Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJGO - Adotantes não inscritos no cadastro nacional. Excepcionalidade. Afetividade que se sobrepõe ao cadastro. Princípio do melhor interesse da criança

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022, 14h28

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR COM ADOÇÃO. ADOTANTES NÃO INSCRITOS NO CADASTRO NACIONAL. EXCEPCIONALIDADE. AFETIVIDADE QUE SE SOBREPÕE AO CADASTRO. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. SENTENÇA REFORMADA. 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 50, estabelece que a adoção só pode ser deferida aos interessados, previamente habilitados e inscritos no cadastro de adotantes, devendo a convocação respeitar a ordem de antiguidade dos inscritos, em prestígio ao princípio da igualdade entre todos os pretendentes. 2. Outrossim, é certo que em situações excepcionais, não se considera absoluta a regra de observância da ordem cronológica do Cadastro Nacional de Adoção, em observância ao princípio do melhor interesse do infante, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção. 3. Nesse sentido, em observância ao princípio da proteção integral e prioritária da criança previsto no Estatuto de Criança e do Adolescente e na Constituição Federal, consolidou-se o entendimento jurisprudencial de que há a primazia do acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional. 4. Nesta seara, conquanto a 'adoção à brasileira' não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais, há de preponderar-se em hipóteses como a em julgamento - consideradas as especificidades de cada caso -, a preservação da estabilidade familiar, sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que, movidas por nobres sentimentos de humanidade, os autores manifestaram verdadeira intenção de acolher como filho o infante, destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade/paternidade, merecendo reforma a sentença vergastada. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.(TJGO -04830163620208090011 APARECIDA DE GOIÂNIA, Relator: Des(a). SANDRA REGINA TEODORO REIS, Data de Julgamento: 01/03/2021, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 01/03/2021).

 

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

Gabinete Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5483016-36.2020.8.09.0011

COMARCA DE APARECIDA DE GOIÂNIA

6ª CÂMARA CÍVEL

APELANTES: VALDEMAR ROSA NUNES E OUTRA

APELADOS: J.P.N E OUTROS

RELATORA: Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR COM ADOÇÃO. ADOTANTES NÃO INSCRITOS NO CADASTRO NACIONAL. EXCEPCIONALIDADE. AFETIVIDADE QUE SE SOBREPÕE AO CADASTRO. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. SENTENÇA REFORMADA.

1. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 50, estabelece que a adoção só pode ser deferida aos interessados, previamente habilitados e inscritos no cadastro de adotantes, devendo a convocação respeitar a ordem de antiguidade dos inscritos, em prestígio ao princípio da igualdade entre todos os pretendentes.

2. Outrossim, é certo que em situações excepcionais, não se considera absoluta a regra de observância da ordem cronológica do Cadastro Nacional de Adoção, em observância ao princípio do melhor interesse do infante, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção.

3. Nesse sentido, em observância ao princípio da proteção integral e prioritária da criança previsto no Estatuto de Criança e do Adolescente e na Constituição Federal, consolidou-se o entendimento jurisprudencial de que há a primazia do acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional.

4. Nesta seara, conquanto a “adoção à brasileira” não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais, há de preponderar-se em hipóteses como a em julgamento – consideradas as especificidades de cada caso –, a preservação da estabilidade familiar, sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que, movidas por nobres sentimentos de humanidade, os autores manifestaram verdadeira intenção de acolher como filho o infante, destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade/paternidade, merecendo reforma a sentença vergastada.

APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 5483016-36.2020.8.09.0011 da Comarca de Aparecida de Goiânia, em que figura como apelantes VALDEMAR ROSA NUNES E OUTRA e como apelados J.P.N E OUTROS.

ACORDAM os integrantes da Quarta Turma Julgadora da 6ª Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e prover a Apelação Cível, nos termos do voto da Relatora.

A sessão foi presidida pelo Desembargador Jeová Sardinha de Moraes.

Votaram com a Relatora, Desembargador Jairo Ferreira Júnior e Desembargador Jeová Sardinha de Moraes.

Presente o Ilustre Procurador de Justiça Dr. Eliseu José Taveira Vieira.

Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis

Relatora

Datado e Assinado digitalmente conforme artigos. 10 e 24 da Resolução nº 59/2016 do TJGO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5483016-36.2020.8.09.0011

COMARCA DE APARECIDA DE GOIÂNIA

6ª CÂMARA CÍVEL

APELANTES: 

APELADOS: J.P.N E OUTROS

RELATORA: Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis

VOTO

Da admissibilidade

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação cível.

Da pretensão recursal

Insurgem-se os apelantes da sentença que acolheu parcialmente a pretensão inicial, apenas para determinar a destituição do poder familiar da mãe biológica, indeferindo o pleito de adoção.

Do mérito

Da adoção à brasileira

Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 50, estabelece que a adoção só pode ser deferida aos interessados, previamente habilitados e inscritos no cadastro de adotantes, devendo a convocação respeitar a ordem de antiguidade dos inscritos, em prestígio ao princípio da igualdade entre todos os pretendentes.

É válido ressaltar que a existência de cadastro de adotantes tende a observar o melhor interesse do menor, além de encerrar inúmeras vantagens ao procedimento legal da adoção, na medida em que os pretensos adotantes são avaliados por uma comissão técnica multidisciplinar, minimizando a possibilidade de eventual tráfico de crianças ou mesmo a adoção por intermédio de influências escusas, propiciando, ainda, igualdade de condições àqueles que pretendem adotar.

No que concerne à possibilidade de deferimento de adoção em favor de candidato não cadastrado, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu artigo 50§ 13º, as seguintes hipóteses:

“Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro

de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.

§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I - se tratar de pedido de adoção unilateral;

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de máfé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

Outrossim, é certo que em situações excepcionais, não se considera absoluta a regra de observância da ordem cronológica do Cadastro Nacional de Adoção, em observância ao princípio do melhor interesse do infante, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção.

Aliás, impende registrar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico no sentido de que “(...) a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança não é absoluta. Excepciona-se tal regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor, basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este não se encontre sequer cadastrado no referido registro (...).” (STJ, 3ª T., REsp nº 1172067/MG, Rel. Min. Massami Uyeda, j.18/03/2010 DJe 14/04/2010, RSTJ vol. 219, p. 362).

Portanto, em observância ao princípio da proteção integral e prioritária da criança previsto no Estatuto de Criança e do Adolescente e na Constituição Federal, consolidou-se o entendimento jurisprudencial de que há a primazia do acolhimento familiar em detrimento da colocação de menor em abrigo institucional.

A propósito, vale mencionar:

“HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). MEDIDA DE PROTEÇÃO. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. SUSPEITA DE ADOÇÃO INTUITU PERSONAE. ENTREGA DA CRIANÇA PELA MÃE AOS PAIS REGISTRAIS DESDE O NASCIMENTO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA". MEDIDA PROTETIVA EXCEPCIONAL. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL . OFENSA AO MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORDEM CONCEDIDA. 1. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de permitir, em situações excepcionais, a

superação do óbice da Súmula 691 do STF em casos de flagrante ilegalidade ou quando indispensável para garantir a efetividade da prestação jurisdicional. 2. O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA , ao preconizar a doutrina da proteção integral e prioritária do menor, torna imperativa a observância do melhor interesse da criança. 3. Esta Corte Superior tem entendimento assente de que, salvo evidente risco à integridade física ou psíquica do menor, não é de seu melhor interesse o acolhimento institucional em detrimento do familiar. 4. Nessa senda, o afastamento da medida protetiva de busca e apreensão atende ao princípio do melhor interesse da criança, porquanto, neste momento, o maior benefício à menor é mantê-la com os pais registrais, até ulterior julgamento definitivo da ação principal. 5. Ordem de habeas corpus concedida, com liminar confirmada.” (STJ Habeas Corpus 597554 PR 2020/0174678-7, 02/12/2020, 4ª Turma, Ministro Raul Araújo )

