Projeto Mentes Literárias lança obras de detentos em Minas Gerais
quarta-feira, 10 de setembro de 2025, 17h29

O Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP) de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), teve sua rotina completamente modificada na última sexta-feira (5/9). A unidade prisional foi palco do lançamento de dois livros cujos textos foram escritos por 60 detentos do sistema prisional mineiro.
A obra Resgate Familiar e Prisão e a obra Bullying Social e Reinserções integram a 9.ª edição do projeto “Mentes Literárias: da magia dos livros à arte da escrita”, projeto do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que faz da leitura e da escrita ferramentas de ressocialização no sistema prisional.
O encontro foi organizado pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e reuniu familiares, professores, autoridades da Justiça e gestores do sistema prisional. Na cerimônia de entrega dos livros, 30 detentos autografaram as obras.
O supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), conselheiro José Edivaldo Rotondano, destacou que a proposta ajuda a romper preconceitos. “O fato de alguém estar preso já é um estigma. Queremos mostrar que essas pessoas têm direito à educação, ao trabalho e à cultura. A pena já é suficiente, não pode haver desumanização”, afirmou.
O projeto Mentes Literárias é uma das iniciativas do CNJ voltadas à promoção da cidadania dentro do sistema prisional. Por meio de oficinas literárias, rodas de leitura e produção de textos autorais, o programa estimula o desenvolvimento dos participantes, oferecendo novas perspectivas de vida e oportunidades de expressão. A iniciativa também garante remição de pena pela leitura, conforme preconiza a Resolução CNJ n. 391/2021.
As obras escritas pelos presos mineiros trazem reflexões sobre exclusão, violência e a reconstrução de trajetórias por meio da educação e da cultura. “A literatura tem o poder de abrir horizontes, despertar consciências e reconstruir trajetórias”, destaca um dos trechos do livro sobre o impacto da leitura e da escrita na vida dos apenados.
Transformação social
Durante o lançamento, o professor colaborador do CNJ Everaldo Carvalho perguntou aos presos: “Quem tirou as algemas de vocês?”. A resposta foi uníssona: “A educação”. “O olhar direto, o gesto de apertar as mãos e a sinceridade dos educadores fizeram diferença. Isso é uma maneira de eu honrar minha família, minhas filhas e minha esposa. Só tenho a agradecer”, afirmou Henrique Rodrigues, de 35 anos.
Para a mãe do detento Jackson Felipe de Souza, 36 anos, ver o filho trilhar o caminho da literatura é um sonho. Rosinei Dias, 58 anos, se disse feliz e emocionada. “Por dentro, meu coração está batendo forte. Ele já me contou um pedacinho do livro, com lembranças da infância. Eu estou ansiosa para ler. Para mim, ele é um vencedor”, disse, orgulhosa.
Escolha que liberta
A juíza Bárbara Isadora Santos Nardy, coordenadora executiva adjunta do GMF do TJMG, elogiou o projeto “construído por muitas mãos”. Ela disse ainda que a reintegração social dos detentos precisa ser trabalhada desde o início do cumprimento da pena. Para a magistrada, trabalhar com literatura tem ampliado a mente dos participantes, “mostrando ser possível a escolha de outros caminhos”.
O jornalista, teólogo e empresário Cláudio Silva encerrou o evento com um depoimento sobre sua trajetória de superação. Ex-detento, ele revelou que encontrou na leitura o ponto de virada para sua transformação pessoal. Durante o período em que esteve preso, lembrou, leu todos os livros disponíveis na unidade prisional — inclusive a Bíblia, que leu três vezes.
“A educação abre e fecha qualquer porta em qualquer lugar. A educação liberta”, concluiu, representando, pessoalmente, o propósito do projeto Mentes Literárias. Também participaram do evento: o promotor de justiça Leonardo Mar Araújo de Melo; o defensor público Leonardo Bicalho de Abreu; o diretor presidente da empresa Gestores Prisionais Associados (GPA), Leonardo Grilo; o presidente da Socializa Brasil, Eduardo Brim Fialho, empresa parceira do Mentes Literárias; o autor do livro Síndrome de Potifar, Ernesto Lippman; entre outros.
O projeto é conduzido pelo programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). A iniciativa prevê a realização de rodas e oficinas de leitura e escrita em unidades prisionais e escritórios sociais, além da qualificação de acervos literários e da estruturação de bibliotecas nesses espaços.
FONTE: CNJ