DIV. Idosos negros são minoria, e motivos vão de violência a racismo em atendimento médico
quarta-feira, 19 de novembro de 2025, 13h50

O direito de envelhecer, no Brasil, é atrelado a privilégios de cor e renda. Mulheres brancas, nascidas entre 2010 e 2019, possuem uma expectativa de vida ao nascer de 80,06 anos, enquanto as mulheres negras alcançam 76,01 anos. Já os homens brancos vivem, em média, 74,52 anos, enquanto negros têm 68,65 anos, segundo dados do Imds (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social).
Essas disparidades se intensificam nos primeiros 30 anos, diminuindo progressivamente à medida que a idade avança. As pessoas negras representam 56% da população brasileira, mas entre os idosos esse percentual cai para cerca de 48%, segundo o IBGE.
“O envelhecimento não está sendo igual para todas as pessoas”, afirma o psiquiatra e psicogeriatra Julio César Menezes Vieira. Ele cita um estudo de 2019 que mostrou que, enquanto a pirâmide etária geral da cidade de São Paulo se assemelha à de países ricos, a da população negra tem o perfil de nações pobres.
Para a advogada e ativista do movimento negro Lenny Blue de Oliveira, “a invisibilidade da população idosa negra é uma violência a partir do momento que naturaliza a mortalidade precoce”. Isso porque a diferença de expectativa de vida está muito relacionada às mortes na juventude, que trazem a média do grupo para baixo. No caso de homens negros, por exemplo, eles são maioria entre as vítimas de homicídio.
Além disso, dificuldades de atendimento de saúde e até racismo na busca por cuidado médico são fatores que influenciam a disparidade.
O casal de aposentados Elizete Carvalho, 67, e Giovane Carvalho, 62, utiliza os serviços de saúde pública para servidores estaduais. Quando a filha nasceu e teve que ser transferida com urgência para outro hospital, sofreram um episódio de racismo.
“Giovane sentiu o preconceito ao duvidarem que aquele pai jovem e negro teria capacidade de pagamento dos altíssimos custos de CTI”, relembra Elizete. “Pediram cheque caução antes mesmo da internação, apesar de ser caso urgentíssimo.”

O médico Vilson Cardoso de Oliveira Júnior, geriatra pelo Hospital dos Servidores do Estado de São Paulo, explica que, do ponto de vista biológico, “há alterações genéticas relacionadas à ancestralidade, como enzimas hepáticas que interferem na absorção de medicamentos”.
Ele destaca que “idosos negros apresentam taxas mais altas de hipertensão, diabetes e acidentes vasculares cerebrais, o que aumenta o risco de demência”. Vilson e o psicogeriatra Julio César afirmam também que o racismo é um fator de estresse crônico, que gera eventos traumáticos e um desgaste mental contínuo.
“Isso está diretamente associado ao maior risco de depressão na população negra idosa”, completa Vilson. “Profissionais de saúde diagnosticam menos depressão em pessoas negras, o que agrava o quadro.”
“O histórico de desigualdade é cumulativo”, afirma o Júlio César. “A população negra tem menor escolaridade, menor inserção em empregos que melhorem a renda e, muitas vezes, não consegue sequer ler uma bula de medicamento. As condições de moradia também são mais precárias, com menor acesso a saneamento e menor remuneração. Isso tudo se reflete na saúde ao longo da vida.”
Vilson também afirma que o diagnóstico mais tardio de doenças, como o melanoma, “pode ser consequência da menor investigação na população negra. Problemas como diabetes e pressão alta são muitas vezes piores controlados devido à dificuldade de acesso à saúde.”
A ativista Lenny Blue relata que essa exclusão também se expressa no cotidiano mais básico da saúde. Ela conta que precisou “lutar para conseguir fazer uma mamografia aos 72 anos”, porque profissionais presumiam que, por ser idosa e sem vida sexual ativa, o exame não era necessário.
Ela vê o etarismo como parte de um inconsciente coletivo que naturaliza a negligência. “O racismo é tão cruel que a gente já vai preparada para ele. Falta letramento racial e etário nos serviços de saúde”, defende.
A advogada completa que o processo de envelhecimento, que ela chama de “idosidade”, é uma condição que traz intersecção com todas as demais dimensões da vida. Isso porque ela é moldada pela identidade e pela trajetória de uma pessoa, cujos fatores se combinam para criar experiências únicas de opressão ou privilégio.
As políticas públicas devem compreender essas dimensões da velhice, sem tratá-la de forma universal. “É importante falar de idosidade porque é falar de vida e é garantir que as próximas gerações tenham a perspectiva e o direito de envelhecer.”
FONTE: A VOZ DO IDOSO