Nomes criativos de operações da PF e MP servem mais ao marketing do que à Justiça
quinta-feira, 23 de outubro de 2025, 12h59
Quando uma investigação criminal é embalada como um produto atrativo para o mercado de notícias e opiniões, quem paga o preço são os investigados — que, culpados ou não, passam a carregar um rótulo de suspeito — e a própria democracia
Essa é a opinião de especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a profusão de nomes criativos de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.
A prática ganhou tanta notoriedade que é impossível tratar da história recente do Brasil sem citar nomes como “lava jato”, “zelotes”, “que país é esse?”, “juízo final” e “carne fraca”, para ficar apenas em alguns dos mais infames.
Além das manchetes, os nomes criativos das operações caíram no gosto e no imaginário popular. Não por acaso, tornaram-se material para alimentar trends de TikTok, uma das últimas fronteiras da feira de secos e molhados da cultura digital.
“Voltei com mais nomes geniais de operações da PF para prender criminosos. Porque não basta eles prenderem. Tem que dar aquela humilhada. Aquela debochada”, diz uma moça sorridente em um vídeo no TikTok antes de listar nomes de operações como “Deus tá vendo”, “dilúvio” — que investigava um prefeito chamado Noé — e “gol contra — que investigou um jogador de futebol.
Necessidade de regulação
Os exemplos demonstram que a ironia é um ingrediente importante na construção dos nomes das investigações da Polícia Federal e Ministério Público. Os críticos da prática defendem a sua proibição ou, no mínimo, regulação pelo Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público.
O advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Aury Lopes Jr. é um dos críticos mais notórios do costume. Ele acredita que a nomenclatura criativa de investigações policiais contribui para a espetacularização do processo penal e, principalmente, para a estigmatização de pessoas, que perdem sua identidade ao serem acusadas e passam a ser tratadas pelo nome midiático da operação.
“Além de violar princípios básicos do Direito Administrativo, como o princípio da impessoalidade, viola a garantia constitucional da presunção de inocência, que é (também) um ‘dever de tratamento’. Infelizmente sou cético em relação à proibição dessa prática, pois ela caiu no gosto de juízes, promotores, policiais e até de tribunais, que não mais se referem ao número do processo, mas ao nome da operação. Essa prática — que, sim, deveria ser combatida pelo CNJ e CNMP — me parece uma tendência inexorável e difícil de ser revertida, pois encontra abrigo na cultura inquisitória brasileira, que é muito forte”, afirma.
Recomendação frustrada
O ceticismo de Aury Lopes Jr. em relação a uma mudança de rota na cultura mercadológica adotada na hora de batizar as investigações faz sentido. O tema é controverso e vem sendo discutido há muito tempo. Em 2008, o Conselho Nacional de Justiça, na época presidido pelo ministro Gilmar Mendes, editou a Recomendação 18, que dizia expressamente que magistrados criminais deveriam evitar a denominação dada às operações policiais em atos judiciais. Na época, o atual decano do Supremo Tribunal Federal explicou que, em muitos casos, o nome fantasia pode sugerir um caráter de parcialidade e ser motivado por “propósitos políticos inequívocos”.
Em 2008, já eram notórias operações com nomes como a “satiagraha”, “têmis”, “cinderela” e “furacão”. “É preciso encerrar esse capítulo de marketing policial às custas do Judiciário”, pregava Gilmar na ocasião.
O corregedor nacional de Justiça na ocasião, ministro Gilson Dipp, afirmou que a medida visava proteger investigações e direitos individuais.
Como se nota, a recomendação não pegou. Atualmente, é comum que os nomes das operações apareçam nos autos do processo. Além disso, a Polícia Civil dos estados também passou a adotar a prática. Um exemplo recente é a “operação poison source (fonte do veneno em português)” da Polícia Civil de São Paulo, que investiga a onda de adulteração de bebidas destiladas com metanol.
Corações e mentes
Os nomes criativos de investigações não necessariamente são algo novo, mas pode-se dizer que esses rótulos mudaram de patamar no decorrer da autointitulada “lava jato”. Isso se deve ao uso estratégico de vazamentos para mobilizar a imprensa e, consequentemente, a opinião pública.
A defesa, entende que os nomes criativos das operações devem ser olhados não apenas sob a ótica da impessoalidade de quem conduz a investigação, mas como as agências de persecução penal do Estado enxergam suas funções institucionais.
“Submeter as operações policiais ao marketing, com o objetivo de conquistar a opinião pública na fase embrionária das investigações, faz muito mal para o adequado desenvolvimento do processo penal e não cumpre nenhuma finalidade pública”, afirma.
A defesa explica que o relacionamento entre processo penal e mídia é muito problemático e conflituoso na maior parte dos países que possuem a mesma estrutura constitucional que a brasileira.
Segundo ele, os nomes criativos das operações da PF cumprem, de fato, um papel de espetacularização do processo penal e violam o princípio da impessoalidade. “Apesar disso, acredito que, tão importante quanto criticar a espetacularização, a quebra da impessoalidade, é que a mídia desse a devida cobertura às consequências dessas operações. Porque elas aparecem de uma maneira bombástica nos meios de comunicação e não há uma devolutiva para a sociedade do desenvolvimento e da finalização dessas operações”.
Ele cita a operação “ouvidos moucos”, que apurava supostas irregularidades nos contratos da Universidade Federal de Santa Catarina e cuja condução culminou no suicídio do então reitor da entidade, Luiz Carlos Cancellier, como exemplo de como a espetacularização do processo penal pode levar a tragédias.
A defesa viu de perto a perturbação que uma operação com nome criativo pode causar. Ele representou o delegado da Polícia Federal Mário Renato Castanheira Fanton.
Fanton denunciou uma série de irregularidades que presenciou na condução da “lava jato” e passou a ser alvo de uma série de processos administrativos. A perseguição levou o delegado a se afastar da PF e a processar a União, que teve que indenizá-lo em R$ 66 mil por danos morais.
Uma das represálias contra ele envolveu seu tio Edson Paulo Fanton. Ele foi alvo da operação “caça fantasmas”, supostamente em alusão ao sobrenome do acusado. “A PF não conseguiu provar nada contra ele. Costumo dizer que os únicos fantasmas que deveriam ser perseguidos eram os da República de Curitiba. Esses a PF deixou passar”, afirma Moura Jr.
Questões operacionais
A ConJur consultou um ex-membro da Polícia Federal para entender a lógica por trás do batismo das operações com nomes excêntricos. Ele explicou que a prática inicialmente tinha cunho estritamente operacional.
Os nomes das operações serviam para evitar vazamentos e simplificar a requisição de recursos para as investigações. Um policial, ao invés de explicar pela milésima vez do que se tratava uma operação ao fazer um pedido para o seu superior, dizia apenas o nome dela, e todos já sabiam do que se tratava.
Segundo ele, os nomes dados às operações surgiam espontaneamente, sem que houvesse intenção de mobilizar a opinião pública. “Acredito que se não fossem batizadas por policiais essas grandes investigações acabariam sendo nomeadas pela imprensa. E neste caso, com um decoro muito menor”, argumenta.
Fonte: Conjur