Jurisprudência TJRS - Erro médico. Indenização. Superdosagem de vacina. Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor da menor. Falecimento
terça-feira, 24 de novembro de 2020, 15h04
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SUPERDOSAGEM DE VACINA. ATRASO NO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR DA MENOR. QUANTUM INDENIZATÓRIO A TÍTULO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS ARBITRADOS. 1.\tTrata-se de apelação em que a parte apelante objetiva a reforma da decisão de primeiro grau nos autos da ação de indenização decorrente de erro médico, consubstanciado na aplicação de superdosagem da vacina em menor de idade, o que teria causado atraso do desenvolvimento neuropsicomotor daquela. 2.\tAplica-se a responsabilidade objetiva aos estabelecimentos hospitalares e as empresas prestadoras de serviços de atendimento à saúde pelos serviços que prestam, na forma do art. 14, caput, do CDC, o que faz presumir a culpa dos apelantes e prescindir da produção de provas a esse respeito, em razão de decorrer aquela do risco da atividade desempenhada. 3.\tA unidade médica demandada exonera-se do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, provar a culpa exclusiva da vítima ou de fato de terceiro, caso fortuito, ou força maior, o que não ocorreu no caso dos autos. 4. \tNão obstante isso, no feito em análise para imputar a responsabilidade ao nosocômio demandado, nos termos da legislação consumerista, tratando-se de demanda que discute a atuação técnica do médico que atendeu o demandante, cumpre verificar a ocorrência de culpa pelo profissional, a qual se aplica a responsabilidade civil subjetiva, de acordo com o que preceitua o art. 14, § 4º, CDC, de sorte a se aferir o nexo causal. Precedente do STJ. 5. \tA obrigação assumida pelo médico é de meio e não de resultado. O objeto da obrigação não é a cura do paciente, e sim o emprego do tratamento adequado de acordo com o estágio atual da ciência, de forma cuidadosa e consciente. 6.\tNa análise quanto à existência de falha no serviço prestado, bem como da culpabilidade do profissional, o Magistrado, que não tem conhecimentos técnico-científicos atinente à área médica, deve se valer principalmente das informações prestadas no laudo pericial. 7.\tCongregando as provas que integram o processo de forma a elucidar se houve alguma falha no atendimento prestado capaz de ensejar a responsabilização, constata-se que restou demonstrada a aplicação da superdosagem da vacina, bem como que a menor após a este evento passou a apresentar comprometimento do seu desenvolvimento neuropsicomotor. 8.\tDa análise do laudo pericial, verifica-se que o expert a todo o momento faz inferências e prognósticos, referindo que não há trabalhos médicos que descrevam os efeitos da superdosagem da vacina, sustentando que pacientes que não apresentam eventos até 15 dias após a aplicação possuem bom prognóstico e afirmando que a autora poderia apresentar doenças degenerativas ou genéticas que contribuíram para sua condição clínica. 9.\tNo entanto, imperioso destacar que no prontuário de observação da menor constou a recomendação do Centro de Informação Toxicológica de observação, em especial, com controle de possíveis distúrbios neurológicos. Ademais, constata-se que a criança recebeu a superdosagem da vacina em 17/09/2004 e em março de 2005, ou seja, cerca de 6 (seis) meses após o evento em questão, já há documentação médica atestando o atraso neuropsicomotor da menor (fl. 531). Desse modo, o mero prognóstico, ou seja, probabilidade de decorrer de determinada causa, sem evidências conclusivas, as quais caracterizam o denominado diagnóstico, tratando o primeiro do que poderia ser e, o segundo, aponta o que é, não é suficiente aquele para infirmar a presunção favorável ao consumidor, cujo corolário é o reconhecimento da reparação devida. 10. \tAssiste razão à autora ao imputar à demandada a responsabilidade pelo evento danoso, na medida em que os réus não lograram êxito em demonstrar que os danos neurológicos da menor decorreram de causa distinta da aplicação da superdosagem da vacina, ou que esta não foi suficiente para o resultado da enfermidade ao qual o mesmo foi acometido, ônus que lhes cabia e do qual não se desincumbiram ônus por força do disposto no art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. 11.\tÉ oportuno destacar, também, que, quando da ocorrência de um dano material, duas subespécies de prejuízos exsurgem desta situação, os danos emergentes, ou seja, aquele efetivamente causado, decorrente da diminuição patrimonial sofrida pela vítima; e os lucros cessantes, o que esta deixou de ganhar em razão do ato ilícito. 12.\tNo que se refere aos danos materiais postulados na inicial estes restaram consubstanciados nos valores adiantados em sede de antecipação de tutela para o custeio do tratamento da menor até o seu óbito. 13. \tNo que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as consequências da conduta do demandado, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro. 14.\tCom relação ao pedido formulado, verifica-se que houve o reconhecimento da quantia de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de indenização por danos morais e materiais, conforme transação de fls. 393/396, para a menor Pollyana, que veio a falecer no curso do feito. Em razão disso deve ser satisfeita a verba indenizatória para ressarcimento dos danos materiais e imateriais no montante de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), deduzidos os valores recebidos à título de tutela antecipada no curso do feito para tratamento da criança até a data do óbito desta. 15.\tPara tanto, as partes deverão apresentar os valores que foram satisfeitos durante o tratamento, indicando o cálculo de liquidação. Havendo divergência este montante deverá ser apurado mediante perícia contábil a ser realizada em liquidação por arbitramento. 16.\tNo caso em exame, também merece prosperar a pretensão da apelante de ver reformada a decisão recorrida no que tange à obrigação de restituição da diferença entre o valor pago em razão do acordo e a quantia determinada no juízo na sentença. 17.\tVerifica-se que a participação do referido procurador na elaboração do instrumento de transação, a fim de que a parte anuísse com esta, representa o trabalho realizado pelo mesmo e pelo qual foi satisfeito, não havendo que se exigir ressarcimento a qualquer título quanto aos valores satisfeitos a título de honorários advocatícios.Deram provimento ao recurso.(TJRS - AC: 70083362079 RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Data de Julgamento: 30/09/2020, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 13/10/2020).