Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Desistência da adoção: Quando o "não" causa dano moral

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025, 13h58

Caio Vinicius Pereira da Silva

Adoção: amor e responsabilidade. Desistir durante a convivência pode causar danos morais. Justiça pondera consequências e responsabiliza casal por abandono cruel.


quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Atualizado às 13:15

 


Embora a lei preveja a possibilidade legal de desistir da adoção antes da sentença final, a forma como essa desistência é executada pode configurar um abuso de direito, gerando a obrigação de indenizar a criança pelos danos morais sofridos.

Um caso recente no Paraná, onde um casal foi condenado a pagar R$ 37 mil por danos morais a um menino de 10 anos abandonado em um Fórum, ilustra perfeitamente essa fronteira legal e ética.

1. Critérios para a caracterização do dano (o ato ilícito)

O estágio de convivência é um período crucial de adaptação mútua, que antecede a adoção definitiva. A simples não adaptação e a subsequente desistência, por si só, não são consideradas atos ilícitos. O dever de indenizar surge quando a desistência extrapola os limites éticos e jurídicos, configurando negligência, imprudência, ou abuso de direito.

Os tribunais (incluindo o STJ) têm configurado o dano moral indenizável nos seguintes cenários:

Rompimento abrupto do vínculo afetivo: A desistência é considerada danosa se ocorre após um longo período de convivência e se a ruptura é brusca, quebrando o princípio da confiança e a legítima expectativa da criança de pertencer àquela família.
Forma cruel e degradante: A maneira como a criança é devolvida é determinante. No caso de Curitiba, o casal ignorou orientações técnicas e deixou o menino nas dependências do Fórum, sem comunicar-lhe os motivos, de forma "degradante, cruel e violenta". A criança só entendeu o abandono após o casal deixar o local.
Reacendimento de traumas profundos: A conduta negligente dos pretendentes pode reacender traumas profundos e comprometer o futuro afetivo do menor.
Abandono afetivo: O dano é consubstanciado na dor, angústia e sentimento de abandono causados ao adotando que já havia construído uma identidade em relação ao casal.
Nesses casos, o insucesso da adoção está ligado à negligência e imprudência dos adotantes, e não apenas à falha na adaptação.

2. Extensão e quantificação: A resposta judicial

A quantificação da indenização por dano moral busca ser uma resposta judicial proporcional e educativa. A promotora de Justiça Fernanda Nagl Garcez, atuante no caso paranaense, ressaltou que:

"nenhuma indenização é suficiente para pagar o sofrimento, a revolta e a desconfiança que a criança cria nos adultos e na Justiça."

Para a fixação do quantum indenizatório, a Justiça considera:

Gravidade e consequências da lesão: Os danos causados ao menino de 10 anos em Curitiba incluíram crises de ansiedade, retraimento, agressividade, baixa autoestima e sentimento de autodepreciação, exigindo seu retorno ao acolhimento institucional.
Capacidade econômica e condição socioeconômica das partes.
Caráter pedagógico e preventivo da medida: A decisão deve servir de alerta para que pessoas habilitadas para a adoção entendam a responsabilidade envolvida ao iniciar o estágio de convivência.
No caso do Paraná, o valor inicialmente fixado em sentença (15 salários mínimos) foi considerado insuficiente, e o Ministério Público recorreu, obtendo o aumento para 25 salários-mínimos (cerca de R$ 37 mil). Em outros casos analisados pelo STJ, indenizações de 50 salários mínimos foram consideradas razoáveis, especialmente em abandonos após longos períodos de guarda.

3. Existem exceções? Quando a desistência é justificada?

Sim, a jurisprudência reconhece que a desistência pode não gerar indenização se for devidamente justificada, provando-se a ausência de abuso de direito.

Ausência de adaptação genuína: Se o fracasso do estágio de convivência é comprovado por parecer técnico, que demonstra o empenho dos adotantes, mas a total ausência de adaptação da criança à nova família, o reabrigamento pode ser considerado uma medida que atende ao melhor interesse do menor e não gera condenação. Nesses casos, a desistência não é encarada como ato ilícito.
Fatores externos insuperáveis: Em um precedente do STJ, a desistência foi considerada justificada, não configurando abuso de direito, em um caso onde a criança foi diagnosticada com uma doença neurológica grave e os pais adotivos eram lavradores com poucas condições financeiras, somado ao fato de a genitora biológica ter contestado o processo.
O fator idade (consentimento do adolescente): A idade, é um fator crucial, especialmente para adolescentes. O ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente exige o consentimento do adotando maior de 12 anos. Se a relação se deteriora de tal forma que o adolescente rejeita a família, deve prevalecer o princípio do melhor interesse, e a desistência pode ser acolhida, afastando a adoção.
Em suma, a mensagem do Judiciário é clara: a adoção não é uma "experiência passível de desistência sem a devida reflexão sobre as consequências emocionais e psicológicas impostas à criança". Embora a desistência seja legalmente possível antes da sentença, o processo de acolhimento exige responsabilidade, seriedade e compromisso, sob pena de responsabilidade civil. A lei protege o menor contra um segundo abandono.


Caio Vinicius Pereira da Silva
Caio Vinicius Pereira Pacheco - Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie - Formado em Analista Fiscal e Gestão Tributária pelo SENAC - Pesquisador Jurídico - CEA/AMBIMA

 

FONTE: Portal Migalhas 


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