Esse também tem sido o entendimento desta Corte de Justiça:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER C/C ADOÇÃO. ADOTANTES NÃO INSCRITOS NO CADASTRO NACIONAL. PERMANÊNCIA DO MENOR COM OS ADOTANTES DESDE OS PRIMEIROS ANOS DE VIDA. GUARDA DEFERIDA. AFETIVIDADE QUE SE SOBREPÕE AO CADASTRO. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ADOÇÃO DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. I- A observância ao prévio cadastro de adotantes, em hipóteses excepcionalíssimas, deve ser mitigada, máxime quando bem demonstrado o vínculo afetivo e familiar existente entre os candidatos à adoção e o menor (Precedentes do STJ). II- Desta feita, diversamente das alegações do recorrente, a observância do cadastro de adotantes não é absoluta frente ao real interesse da criança e do adolescente, prevalecendo o vínculo afetivo entre o infante e os pretendentes à adoção, ainda que não existam prévia habilitação e parentesco. III- A convivência estabelecida entre o infante e os adotantes, com a entrega voluntária pela genitora e o procedimento legal devidamente instaurado, inclusive com a concessão da guarda judicial aos adotantes logo nos primeiros anos de vida do menor, portanto, sem qualquer demonstração de mácula capaz de infirmar o procedimento de adoção, impede a retirada abrupta da criança do lar adotivo, sob pena de violação ao princípio do melhor interesse do menor. IV- (...). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJGO, APELAÇÃO 0154732-29.2015.8.09.0052, Rel. Des LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Câmara Cível, julgado em 22/02/2018,DJe de 22/02/2018) (Grifei).

No caso em exame, depreende-se que a criança, hoje com 11 meses de idade, está sob os cuidados dos apelantes desde o seu nascimento e possui pleno e amplo acolhimento familiar, conforme relatório técnico jungido na mov. 22, realizado pela Pedagoga Judiciária.

Nota-se, ainda, no mesmo parecer técnico, que a genitora biológica do infante entregou o filho aos autores/apelantes, desde o seu nascimento, não havendo possibilidade de o querer de volta, confira: “No tocante ao contato com a família que acolheu (...) explanou que eles sempre telefonam para ela, mandam fotos da criança e às vezes o levam para visitá-la e afirmou que percebe que Sr. Valdemar e Sra.

Rosângela fazem questão da aproximação. No entanto, a genitora afirma que é uma decisão definitiva e não há possibilidades de ela querer o filho de volta .”

Nesta seara, conquanto a “adoção à brasileira” não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais, há de preponderar-se em hipóteses como a em julgamento – consideradas as especificidades de cada caso –, a preservação da estabilidade familiar, sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que, movidas por nobres sentimentos de humanidade, os autores (...) manifestaram verdadeira intenção de acolher como filho a criança (...), destinando-lhe afeto e cuidados inerentes à maternidade/paternidade, construída e plenamente exercida.

Como reforço argumentativo, confira-se excerto da manifestação exarada pelo Ministério Público, com atuação em segunda instância (mov. 77), a qual ora adoto como razões de decidir: “Retirá-lo da proteção e do amor dos recorrentes e transferi-lo para um abrigo e depois possivelmente a outro casal cadastrado na lista, somente em razão do princípio da legalidade, despreza o real interesse do menor, neste passo já habituado ao ambiente e às pessoas com quem se encontra, com risco ao seu melhor desenvolvimento enquanto pessoa.

De qualquer sorte, o Estatuto da Criança e do AdolescenteECA, ao preconizar a doutrina da proteção integral (artigo 1º da Lei nº 8069/1990), torna imperativa a observância do melhor interesse da criança.”

Sob esta ótica, merece reforma a sentença impugnada, porquanto prevalece, na hipótese, a ligação socioafetiva construída entre pais e filho, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar.

Dispositivo

EX POSITIS, CONHEÇO da Apelação Cível e DOU-LHE provimento, a fim de julgar procedente a pretensão inicial, a fim de deferir a guarda do menor (...) aos autores.

No mais, fica consignado que a interposição de embargos de declaração meramente protelatórios ocasionará na multa prevista no art. 1.026§ 2º, do CPC.

É o voto.

Desembargadora Sandra Regina Teodoro Reis

Relatora

Datado e assinado digitalmente conforme art. 10 e 24 da Resolução nº 59/2016 do TJGO

 


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