Migalhas: Responsabilidade civil dos influenciadores digitais sobre os danos causados pelas apostas
por Caroline Ricarte
quinta-feira, 22 de maio de 2025, 17h00
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1. Evolução e influência digital das bets
É evidente o crescimento do mercado de apostas esportivas online no Brasil, impulsionado pela intensa promoção nas redes sociais, especialmente por influenciadores digitais. De acordo com uma pesquisa realizada pela BigDataCorp, empresa de datatech, o número de empresas atuantes nesse segmento subiu de 840, em 2021, para aproximadamente 2.100, em 2024. Ainda, que a faixa etária dos consumidores é compreendida entre 20 e 30 anos, enquanto o valor médio evolui conforme a idade. Os mais jovens investem normalmente R$ 100 por mês, já os mais velhos passam dos R$ 3 mil mensais.
Os influenciadores, sob a alusão de lucros rápidos e ganhos fáceis, iniciaram preocupações jurídicas relevantes. Duas delas diz respeito aos danos relacionados ao vício por apostas e à responsabilidade civil desses agentes digitais pela indução de condutas potencialmente danosas, especialmente quando o público desses influenciadores também inclui pessoas vulneráveis, como adolescentes, crianças, pessoas com transtornos compulsivos, etc.
Recentemente, a instalação da CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito das Bets no Senado revelou que, apenas no primeiro trimestre de 2024, os brasileiros chegaram a movimentar até R$ 30 bilhões por mês em apostas esportivas. Não só isto, há um perigo iminente, o vício em apostas compromete a renda familiar e a saúde mental dos apostadores.
Segundo o levantamento feito pela SBVC - Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo e pela AGP Pesquisas, ao menos 63% dos apostadores comprometeram a renda da família, enquanto 19% pararam de fazer compras no supermercado e 11% deixaram de comprar medicamentos ou gastar com saúde. A OMS - Organização Mundial de Saúde já reconheceu que o desejo incontrolável por jogos é questão de saúde pública, doença identificada pela CID 10-Z72.6 (mania de jogos e apostas) e ainda pela CID 10-F63.0 (jogo patológico) e adverte quanto aos transtornos relacionados a depressão, ansiedade e que podem levar até ao suicídio.
O Ministério da Previdência Social registrou 402 concessões de benefícios por incapacidade temporária devido a transtornos relacionados ao jogo em 2024. Sob a ótica do CC brasileiro, estes sujeitos possuem proteção especial em razão de sua capacidade civil e vulnerabilidade diante das práticas de consumo digital.
2. O papel dos influenciadores digitais nas apostas
No universo das apostas online, os influenciadores digitais atuam como verdadeiros intermediários entre plataformas e potenciais usuários, promovendo a atividade como forma rápida e acessível de ganho financeiro. A comunicação direta e pessoal que eles mantêm com seu público torna a sua atuação ainda mais persuasiva, reforçando laços de confiança que ultrapassam a publicidade tradicional.
O apelo emocional e a repetição do estímulo ao consumo, aliados à credibilidade conquistada nas redes sociais, criam uma situação de indução ou coação indireta, que fragiliza o consentimento do consumidor. Assim, questiona-se: há possibilidade de responsabilizar um influenciador pelos danos causados pelas casas de apostas?
3. Os influenciadores à luz do CDC
Antigamente, os artistas eram pagos para apenas promover marcas. Nos dias atuais os influenciadores digitais são aqueles que, não necessariamente vivem de sua arte, mas personalidades que compartilham seus estilos de vida, rotina e acabam atraindo para si uma gama de seguidores através de suas redes sociais. Por causa desse estilo, cria-se um relacionamento unilateral de admiração e confiança, mesmo a distância, de seguidor para com o influencer.
Todas as vezes que o influenciador divulga um serviço/marca, estamos diante de um publipost, anúncio publicitário, conceituado no art. 18 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. A partir dessa publicidade é que se questiona a responsabilidade civil desse influenciador sobre os produtos e serviços divulgados em suas redes sociais.
Para o CDC, os influenciadores podem ser interpretados como fornecedores por equiparação, enquadrando-se nos termos do art. 3º do referido código. A interpretação extensiva desse conceito permite incluir os influenciadores na cadeia de fornecimento na medida em que promovem a distribuição ou comercialização dos serviços anunciados e em razão da obtenção de vantagem econômica decorrente da relação de consumo.
Corrobora-se a este entendimento o art. 37 do CDC, que veda a publicidade enganosa ou abusiva, podendo estar ligada a vários fatores, como: omissão de informações relevantes, promessas de ganhos irrealistas, exploração da vulnerabilidade do público, naturalização de atividades potencialmente ilegais. Em suma, caso sejam enquadrados como fornecedores de serviços, os influenciadores digitais poderão ser responsabilizados a luz do CDC respondendo pelo produto fornecido, neste caso, os danos ocasionados pelas casas de apostas.
4. Responsabilidade civil dos influenciadores
A responsabilidade civil é definida nos arts. 186 e 927 do CC, vejamos:
➡ "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
➡ "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."
Para que haja o dever de indenizar demonstrado nos artigos, são necessários três elementos: a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. No contexto da publicidade digital de apostas, a conduta dos influenciadores que promovem tais plataformas de forma irresponsável omitindo riscos, induzindo ao erro ou direcionando conteúdo a vulneráveis - pode configurar o elemento subjetivo da culpa ou até mesmo dolo. Quando se trata de influenciadores que lucram com a divulgação e recebem comissões, pode-se ainda cogitar a responsabilidade objetiva, especialmente quando houver relação de consumo, com base no art. 14 do CDC.
No que diz respeito ao dano, ele pode ocorrer tanto na esfera material, devido a perdas financeiras causadas por apostas compulsivas, quanto na esfera moral, resultando em frustração, exposição social ou deterioração da saúde emocional da vítima. O nexo de causalidade deve ser avaliado conforme a teoria da causalidade adequada, considerando se a ação do influenciador foi significativa para causar o dano. Se o conteúdo publicitário foi decisivo para que uma pessoa vulnerável aderisse à plataforma de apostas, há justificativa legal para responsabilizar civilmente o agente digital.
5. Conclusão
Embora a jurisprudência brasileira ainda esteja em estágio inicial sobre esse assunto, existe um crescente consenso de que as ações dos influenciadores digitais não podem ser desvinculadas das consequências práticas de seu conteúdo. A responsabilização civil, nesse contexto, é vista como um instrumento essencial para proteger a dignidade humana e limitar comportamentos abusivos no ambiente digital.
Nesse contexto, é fundamental reconhecer que, embora os influenciadores não sejam formalmente partes dos contratos de aposta, sua participação ativa na indução ao consumo - com discurso persuasivo, omissão dos riscos envolvidos e incentivo a comportamentos potencialmente danosos - os coloca como co-causadores desses danos.
Diante dessa realidade, o ordenamento jurídico brasileiro precisa avançar na regulamentação e restrição da publicidade digital voltada ao setor de apostas. Devem ser estabelecidos deveres claros de transparência, restrições etárias rigorosas, a responsabilidade solidária dos influenciadores em casos abusivos e sanções administrativas apropriadas.
Fonte: Migalhas