MT registra salto nos crimes contra LGBTQIAPN+, aponta Anuário de Segurança
por Joice Gonçalves
quinta-feira, 24 de julho de 2025, 17h01
O número de homicídios contra pessoas LGBTQIAPN+ em Mato Grosso praticamente dobrou em um ano, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025. Foram 13 registros em 2024 e 7 em 2023, o que representa um aumento de 85,7%.
Mais alarmante ainda foi o crescimento dos casos de estupro (incluindo estupro e estupro de vulnerável) cometidos contra pessoas LGBTQIAPN+, partindo de um caso em 2023 para 9 em 2024, um crescimento de 800%. Em Mato Grosso, esses dados levam em conta as ocorrências em que foi registrada a motivação de homofobia ou transfobia.
O fato acende um alerta para a subnotificação. (Foto: Reprodução)
O levantamento também mostra como a violência letal tem alvos bem definidos: 99,2% das vítimas de mortes em intervenções policiais são homens, e 82% são pessoas negras. A taxa de mortalidade entre essa população é de 3,3 por 100 mil habitantes, revelando um padrão seletivo que ainda desafia as políticas públicas de segurança.
“Apontar o dedo é fácil, mas ninguém fala dos bastidores”
Para Nelly Winter, primeira escritora drag queen de Mato Grosso, os números retratam apenas a superfície de uma realidade ainda mais cruel. “As pessoas trans e travestis estão na linha de frente da comunidade LGBT, mas são apedrejadas 24 horas por dia. Se muitas estão na prostituição, é porque o mercado formal não deu oportunidade para essas meninas”, afirma.
Nelly Winter defende políticas para a população trans. (Foto: Redes Sociais)
Ativista, artista e palestrante, Nelly percorre escolas, empresas e eventos levando uma mensagem de empatia e inclusão não sem enfrentar resistência.
“É muito fácil julgar sem conhecer a história de vida dessas pessoas. Eu tenho saído da minha zona de conforto para falar com quem está fora da bolha. Porque dentro da comunidade a gente já sabe disso tudo. E mesmo assim, ainda há preconceito”, diz.
Ela relembra um episódio durante a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ em São Paulo, onde atuou como apresentadora de um dos trios elétricos.
“Consegui várias entrevistas na Paulista, mas por ser uma drag militante, muitas falas minhas foram cortadas. Só passou a imagem, não o áudio. E tudo o que eu estava dizendo era sobre o tema da parada: o envelhecimento. Mas e as pessoas trans? Onde estão essas vidas? A expectativa de vida para essa população no Brasil é de 35 anos.”
“A gente só quer ser ouvido”
Além das ruas, Nelly também usa a arte e a escrita para provocar reflexões. Fala sobre abuso sexual na infância, intolerância religiosa, falta de acesso à saúde e exclusão do mercado de trabalho. Para ela, mudanças reais só virão quando as pessoas forem capazes de enxergar o outro com empatia.
“Queria que pelo menos 10% da população tivesse as experiências que eu vivi. Porque tudo muda quando a gente se permite olhar diferente, escutar de verdade. Às vezes a gente só precisa de um ouvido amigo. Nada além disso”, disse.
Somos Coloridos, livro de Nelly Winter. (Foto: Divulgação)
Para o Anuário de Segurança Pública de 2025, as disparidades regionais e a concentração das vítimas em segmentos específicos, como jovens negros do sexo masculino, são desafios persistentes nas políticas de segurança pública para toda a população LGBTQIAPN+.
O Primeira Página procurou a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso para obter um posicionamento sobre o aumento dos casos e aguarda retorno.