STJ: Limites temporais para a aplicação do Novo Código Florestal
sexta-feira, 17 de julho de 2020, 08h44
O Superior Tribunal de Justiça reiterou o entendimento segundo o qual as disposições do Novo Código Florestal não devem retroagir para atingir fatos pretéritos à vigência da lei.
Ementa:
RECURSO ESPECIAL Nº 1768364 - SP (2018/0245778-5)
RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DE SÃO PAULO RECORRIDO : JOSE ADEVANIR MORETI RECORRIDO
: SONIA MARIA FERREIRA MORETI ADVOGADO : ANDREA SOUZA BOIATI -
SP125714
DECISÃO
Trata-se de recurso especial manejado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo com fundamento no art. 105, III, a, da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do mesmo ente federado, assim ementado (fl. 451):
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL. PRETENSÃO DO AUTOR DE IMPOR AO RÉU A RECOMPOSIÇÃO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, BEM COMO INSTITUIÇÃO E REGISTRO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL DO IMÓVEL RURAL.
MEDIDAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 12, 14, 15, 17, 20, 22, 23, 31,61, 61-A, 61-B, 61-C, 66 e 78-A DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI N° 12.651/2012). NORMA DE ORDEM PÚBLICA E DE APLICABILIDADE IMEDIATA.
INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 15 E 61 DO CITADO DIPLOMA AFASTADA.PRESCINDIBILIDADE DA AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL, DESDE QUE HAJA O RESPECTIVO REGISTRO NO CAR (ÓRGÃO JÁ IMPLANTADO, SEGUNDO A INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 2 DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE).
PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 29, § 3°, DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. REFLORESTAMENTO AMBIENTAL A SER INICIADO EM 90 DIAS DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE RECUPERAÇÃO PELO ÓRGÃO AMBIENTAL.
PERMITIDA A EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DA ÁREA NOS TERMOS DO ART. 17, §§ 1° e 2° da Lei 12.951/12.SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados (fls. 476/482).
A parte recorrente aponta violação aos arts. 1.022, II, parágrafo único, e 489, II, § 1º, II, III e VI, do CPC/2015; 2º do PIDESC; 11 do Protocolo Adicional do Pacto de San José da Costa Rica; 2º da Lei nº 6.938/81; 9º da Lei nº 8.692/93; 2º, 6º e 7º da Lei nº 9.433/97;
4º da Lei nº 9.985/2000; 7º da Lei nº 11.428/2006; 4º da Lei nº 12.187/2009; 66 da Lei nº 12.651/2012. Sustenta que: (I) o acórdão recorrido foi omisso; (II) é descabida a aplicação do Novo Código Florestal ao caso, em face da proibição do retrocesso ecológico;
(III) não é possível compensar a APP no cálculo da área de reserva legal; (IV) a nova legislação ambiental é inaplicável aos processos em curso; e (V) no caso dos autos, o imóvel objeto da demanda não possui a destinação de qualquer área para fins de reserva legal, o que afasta a aplicação do art. 66 do Novo Código Florestal, porquanto é destinado apenas aos proprietários que instituíram região aquém ao estipulado na legislação.
Ausentes as contrarrazões, cf. certidão de fl. 519.
Parecer Ministerial às fls. 557/562, pelo provimento do recurso especial.
É O RELATÓRIO. SEGUE A FUNDAMENTAÇÃO.
Inicialmente, inexiste omissão, contradição, obscuridade ou erro material, uma vez que, pela leitura do inteiro teor do acórdão embargado, depreende-se que este apreciou devidamente a matéria em debate, analisando de forma exaustiva, clara e objetiva as questões relevantes para o deslinde da controvérsia.
Sobre a temática trazida no apelo nobre, a jurisprudência do STJ sedimentou-se no sentido de que o princípio do tempus regit actum deve pautar a incidência, ou não, da nova legislação ambiental.
Veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. NOVO CÓDIGO FLORESTAL.
TEMPUS REGIT ACTUM. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - As disposições do Novo Código Florestal, em regra, obedecem ao princípio do tempus regit actum. Precedentes.
III - A 1ª Turma desta Corte, à luz do decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937, e da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 42, e considerando, ainda, a natureza propter rem da obrigação ambiental, consoante o enunciado da Súmula n. 623 desta Corte, reafirmou tal orientação (REsp n. 1.646.193/SP, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Gurgel de Faria, julgado em 12.05.2020).
