Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJRS - Alimentos proposto pelo genitor em face dos filhos. Necessidade não comprovada. Alegação de abandono paterno. Falta de reciprocidade

quinta-feira, 05 de novembro de 2020, 20h42

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA PELO GENITOR EM FACE DOS FILHOS. NECESSIDADE NÃO COMPROVADA. ALEGAÇÃO DE ABANDONO PATERNO. FALTA DE RECIPROCIDADE. 1. O pedido de alimentos formulado pelo genitor em face do filho repousa no dever de solidariedade entre os parentes, previsto no art. 1.694 do CCB. Porém, a fixação dos alimentos somente ocorrerá para atender o indispensável à subsistência do alimentando, de forma proporcional à necessidade do requerente e à possibilidade do demandado. No caso, não estão comprovadas, de forma inequívoca, as necessidades do autor, que, em agosto de 2018, percebia benefício previdenciário cujo valor equivalia a cerca de 1,5 salários mínimos nacionais. Ademais, parte dos documentos acostados pelo autor, para comprovar a existência e o valor de suas despesas, se trata de meros recibos, que, sabidamente, podem ser unilateralmente produzidos e não demonstram, cabalmente, os gastos ali apontados. Em suma, não evidenciada a necessidade do autor/agravado em perceber os alimentos pleiteados, é de rigor a reforma da decisão agravada, que fixou os alimentos provisórios devidos pelo agravante em 30% do salário mínimo nacional. 2. Ademais, mesmo que fique demonstrada a necessidade do autor ao recebimento de alimentos, deve ser sopesada, no caso, a alegação trazida pelo agravante, no sentido de houve abandono por parte do agravado - alegação esta que não foi impugnada por este, que nem mesmo ofertou contrarrazões. Isso, porque, se comprovado o abandono em questão, diante da reprovabilidade de tal comportamento, não subsiste qualquer vínculo afetivo para amparar o dever de solidariedade entre os litigantes, de forma que descabida seria a condenação do agravante ao pagamento de pensão em prol do agravado. Precedentes do TJRS.DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME.(TJRS - AI: 70083853036 RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 19/06/2020, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: 29/06/2020).

Segue abaixo colacionado inteiro teor do acórdão:

 

(PROCESSO ELETRÔNICO)

LFBS

Nº 70083853036 (Nº CNJ: 0023662-85.2020.8.21.7000)

2020/Cível


agravo de instrumento. família. ação de alimentos proposta pelo genitor em face dos filhos. necessidade não comprovada. alegação de abandono paterno. FALTA DE RECIPROCIDADE.
1. O pedido de alimentos formulado pelo genitor em face do filho repousa no dever de solidariedade entre os parentes, previsto no art. 1.694 do CCB. Porém, a fixação dos alimentos somente ocorrerá para atender o indispensável à subsistência do alimentando, de forma proporcional à necessidade do requerente e à possibilidade do demandado. No caso, não estão comprovadas, de forma inequívoca, as necessidades do autor, que, em agosto de 2018, percebia benefício previdenciário cujo valor equivalia a cerca de 1,5 salários mínimos nacionais. Ademais, parte dos documentos acostados pelo autor, para comprovar a existência e o valor de suas despesas, se trata de meros recibos, que, sabidamente, podem ser unilateralmente produzidos e não demonstram, cabalmente, os gastos ali apontados. Em suma, não evidenciada a necessidade do autor/agravado em perceber os alimentos pleiteados, é de rigor a reforma da decisão agravada, que fixou os alimentos provisórios devidos pelo agravante em 30% do salário mínimo nacional.

2. Ademais, mesmo que fique demonstrada a necessidade do autor ao recebimento de alimentos, deve ser sopesada, no caso, a alegação trazida pelo agravante, no sentido de houve abandono por parte do agravado - alegação esta que não foi impugnada por este, que nem mesmo ofertou contrarrazões. Isso, porque, se comprovado o abandono em questão, diante da reprovabilidade de tal comportamento, não subsiste qualquer vínculo afetivo para amparar o dever de solidariedade entre os litigantes, de forma que descabida seria a condenação do agravante ao pagamento de pensão em prol do agravado. Precedentes do TJRS.

DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME.
Agravo de Instrumento


Oitava Câmara Cível

Nº 70083853036 (Nº CNJ: 0023662-85.2020.8.21.7000)


Comarca de Caxias do Sul

R.S.N.

..
AGRAVANTE

O.C.I.N.

..
AGRAVADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao agravo de instrumento.
Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. José Antônio Daltoé Cezar e Des. Ricardo Moreira Lins Pastl.

Porto Alegre, 18 de junho de 2020.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS,

Presidente e Relator.

RELATÓRIO

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (PRESIDENTE E RELATOR)

