Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Sem os filhos, idosos adotam cuidadores e celebram Dia dos Pais em abrigo

terça-feira, 15 de agosto de 2023, 17h32

ata especial, o Dia dos Pais é comemorado com união, almoço em família, presentes e momentos de conexão entre pais e filhos. No entanto, no Lar dos Idosos São Vicente de Paula, em Várzea Grande, os pais acabam passando essa data comemorativa longe dos filhos. Muitos não tem mais contato com os parentes e acabam "adotando" uma nova família entre os cuidadores, enfermeiros, assistentes sociais, voluntários e outros funcionários do abrigo. Para não deixar a data passar em branco, uma festa é realizada para celebrar o dia deles.

Uma das histórias que podem ser encontradas no abrigo é de Manoel Campos, de 75 anos. Ele está no lar há quatro anos e, nesse período, passou todos os Dias dos Pais longe da família. Ele conta que acabou criando um laço com as cuidadoras. "Eu tenho filhos, mas para mim eu não tenho ninguém. Ninguém me procura, me abandonaram. Só recebo a visita de dois irmãos. O Dia dos Pais eu passo com Deus", desabafa.

 

 

Dia dos Pais no Lar dos Idosos VG - Manoel Campos

Manoel foi parar no lar após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral). "Minha filha até cuidou de mim quando fiquei doente, por três anos, mas ela não conseguia mais cuidar e eu pedi para ela me trazer para o abrigo. Mas hoje eu quase não vejo ela mais", relata.

O idoso, no entanto, não se deixa abater. Em meio à celebração antecipada pelo Dia dos Pais, realizada na sexta-feira (11) com direito à dança e muita alegria, ele conta que tem um amigo no abrigo que considera como um irmão e que considera as funcionárias do lar a sua nova família. "Eu e ele, nós comemos até comida no prato um do outro. É meu amigo de verdade. E das funcionárias eu gosto de todas, é só amor", declara.

“Hoje eu não tenho o meu pai, mas vejo em cada olhar deles o olhar do meu pai. Por isso faço com amor. Não dá para preencher esse vazio que eles sentem. Mas dá para fazê-los sorrir”

Sisley Costa, assistente social

Uma delas é a assistente social Sisley Marques da Costa. É o quarto Dia dos Pais que Sisley passa no Lar São Vicente de Paula e ela conta com orgulho da importância dos idosos na sua vida e como acabou adotando alguns como pais de coração.

"Eles precisam de atenção e, às vezes, olham e dizem que pareço a filha deles. Hoje eu não tenho o meu pai, mas vejo em cada olhar deles o olhar do meu pai. Por isso faço com amor. Não dá para preencher esse vazio que eles sentem. Mas dá para fazê-los sorrir", afirma.

A assistente conta que a maioria dos filhos acaba não visitando os pais, mas que ainda existem alguns que mantém contato. “Infelizmente, as famílias não vêm. Como assistente social, eu fico insistindo, ligando, mandando mensagem. Nós brincamos que não somos mais assistentes sociais e sim 'insistentes sociais'. Nem sempre temos a resposta que queremos, mas vale a pena tentar. Alguns, diante de tanta insistência, acabam buscando eles para passar o dia com a família e depois trazem de volta”, desabafa.

Sisley relata também que tem muitos dos idosos do abrigo como parte da sua família. “Eu às vezes levo um ou outro para passar o dia comigo na minha casa. Nós podemos fazer isso, temos aqui pais de coração. Isso pode dar alegrias para eles, mas nem sempre é o lugar que gostariam de estar, porque gostariam de estar junto da família de verdade”, afirma.

Por causa disso, os funcionários preparam uma festa para celebrar o Dia dos Pais para os idosos, com música, dança, lembrancinhas e muito carinho. "Chamamos os familiares, que nem sempre vêm, mas alguns acabam vindo para nos ajudar. Temos esse momento com música, dançamos com eles, conversamos para saber como estão, para dar alegria para eles", diz.

 

Amâncio Cáceres, de 85 anos, é um dos que aproveita a festa, e mesmo estando longe dos cinco filhos e dos netos, fala que ser pai é uma benção. “Ser pai é uma beleza. Um filho traz muitas alegrias, muita vida”, conta, emocionado.

Dos seus filhos, três moram no Japão, um em Campo Grande (MS) e um em São Paulo (SP). Por causa disso, ele não recebe visita da família há anos. Ainda assim, Seo Amâncio não perde as esperanças. "Não sei se vou receber [uma visita], mas estou esperando", afirma.

Annie Souza/RDNews

Dia dos Pais no Lar dos Idosos VG - Am�ncio C�ceres

O diretor do Lar São Vicente, João Gumercindo Cassim, explica que dos 66 idosos que vivem no abrigo atualmente, 38 são homens e vários são pais, mas pouquíssimos recebem visitas dos filhos -  e essas, quando acontecem, são esporádicas.

 "Tem apenas um que recebe visita sempre do filho com os netos. E agora, um segundo começou a receber visitas, e inclusive vai sair para passar o Dia dos Pais com o filho, que é o Elesbão. Mas são histórias muito complicadas. Ele tem cinco filhos e veio parar aqui porque o mais novo deles era usuário de drogas e o agredia. Então são histórias delicadas", explica.

Annie Souza/RDNews

Dia dos Pais no Lar dos Idosos VG - Elesb�o Jos� da Silva

Elesbão José da Silva, 80, vive no abrigo há 11 anos. Ele perdeu a visão e não anda, por causa das agressões vividas. Mas a volta do laço com um dos filhos pode significar um recomeço. Apesar das dificuldades, Elesbão está lúcido e diz que está ansioso para passar a data com o filho após tanto tempo. "Estou feliz, vai ser muito bom. Vou passar o dia lá e voltar para cá", relata.

Annie Souza/RDNews

Dia dos Pais no Lar dos Idosos VG -  Jo�o Gumercindo Cassim

João Cassim explica que há histórias complexas por trás desses abandonos. "Muitos filhos alegam que não cuidam dos pais porque os pais não foram presentes. Cada um tem a sua a sua cabeça, o seu pensamento, não dá para julgar. Mas eles [os idosos] sentem falta", conta.

"Apesar de relacionamentos difíceis, a família dá aquela segurança, e muitos não têm isso, acabam até entrando até em depressão. A ausência dos familiares acaba gerando uma maior dificuldade de vivência do idoso. Eles acabam adotando funcionários como família, até pela ausência dos outros. São chamados de pais, mães, avós e avôs", reforça João.

Annie Souza/RDNews

Dia dos Pais no Lar dos Idosos VG - Luiz Ant�nio

Para Luiz Antônio, que está prestes a fazer 74 anos, o abrigo é realmente um lar. "Não vou sair daqui, daqui ninguém me tira. Gosto de ficar aqui. É tudo família", assegura.

Fonte RDNEWS


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