Juventude e litigância climática no Sistema Europeu de Proteção aos Direitos Humanos
quarta-feira, 11 de outubro de 2023, 13h43
Dias atrás muito se comentou sobre a petição encaminhada por seis jovens portugueses ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos [1] buscando responsabilizar os 33 estados partes da Convenção Europeia de Direitos Humanos em razão dos efeitos das mudanças climáticas e do não cumprimento das metas previstas nos compromissos firmados internacionalmente como o Acordo de Paris [2].
Os motivos que levaram os autores a encaminhar a petição foram as intensas ondas de calor que atingiram Portugal em 2017. A temperatura alcançou 44° C e várias regiões sofreram com incêndios que causaram a morte de, pelo menos, 120 pessoas, além da destruição de suas casas, danos à saúde causados pela fumaça, doenças respiratórias e distúrbios do sono. Uma das regiões que foi atingida é Leiria, onde moram quatro dos demandantes.
Na petição, encaminhada em 2020, os demandantes alegam que os 33 Estados Partes da Convenção Europeia de Direitos Humanos violaram os artigos 2 (direito à vida), 3 (proibição da tortura), 8 (direito ao respeito pela vida privada e familiar), 14 (proibição de discriminação), 34 (petições individuais) da Convenção Europeia de Direitos Humanos e no artigo 1 do Protocolo nº 1 (proteção da propriedade) [3].
Contudo pode-se questionar sobre a relação dos artigos dispostos na Convenção Europeia de DH e o cumprimento do Acordo de Paris, afinal estamos falando de um tratado e uma Corte de Direitos Humanos. Nesse sentido, pergunta-se: é possível o Tribunal Europeu de Direitos Humanos responsabilizar os 33 estados demandados pelo descumprimento das metas do Acordo de Paris?
De acordo com o Artigo 32 da Convenção Europeia de DH, "a competência do Tribunal abrange todas as questões relativas à interpretação e à aplicação da Convenção e dos respectivos protocolos que lhe sejam submetidos a apreciar".
Neste sentido, é possível entender que a competência do Tribunal é e poderá, nesse caso, ser ampliada ao interpretar os dispositivos da Convenção Europeia de DH, entendendo que o não cumprimento das metas previstas no Acordo de Paris violaram o direito à vida, uma vez que os incêndios ocorridos no território português causaram danos à saúde da população. Assim, demonstra-se o caráter universal interdependente, indivisível e inter-relacionado dos direitos humanos previstos na Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 [4], conectando o direito ao meio ambiente limpo, saudável e sustentável [5], ao direito à saúde e o direito à vida.
Soma-se aos argumentos de Direitos Humanos o Princípio 21 da Declaração sobre Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro de 1992 que prevê: "a coragem dos jovens do mundo em busca de uma parceria global com vistas a alcançar o desenvolvimento sustentável e assegurar um futuro melhor para todos este caso torna-se emblemático" [6]. Basta lembrar os ensinamentos de Edith Brown Weiss [7], que afirma existir uma responsabilidade intergeracional para o desenvolvimento sustentável dessa geração para as próximas.
Na semana que passou, o Tribunal realizou a audiência pública, para ouvir os demandantes, os representantes dos Estados e os terceiros interessados (são nove Amicus Curiae) [8]. A sentença deve ser publicada em alguns meses.
Importante, ressaltar que essa não é a única demanda na Corte Europeia de Direitos Humanos sobre os efeitos causados pelas mudanças climáticas. Outros dois casos também foram submetidos e aguardam julgamento: o caso Verein KlimaSeniorinnen Schweiz and Others v. Switzerland e o Caso Carême v. France. O primeiro apresentado pela Associação suíça Mulheres Seniores para a Proteção do Clima e mais quatro mulheres contra a Suíça, que também se refere as ondas de calor e os danos causados à saúde.
O segundo pelo, hoje, eurodeputado Damien Carême, do Partido Verde francês alega que a França não tomou medidas suficientes para prevenir as alterações climáticas e, que este fracasso implica uma violação do direito à vida e do direito ao respeito pela vida privada e vida familiar.
No caso dos direitos das crianças já há precedente responsabilizando os Estados em conter os efeitos das mudanças climáticas. Em outubro de 2021, o Comitê de Direitos da Criança das Nações Unidas, formado por 16 jovens do mundo que se uniram para protestar contra a falta de ação dos governos sobre a crise climática, decidiu "que os Estados são responsáveis pelo efeito negativo de emissões de carbono em seu território e que os resultados impactam os direitos das crianças tanto dentro quanto fora dos países investigados" [9]. As demandantes apresentaram a petição contra os cinco países que reconhecem o direito de petição das crianças (Brasil, Argentina, Turquia, França e Alemanha).
Assim percebe-se que a juventude tem um papel de suma importância na efetivação do Princípio 21 da Declaração do Rio de 1992, buscando lutar de maneira ativa e judicialmente em todos os âmbitos em prol do desenvolvimento sustentável além de, tentar responsabilizar os que eram jovens em 1992 e até hoje — nada fizeram!
Mesmo que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos não reconheça a responsabilidade dos 33 Estados nas violações de direitos humanos decorrentes dos efeitos causados pelas mudanças climáticas, já é possível considerar uma grande conquista terem sido ouvidos pela Grand Chamber do Tribunal de Estrasburgo.
[1] O Tribunal Europeu de Direitos Humanos faz parte da organização denominada de Conselho da Europa. A Convenção Europeia de Direitos Humanos foi adotada em 1951 e o Tribunal começou seus trabalhos em 1959. São 46 Estados membros, onde 27 também são parte da União Europeia. A Russia se retirou do Conselho da Europa recentemente após a invasão da Ucrânia. European Court fo Human Rights. https://www.echr.coe.int/annual-reports
[2] EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Cláudia Duarte Agostinho et autres contre le Portugal et 32 autres États. Disponível em: https://hudoc.echr.coe.int/fre#{%22itemid%22:[%22001-206535%22]}
[3] NOSCHANG, Patricia. Litigância Climática, direitos humanos e juventude. International Law Agenda. Disponível em: http://ila-brasil.org.br/blog/litigancia-climatica-direitos-humanos-e-juventude/
[4] ORGANIZATION OF AMERICAN STATES. https://www.oas.org/dil/port/1993%20Declaração%20e%20Programa%20de%20Acção%20adoptado%20pela%20Conferência%20Mundial%20de%20Viena%20sobre%20Direitos%20Humanos%20em%20junho%20de%201993.pdf
[5] Reconhecido pela Assembleia Geral da ONU em 2022, pela Resolução A/76/L.75. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/3982508?ln=en
[6] NOSCHANG, Patricia G. Principio 21. In: TOLEDO, André de Paiva; LIMA, Lucas, C. Comentário Brasileiro à Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Belo Horizonte: D’Placido, 2023.
[7] WEISS, Edith Brown. Intergerenacional Equity and Rights of Future Generation. https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/4/1985/11.pdf
[8] EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Cláudia Duarte Agostinho et autres contre le Portugal et 32 autres États. https://www.echr.coe.int/webcasts-of-hearings
[9] UNITED NATIONS. Comitê dos Direitos da Criança responsabiliza cinco países por falta de ação climática. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/10/1766152.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
Por Patricia Grazziotin Noschang