Juiz absolve 7 réus pelo incêndio no Ninho do Urubu
quarta-feira, 22 de outubro de 2025, 15h45
Por entender que nenhum dos acusados criou “risco juridicamente relevante” para além do que era próprio e permitido em suas atividades, o juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, absolveu, nesta terça-feira (21/10), sete réus pelo incêndio ocorrido em 2019 no Ninho do Urubu, o centro de treinamento (CT) do Flamengo.
O episódio causou a morte de dez adolescentes das categorias de base do clube de futebol e graves lesões em outros três. A tragédia teve origem em um defeito no aparelho de ar-condicionado de um dos quartos do alojamento dos jovens atletas, que ficavam em contêineres.
Em 2021, o Ministério Público fluminense denunciou 11 pessoas pelo crime de incêndio culposo qualificado pelos resultados de morte e lesão grave.
O órgão alegou descumprimento de normas técnicas regulamentares, ocultação das reais condições das construções existentes no local, falta de manutenção adequada das estruturas elétricas que forneciam energia ao contêiner e inexistência de plano de socorro e evacuação em caso de incêndio.
Ao longo dos últimos anos, alguns réus foram excluídos do processo. Entre eles, o ex-presidente do Flamengo e hoje deputado federal Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ), devido à prescrição.
Restaram no polo passivo dois diretores do Flamengo à época do incêndio, quatro funcionários da fornecedora de contêineres e um sócio da empresa que fazia a manutenção nos aparelhos de ar condicionado do CT.
Fundamentação
Na sentença, o magistrado indicou dúvida sobre o “mecanismo exato da ignição” do aparelho de ar condicionado.
A perícia oficial concluiu que o fogo teria começado por problemas internos no equipamento. Mas o magistrado afirmou que o laudo deixou em aberto a possibilidade de outras hipóteses, pois não fez um “ensaio laboratorial” para reproduzir a falha do motor ou do ventilador do aparelho.
“Diante da destruição dos componentes essenciais do equipamento, tais como enrolamentos, conectores e terminais, mostrou-se inviável, do ponto de vista técnico, reconstituir com segurança o ponto exato da falha, de modo a amparar juízo de certeza sobre a causa primária”, disse. “Nesse contexto, permanece plausível que o incêndio tenha decorrido de fatores externos ao motor.”
Na visão do juiz, a acusação do MP estava “viciada” pelo chamado “viés retrospectivo”, ou seja, “pela reinterpretação do passado a partir do conhecimento do resultado”. Segundo ele, depois que um evento danoso acontece, a tendência é “superestimar a sua previsibilidade” e atribuir ao réu “uma capacidade onisciente que, no momento da ação, não lhe era razoavelmente exigível”.
Barros também lembrou que existem riscos socialmente tolerados devido à sua utilidade: “O tipo culposo não se perfaz quando o resultado decorre da realização de um risco que, embora perigoso em si, se mantém dentro dos limites da normalidade e da tolerabilidade socialmente reconhecida.”
Com relação ao diretor financeiro do Flamengo acusado no processo, o juiz entendeu que as questões relacionadas às manutenções técnicas “passavam ao largo tanto das suas atribuições, quanto da expertise exigida pelo cargo”. Na sua visão, não seria possível exigir dele o conhecimento de um problema técnico específico no ar-condicionado.
Já o diretor-adjunto de patrimônio do clube, também réu, apenas colaborava “de forma administrativa e orçamentária, sem qualquer ingerência técnica ou decisória sobre a manutenção ou operação cotidiana do CT”.
O magistrado considerou que os réus da fornecedora de contêineres agiram dentro das regras vigentes à época e confiaram em certificações internacionais válidas dos materiais.
De acordo com ele, a diretora comercial da empresa não tinha poder de decisão técnica sobre materiais; o engenheiro responsável pela parte técnica dos contêineres tinha função meramente operacional e administrativa; e outro engenheiro se limitou à montagem estrutural dos contêineres conforme o projeto do cliente.
Já o engenheiro eletricista montou um projeto elétrico correto para os contêineres, mas o Flamengo, “de forma unilateral, decidiu alterar, inadequadamente, a potência dos aparelhos a serem instalados, bem como manteve falhas estruturais em sua rede elétrica”. Isso levou à falha no sistema.
Por fim, Barros não constatou provas suficientes para condenar o responsável pela manutenção dos aparelhos. Isso porque ele havia feito apenas um reparo no ar-condicionado de outro quarto.
O juiz afirmou que seria impossível estabelecer um nexo entre essa intervenção e a ignição, “seja porque os componentes essenciais foram destruídos pelo fogo, seja pela ausência de ensaios de reprodutibilidade que pudessem confirmar a hipótese acusatória”.
Fonte:Conjur