STJ contraria intenção do legislador ao permitir desempate em ações penais
quarta-feira, 02 de abril de 2025, 15h15
O legislador brasileiro foi muito claro ao editar a Lei 14.836/2024: o empate em ações penais deve ser definitivo e resolvido em favor da defesa. Porém, ao permitir o voto de desempate do presidente da Corte Especial em julgamentos de processos do tipo, o Superior Tribunal de Justiça rejeita essa intenção.
A conclusão é de criminalistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o julgamento promovido pelo STJ no último dia 19.
Por maioria de votos, a Corte Especial concluiu que o Regimento Interno do tribunal, que prevê o voto de desempate do presidente do colegiado, sobrepõe-se às previsões da Lei 14.836/2024.
A norma alterou tanto o Código de Processo Penal quanto a Lei 8.038/1990, que instituiu regras procedimentais para os processos perante o STJ e o STF para prever que o empate em casos criminais deve ser resolvido em favor da defesa.
Na justificativa do Projeto de Lei 3.453/2021 (clique aqui para ler), o deputado federal Rubens Pereira Junior (PT-MA) defendeu a mudança da lei para esclarecer que o princípio in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu) vale para todos os processos penais.
“É que, pela ausência de previsão legal, diversos julgamentos que têm como resultado um empate podem indevidamente resultar em decisão prejudicial ao réu ou em suspensão do julgamento, em contrariedade com os princípios constitucionais mencionados”, disse o parlamentar.
No relatório apresentado à Câmara, o deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) destacou que o ônus da dúvida, expressa em um empate de votos, deve ser suportado pelo Estado, que tinha a obrigação de produzir provas incriminatórias para além de qualquer dúvida razoável.
Até a edição dessa lei, o CPP previa, no artigo 615, parágrafo 1º, que o presidente do colegiado poderia desempatar a votação, caso não tivesse votado ainda. Do contrário, prevaleceria a decisão mais favorável ao réu. Hoje, só a segunda alternativa está listada.
“Essa é uma norma já prevista no §1º do art. 615 do Código de Processo Penal, que fixa o dever de absolvição do réu nos julgamentos de recursos perante os tribunais em casos de empate. O que a presente proposição faz é, por medida de coerência, determinar a aplicação da mesma regra a outros tipos de processo criminal, como as ações penais originárias, as quais, após a Constituição Federal de 1988, passaram a ocupar a agenda dos tribunais de modo extremamente mais frequente do que no passado”, explicou Nascimento.
Desempate indevido
Esse cenário mostra que o legislador teve o cuidado de extirpar qualquer dúvida e impedir posições como a admitida pela Corte Especial do STJ, segundo o ex-procurador regional da República Eugênio Pacelli.
“O legislador mexeu cá (no CPP) e lá (na Lei 8.038/1990) para dizer que todo julgamento colegiado, em qualquer órgão de qualquer tribunal, será feito dessa maneira. Se preenchido o quórum e se terminar empatado, tem de rejeitar denúncia”, disse o advogado, que classificou a posição do STJ como equivocada e constrangedora.
Pacelli, que é advogado do desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Geraldo Domingos Coelho, hoje réu por causa de um voto de desempate da ministra Maria Thereza de Assis Moura na Corte Especial do STJ, levou o tema ao Supremo Tribunal Federal em Habeas Corpus.
Henrique Viana Pereira, que faz a defesa do desembargador do TJ-MG Eduardo Grion, que agora aguarda o voto de desempate do ministro Herman Benjamin para saber se será réu em ação penal, também critica a posição.
Para ele, o STJ contrariou dispositivos da lei federal. Se o presidente do colegiado só votaria em caso de empate e há norma legal determinando que o empate gera proclamação do resultado favorável à defesa, não caberia interpretação excepcional ou diversa.
“Ao admitir uma interpretação excepcional em um conflito entre norma regimental anterior e norma legal posterior, há risco de insegurança jurídica, com repercussão nos demais tribunais. A situação desrespeita normas legais”, destacou ele.
Munição para a defesa
Daniel Bialski, mestre em Direito Processual Penal e sócio do escritório Bialski Advogados, avalia que esse é mais um elemento para as defesas se atentarem nos julgamentos de ações penais originárias nos tribunais.
Ele levanta uma possibilidade: se cabe o voto do presidente, a defesa tem o direito de pedir que ele se manifeste em votação resolvida por um voto de diferença.
“Esse mecanismo foi feito para tirar dúvidas de questionamentos sobre decisões do STJ e do STF. O que se fez foi tornar literal algo que já era praticado”, disse o advogado, citando que empates não são incomuns por impedimentos ou ausências de ministros, quando são resolvidos a favor da defesa.
Inq. 1.665
Inq. 1.654
Fonte: Conjur