IV - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
V - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VI - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp 1.674.193/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 1/6/2020, DJe 4/6/2020) AMBIENTAL. RESERVA LEGAL DO IMÓVEL. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). TEMPUS REGIT ACTUM. ART. 15. IRRETROATIVIDADE.
ABORDAGEM INFRACONSTITUCIONAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE.
CÔMPUTO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 66. REGULARIZAÇÃO. APLICABILIDADE IMEDIATA.
1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3).
2. O Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, tem defendido a tese de que, em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental (REsp 1728244/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 08/03/2019, e AgInt no REsp 1709241/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2019, DJe 02/12/2019).
3. A declaração de constitucionalidade de vários dispositivos do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903 e da ADC 42 (DJE 13/08/2019), não inibe a análise da aplicação temporal do texto legal vigente no plano infraconstitucional, tarefa conferida ao Superior Tribunal de Justiça.
4. Ao apreciar a irretroatividade da norma ambiental, esta Corte, sem conflitar com o decidido pelo STF, não ingressa no aspecto constitucional do novo diploma legal, efetuando leitura de ordem infraconstitucional, mediante juízo realizado em campo cognitivo diverso.
5. O próprio STF considera que a discussão sobre a aplicação do novo Código Florestal a fatos pretéritos demanda análise de legislação infraconstitucional (RE 1170071 AgR, Relator Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, DJe 29/11/2019, e ARE 811441 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 16/09/2016).
6. Nesse prisma, a declaração de constitucionalidade do art. 15 da Lei n. 12.651/2012 não desqualifica a aferição da aplicação imediata desse dispositivo aos casos ocorridos antes de sua vigência.
7. Este Tribunal considera que "o mecanismo previsto no art. 15 do novo Código Florestal acabou por descaracterizar o regime de proteção das reservas legais e, em consequência, violou o dever geral de proteção ambiental. Logo, tem-se que não merece prosperar o acórdão combatido que permitiu o cômputo de Área de Preservação Permanente no percentual exigido para instituição de Área de Reserva Legal" (AgInt no AREsp 894.313/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018).
8. O art. 66 daquele diploma, ao prever hipóteses alternativas para a regularização de área de reserva legal, já traz em seu texto a possibilidade de retroação da norma, pelo que não há como afastar sua aplicação imediata.
9. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1.646.193/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/5/2020, DJe 4/6/2020) No caso dos autos, observa-se que a instância originária dirimiu a controvérsia inteiramente com base na aplicação das normas do Novo Código Florestal ao caso. Não obstante, constata-se que os danos ambientais motivadores da presente ação civil pública foram apurados em inquérito civil datado de 2011, quando ainda vigorava a legislação anterior.
Nesse contexto, quando do julgamento do já citado REsp 1.646.193/SP, discutia-se, precisamente, situação na qual o Ministério Público havia ajuizado ação civil pública sob a égide da Lei nº 12.651/2012, ao passo que os inquéritos civis que embasaram a demanda haviam sido instaurados em data anterior à vigência do Novo Código. Nesse mencionado julgado, restou decidido que, uma vez apurada a infração ambiental em inquérito anterior a o novo estatuto legal , incidem as normas da Lei nº 4.771/65.
Por oportuno, leia-se trecho do voto da Exma. Sra. Ministra Regina Helena Costa no REsp 1.646.193/SP :
Portanto, certificado o dano ambiental em momento anterior à vigência do novo Código Florestal, e considerando a natureza propter rem da obrigação ambiental, consoante o enunciado da Súmula n. 623 desta Corte ("As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor"), entendo que, na espécie, incabível aplicação retroativa do novo estatuto florestal, à exceção das disposições expressamente retroativas.
Assim, é o caso de se determinar o retorno dos autos à instância originária, para que o TJSP julgue o feito como entender de direito, obs ervando, contudo, os preceitos da Lei nº 4.771/65, nos termos da jurisprudência do STJ acima elencada.
ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao recurso especial, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para a correta aplicação do Direito à espécie.
Publique-se.
Brasília, 29 de junho de 2020.
Sérgio Kukina
Relator
(Ministro SÉRGIO KUKINA, 01/07/2020)