Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Migalhas: Da mão invisível à intervenção — a crise do crédito consignado

por Marcos Délli Ribeiro Rodrigues e Rodrigo Cavalcan

quarta-feira, 05 de novembro de 2025, 13h18

 

A Constituição Federal, em seu art. 170, elege a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica, delimitando a atuação estatal diante do mercado. Ao mesmo tempo em que protege a livre concorrência e a defesa do consumidor, exige do Estado uma postura ativa na redução das desigualdades sociais e regionais.

 

Em outras palavras: o texto constitucional não autoriza um Estado espectador, refém da "mão invisível" de Adam Smith. Pelo contrário, impõe uma hermenêutica econômica conforme a Constituição, capaz de permitir correções de rumo quando o mercado falha, seja por monopólios, cartéis ou assimetrias de informação.

 

E falhou - ruidosamente - no caso do crédito consignado.

 

Nos últimos meses, o Brasil foi tomado por denúncias de contratos fraudulentos firmados sem consentimento de beneficiários do INSS, num escândalo que ganhou projeção internacional. A Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal e pela CGU, revelou descontos ilegais em milhões de benefícios previdenciários. O prejuízo estimado chega a R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024, segundo relatório da CPMI do INSS.

 

O caso não apenas expôs a fragilidade do sistema de consignações, mas também evidenciou um problema estrutural, resultado direto de assimetria informacional e falhas de integridade. Diante da crise, o INSS suspendeu a averbação de novos contratos de algumas instituições financeiras e intensificou as exigências de compliance e integridade. A CGU assumiu os processos administrativos, reforçando a necessidade de responsabilização efetiva.

 

A reação institucional foi ampla. A Febraban reiterou seu compromisso com a autorregulação e anunciou medidas contra práticas ilícitas, inclusive a criação de mecanismos para cancelamento de "contas laranja" e contas ligadas a apostas ilegais. A ABBC, por sua vez, destacou o avanço do sistema "Não me Perturbe", que já registrou mais de 5,5 milhões de pedidos de bloqueio de ligações de oferta de crédito, além de aprimorar suas normas contra o assédio comercial.

 

Essas iniciativas representam um institucionalismo plúrimo e preventivo digno de registro, demonstrando que a autorregulação setorial pode ser um poderoso instrumento de governança quando acompanhada de vigilância estatal inteligente. Não é verdade que bancos apenas buscam lucro.

 

Em perspectiva econômica, social e até humanitária, o sistema bancário foi essencial em momentos críticos, como durante a pandemia da covid-19. O crédito consignado é, em essência, uma política de inclusão financeira, que democratiza o acesso ao crédito e sustenta parte importante da economia popular.

 

O Banco Central, por sua vez, mantém postura exemplar ao reforçar o paradigma ESG (Ambiental, Social e Governança), publicando relatórios de economia bancária e indicadores de reclamações que aprimoram a transparência e a concorrência. A portabilidade de crédito, por exemplo, reduziu taxas de juros e aumentou a competição entre bancos, segundo estudo do próprio BC.

 

Tudo isso revela um Estado que, sem sufocar o mercado, deve atuar de forma cirúrgica e eficiente para corrigir falhas. Essa é a essência da intervenção mínima e necessária, compatível com o princípio da eficiência administrativa (art. 37 da Constituição). Portanto, deve melhorar a segurança e reduzir fraudes no consignado, exigindo:

 

➥ Controles internos mais rigorosos no INSS;
➥ Uso de biometria facial e dupla verificação de consentimento;
➥ Análise de perfil e histórico de consignações dos beneficiários;
➥ E uma educação financeira de base, que empodere o cidadão diante do sistema, etc.
➥ O caso do consignado é uma advertência: com um Estado eficiente, a liberdade econômica se transforma em prosperidade compartilhada.

 

Fonte: Migalhas


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