MPF e Banco Central debatem segurança e regulação do Sistema Financeiro Nacional
por Zeca Ribeiro
terça-feira, 18 de novembro de 2025, 13h23
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O Ministério Público Federal (MPF) e o Banco Central do Brasil (Bacen) realizaram, nos dias 13 e 14 de novembro, em Brasília, o workshop “MPF e Bacen em Diálogo: Regulação e Riscos do Sistema Financeiro”. O evento, promovido pela Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF (3CCR/MPF).
Em parceria com o Bacen, visou fortalecer a cooperação entre as instituições para enfrentar os desafios de um Sistema Financeiro Nacional (SFN) cada vez mais digital e complexo, com ênfase na segurança dos consumidores e no combate a fraudes. Na abertura, o subprocurador-geral da República e coordenador da 3CCR/MPF, Luiz Augusto Santos Lima, contextualizou o debate.
Ele explicou que o evento nasceu da necessidade de suprir um déficit de informação sobre temas complexos e de grande impacto, destacando que o sistema de pagamento é visto como um instrumento de inclusão social. A dimensão dessa transformação foi quantificada durante o workshop, conforme dados citados pelo representante da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ivo Mósca: no ano passado, 82% das 208 bilhões de transações financeiras foram realizadas por meio digital. Esse volume recorde de dados e movimentações cria um complexo cenário de vulnerabilidades que exige regulação imediata.
Contexto da regulamentação – O debate sobre a regulação das Instituições de Pagamento (IPs) pelo Bacen é impulsionado pela Lei nº 12.865/2013, que estabeleceu o arranjo de pagamentos no país, mas criou um ambiente onde a inovação e o crescimento rápido das fintechs não foram acompanhados pelo devido controle de risco. A regulamentação atual busca, portanto, reequilibrar o SFN, garantindo que a inclusão financeira e a competitividade sejam mantidas, mas sem comprometer a segurança, o combate à lavagem de dinheiro e a proteção do consumidor.
O que são Fintechs – As fintechs (acrónimo para "financial technology") são empresas que introduzem inovações nos mercados financeiros por meio do uso intenso de tecnologia, criando novos modelos de negócios e oferecendo serviços digitais. No Brasil, elas se dividem em diversas categorias, como crédito, investimento e, fundamentalmente para o debate do MPF, de pagamento (as Instituições de Pagamento ou IPs). O crescimento destas plataformas online foi o motor da digitalização recorde do sistema, mas levantou desafios de segurança regulatória.
Ponto fraco da digitalização – Apesar dos benefícios da digitalização, a falta de controle sobre as Instituições de Pagamento (IPs) surgiu como o principal ponto de vulnerabilidade debatido. O procurador da República e coordenador da Comissão do Sistema Financeiro Nacional da 3CCR/MPF, Alfredo Falcão, destacou o risco que a atual lacuna regulatória representa para a integridade do sistema.
Segundo ele, existem IPs que não dependem de autorização do Banco Central para operar. As investigações demonstram que são, sobretudo, essas instituições não autorizadas as responsáveis por fazer circular dinheiro de apostas (bets) ilegais ou, de modo clandestino, de bets autorizadas. Falcão reforçou que a regulamentação é uma medida de proteção direta ao cidadão.
Segundo ele, a regulamentação pelo Bacen é vital para o cidadão, pois garantirá que, no universo de apostas, o dinheiro esteja sendo aplicado de acordo com as regulamentações. “Isso assegura o retorno do prêmio para o apostador, o pagamento dos tributos, e que os recursos cumpram sua destinação legal”, afirmou. O coordenador da Comissão explicou que o mercado, que inicialmente flexibilizou a regulamentação para promover a competitividade via fintechs, acabou criando uma “oportunidade para abusos”, que agora está sendo corrigida. Alfredo Falcão destacou que a regulamentação terá impacto direto no crime e na saúde pública.
Para o representante do MPF, a medida fará com que as casas de apostas remanescentes passem pelo crivo do poder público, adequando-se a normas de saúde pública (proteção a pessoas viciadas em jogo), tributos e de natureza criminal, evitando que se tornem ponto de passagem para a lavagem de dinheiro. Na avaliação do procurador, o workshop reforça a necessidade de que o Bacen exija que somente Instituições de Pagamento autorizadas atuem, eliminando o espaço para as não autorizadas que burlam normas de proteção.
Diálogo institucional – As autoridades do Bacen e do MPF enfatizaram que a cooperação mútua é a estratégia mais eficaz para enfrentar a criminalidade organizada. O secretário-executivo do Banco Central, Rogério Lucca, defendeu uma resposta unificada do Estado. “Se o crime é organizado, o Estado também tem que ser”, destacou Lucca, pontuando que o desafio atual é migrar para a etapa de adequação e segurança na prestação de serviços. O secretário-executivo ressaltou, ainda, que, embora o sistema financeiro brasileiro seja uma “referência global”, seu sucesso atrai setores não legítimos, exigindo a reação contínua do Bacen com medidas emergenciais e estruturais.
