Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

STJ decide sobre obra pública em APP

quinta-feira, 22 de outubro de 2020, 08h26

RECURSO ESPECIAL Nº 1.787.748 - RS (2018/0323870-7)

PROCESSUAL CIVIL, AMBIENTAL E URBANÍSTICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ARTS. 4º, II, 6º, III E IX, E 10º, DO CÓDIGO FLORESTAL. SOTERRAMENTO DE "BANHADO". ECOSSISTEMA ESPECIALMENTE PROTEGIDO. PARÂMETROS DA CONVENÇÃO SOBRE ZONAS ÚMIDAS DE IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL (CONVENÇÃO DE RAMSAR). PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA, SOLIDÁRIA E ILIMITADA DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. SÚMULA 83/STJ.

1. Cuida-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra o Município de Caxias do Sul, em razão de dano ambiental causado por execução de obra pública de alargamento e pavimentação de estrada, da qual resultou soterramento de banhado situado em Área de Preservação Permanente.

2. O Tribunal a quo manteve integralmente a sentença de procedência e condenou o ente municipal a recuperar a área degradada. O acórdão recorrido reflete orientação, consolidada na jurisprudência do STJ, de que a responsabilidade civil pelo dano ambiental, com base na teoria do risco integral e do princípio poluidor-pagador, é objetiva, solidária e ilimitada, inclusive quando há omissão do ente público do dever de controle e de fiscalização, como ocorreu no caso dos autos.

3. Nomenclatura de emprego mais comum no Rio Grande do Sul, o banhado, do espanhol "bañado", representa tipologia do gênero áreas úmidas (wetlands), ou seja, zonas alagadas, perene ou intermitentemente. Como se sabe, tais terrenos constituem ecossistema especialmente protegido por normas tanto internacionais como nacionais. Incluem, entre outras, as categorias sinônimas ou próximas dos brejos, várzeas, pântanos, charcos, varjões, alagados. Áreas ecologicamente estratégicas, funcionam como esponjas de água e estocadores de matéria orgânica, abrigando complexa rede trófica de alta biodiversidade, com inúmeras espécies da flora e fauna, várias delas endêmicas ou ameaçadas de extinção. Desempenham, a um só tempo, a função de caixa d´água e rim da Natureza, pois absorvem água na cheia e mantêm o fluxo hídrico na estiagem. Nesse processo, filtram e purificam a água antes do ponto de ressurgência. Sem rigorosa conservação desses preciosos e insubstituíveis espaços úmidos, a proteção jurídica dos rios e recursos hídricos ficará capenga e inviabilizada, pois equivaleria a cuidar das pernas e esquecer os braços.

4. Segundo a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional de 1971 (Convenção de Ramsar, promulgada pelo Decreto 1.905/1996), reconhecem-se "as funções ecológicas fundamentais das zonas úmidas enquanto reguladoras dos regimes de água e enquanto habitas de flora e fauna características, especialmente de aves aquáticas". Tais áreas "constituem um recurso de grande valor econômicos, cultural, cientifico e recreativo, cuja perda seria irreparável" (preâmbulo).

5. O Código Florestal, com atecnia legislativa, trata as zonas úmidas ora como Áreas de Preservação Permanente ope legis do art. 4º, II – lago ou lagoa, que pode ser perene ou intermitente, rasa ou profunda –, ora como Área de Preservação Permanente administrativa (art. 6º, III e IX), ora como Área de Uso Restrito (art. 10). Qualquer que seja a classe em que se enquadre, o banhado está especialmente protegido, vedada sua destruição. Levando-se em conta que não se está diante de categorias que se separam claramente, preto no branco, apresentando-se mais como continuum entre ambientes aquáticos e terrestres, verdadeiras zonas de transição terrestre-aquáticas, conclui-se que as definições tendem a ser arbitrárias e, por isso, administrador e juiz devem empregar, no difícil processo de interpretação da norma e da realidade natural, o princípio in dubio pro natura, nos termos da jurisprudência do STJ.

6. Em ações judiciais que visam ao ressarcimento de danos ambientais ou urbanísticos, a regra é a fixação do litisconsórcio passivo facultativo, abrindo-se ao autor a possibilidade de demandar, de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo. Precedentes do STJ.

7. O acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, o que atrai a incidência da Súmula 83/STJ.

8. Recurso Especial não provido.


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