inadmissível numa democracia e espero que este caso sirva sobretudo para fomentar o debate público, a reflexão e também como efeito pedagógico e dissuasório, afinal, aquele que comete um crime deve responder por isso.”
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Processo 0008809-94.2022.8.12.0002
Fonte:Conjur