Já o subprocurador-geral da República e coordenador da Câmara Criminal (2CCR/MPF), Francisco Sanseverino, relembrou a importância histórica da parceria entre MPF e Bacen, citando um caso judicial de amplitude nacional que só avançou graças ao esforço conjunto das instituições. Ele sugeriu, ainda, a realização de um futuro encontro específico para aprofundar o diálogo nos aspectos criminais.
Painéis temáticos: segurança, fraudes e riscos sistêmicos
Realizado em formato híbrido, o workshop contou com a participação presencial de 35 integrantes do MPF de todo o país e especialistas do setor, além de quase 60 participantes online. O evento demonstrou o esforço coordenado para qualificar as práticas de regulação e supervisão, abordando temas críticos em seus painéis:
Painel 1 — Regulação de Arranjos de Pagamentos e Promoção da Competição
Moderado pelo procurador regional da República, Waldir Alves, e conduzido por Ricardo Teixeira Leite Mourão (Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do Bacen), o painel detalhou o papel da instituição como reguladora e supervisora dos arranjos de pagamentos. Mourão abordou a classificação desses arranjos, os conceitos de interoperabilidade e apresentou um estudo de caso sobre o tratamento das transações de aporte em contas de pagamento pré-pagas via arranjos de cartões de crédito.
Painel 2 — Inovação Financeira e Defesa do Consumidor: Novas Ferramentas do Banco Central
Moderado pelo coordenador da 3CCR, Luiz Augusto Santos Lima, e apresentado pelo chefe do Departamento de Atendimento Institucional (Deati/Bacen), Carlos Eduardo Rodrigues da Cunha Gomes, o painel focou na defesa do cidadão. A principal novidade em discussão foi a implementação de uma ferramenta prevista para 2025 que permitirá ao cidadão bloquear o uso de seu CPF para abertura de contas em instituições financeiras, prevenindo fraudes. Além disso, foram debatidos o aprimoramento de serviços como o Registrato e o Sistema de Valores a Receber (SVR) no portal Meu BC.
Painel 3 — Apostas Esportivas: Meios de Pagamento, Riscos e Desafios de Mercado
Moderado pelo procurador da República, Alfredo Falcão Júnior, e liderado pela chefe do Departamento de Supervisão de Conduta do Bacen, Juliana Mozachi Sandri este painel destacou a atuação do MPF na prevenção de abusos e na articulação com órgãos do Executivo, incluindo a participação na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA)para combate à lavagem de dinheiro no setor. O debate abordou o jogo ilegal no ambiente digital e a importância da Lei 14.790/2023 (Lei das Bets) na exigência de meios de pagamento reconhecidos para as transações.
Painel 4 — Processo de autorização do Bacen
Moderado pelo procurador da República Paulo Galvão e apresentado pelo representante do Departamento de Organização do Sistema Financeiro (Deorf/Bacen), Luciano Garcia Roman, painel detalhou o processo de autorização para criação, operação e reorganização de instituições financeiras, incluindo operações de fusão, aquisição e mudança de controle no SFN.
Foi destacado que a análise é realizada de forma integrada pelo Banco Central e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com a participação do MPF junto ao Cade. Os debates incluíram os requisitos legais e operacionais, bem como os elementos prudenciais, como estrutura de capital, governança, modelo de negócio e gestão de riscos.
Painel 5 — Fraudes e Riscos em Empréstimos Consignados
Moderado pelo procurador da República Hilton Melo e apresentado pelo representante do Departamento de Supervisão de Conduta (Decon/Bacen), Valdemir Fortes de Sousa, o painel abordou o trabalho feito pela 3CCR, que mantém um grupo de apoio sobre o tema dos empréstimos consignados.
Em resposta ao grande volume de denúncias de fraudes – incluindo falsificação de assinaturas, desvio de verbas e descontos indevidos em benefícios previdenciários –, o debate focou nas práticas do setor bancário para garantir a integridade das operações e a segurança do consumidor. O MPF sugeriu a melhoria dos padrões de segurança, com a inclusão de autenticações mais robustas, como biometria e verificação por vídeo, e o monitoramento mais eficaz dos correspondentes bancários.
Painel 6 — O Impacto do Aumento das Recuperações Judiciais no Setor Agrícola para o Sistema Financeiro Nacional
Moderado pelo procurador da República Marcus Vinícius Aguiar Macedo e apresentado pelo representante do Departamento de Regulação, Supervisão e Controle das Operações do Crédito Rural e do Proagro (Derop/Bacen), Paulo Soares Sampaio, o debate se concentrou no aumento dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio, movimento associado ao endividamento excessivo dos produtores, oscilações de mercado e riscos ambientais.
A discussão levantou a necessidade urgente de soluções que busquem o equilíbrio entre a estabilidade do SFN e a mitigação de riscos sistêmicos.
➥ Assista ao Workshop "MPF e Bacen em Diálogo: Regulação e Riscos do Sistema Financeiro" - Dia 13/11
➥ Assista ao Workshop "MPF e Bacen em Diálogo: Regulação e Riscos do Sistema Financeiro - Dia 14/11
Fonte: MPF