RODRIGO S. N. interpõe agravo de instrumento da decisão das fls. 79-80 (fl. 56 na origem), que, nos autos da ação de alimentos ajuizada por ORGÍLIO C. I. N. em face do recorrente, de E S. N. e F S. N. (processo n.º 010/1.18.0028679-1), fixou os alimentos provisórios devidos pelo recorrente em favor de seu genitor no valor equivalente a 30% do salário mínimo nacional.
Sustenta, em suma, que: (1) não se ignora que o art. 1.696 do Código Civil prevê o direito à prestação de alimentos de forma recíproca entre pais e filhos, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos de grau mais próximo; (2) no entanto, no caso, o agravado abandonou o recorrente e seus irmãos há aproximadamente 20 anos, não lhes prestando qualquer auxílio financeiro, tampouco enviando notícias de seu paradeiro; (3) antes disso, o agravado apresentava comportamento violento, perpetrando agressões físicas e psicológicas, incluindo ameaças de morte, conforme demonstram os boletins de ocorrência policial acostados aos autos; (4) aproximadamente um ano e meio antes do ajuizamento da ação, teve contato com o agravado, percebendo que a única finalidade deste último era obter algum proveito econômico, uma vez que agora está com a saúde debilitada; (5) a ausência de qualquer vínculo afetivo é demonstrada pelo fato de o autor nem sequer saber informar o endereço de seus filhos, requerendo a expedição de ofícios aos órgãos de praxe para localizá-los; (6) a jurisprudência do TJRS ampara a pretensão do recorrente, de afastar a obrigação alimentar em virtude do abandono material e afetivo praticados pelo agravado; (7) além disso, não fica evidenciada a necessidade do demandante de perceber alimentos, uma vez que ele aufere benefício previdenciário de R$ 1.443,28; (8) por outro lado, o recorrente é serralheiro, laborando de forma autônoma, não possuindo condições de prestar alimentos no patamar estabelecido pelo Juízo de origem, porquanto presta alimentos a dois filhos e à sua ex-companheira, bem como auxilia sua genitora, que é empregada doméstica. Requer a concessão de efeito suspensivo e, ao final, o provimento do recurso para reformar a decisão agravada.

Deferi o efeito suspensivo pleiteado (fls. 264-266).

Não houve resposta (fl. 272).

O Ministério Público opina pelo provimento (fls. 276-282).

É o relatório.

VOTOS

Des. Luiz Felipe Brasil Santos (PRESIDENTE E RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto por RODRIGO em face da decisão que, nos autos da ação de alimentos proposta por seu genitor, ORGÍLIO, fixou os alimentos provisórios devidos pelo recorrente em favor do agravado no valor equivalente a 30% do salário mínimo nacional.

O pedido de alimentos formulado pelo genitor em face do filho repousa no dever de solidariedade entre os parentes, previsto no art. 1.694 do CCB, que assim estabelece:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Como se vê, em que pese a autorização legal para que os parentes pleiteiem uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, a fixação somente ocorrerá para atender o indispensável à subsistência do alimentando, de forma proporcional à necessidade do requerente e à possibilidade do demandado.

No caso, da análise dos documentos que instruem a exordial, verifica-se que o autor, nascido em 10.04.1960 (fl. 109), conta, atualmente, 60 anos de idade e aufere benefício previdenciário que, em agosto de 2018, era de R$ 1.443,28. À época, incidia sobre o valor do benefício quatro empréstimos bancários consignados, de modo que, em agosto de 2018 - ou seja, há mais de um ano e meio -, sua renda líquida era de R$ 988,77 (fl. 116; fl. 14 na origem). Vale o registro de que, em 2018, o salário mínimo nacional era de R$ 954,00 e, portanto, a quantia percebida pelo autor, mesmo depois dos descontos facultativos realizados em folha de pagamento, relativos a empréstimos bancários, era superior a um salário mínimo nacional.

No mais, embora o agravado tenha instruído a exordial com documentos para comprovar a existência e o valor e despesas relativas ao fornecimento de serviço de telefonia (fl. 120), aluguel (fls. 121-122), realização de sessões de fisioterapia (fl. 123), limpeza de sua residência (fl. 124), serviços e exames médicos e odontológicos (fls. 125, 129 e 130), não há prova inequívoca de que a renda percebida pelo demandante é insuficiente para atender, atualmente, às suas despesas mensais. Ademais, parte dos documentos se trata de meros recibos, que, sabidamente, podem ser unilateralmente produzidos e não demonstram, inequivocamente, as despesas ali apontadas, diversamente do que ocorre com as faturas de serviços e notas fiscais.

Cabe ressaltar que, se o benefício previdenciário por ele auferido em 2018, sem os descontos por ele autorizados, era de R$ 1.443,28, o que equivalia a cerca de 1,5 salários mínimos, sua renda, agora, certamente é de valor superior, ao passo que o valor dos descontos deve permanecer o mesmo, ou até mesmo ter diminuído.

Portanto, não evidenciada a necessidade do requerente/agravado em perceber os alimentos pleiteados, é de rigor a reforma da decisão agravada.

Outrossim, mesmo que fique demonstrada a necessidade do autor ao recebimento de alimentos, deve ser sopesada, no caso, a alegação trazida pelo agravante, no sentido de houve abandono por parte do agravado - alegação esta que não foi impugnada pelo agravado, que nem mesmo ofertou contrarrazões. Isso, porque, se comprovado o abandono em questão, diante da reprovabilidade de tal comportamento, não subsiste qualquer vínculo afetivo para amparar o dever de solidariedade entre os litigantes, de forma que descabida seria a condenação do agravante ao pagamento de pensão em prol do agravado. Nesse sentido, colaciono:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PRELIMINAR REJEITADA. PEDIDO DE ALIMENTOS DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE. FILHOS ABANDONADOS AFETIVA E MATERIALMENTE PELO PAI. AUSÊNCIA DE SOLIDARIEDADE FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DO DEVER ALIMENTAR. (...) 4. Podem os parentes pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com sua condição social (art. 1.694 do CC), direito que é recíproco entre pais e filhos (arts. 229 da CF e 1.696 do CC). 5. No caso, porém, nunca existiu afeto, jamais houve solidariedade familiar, já que o pai autor abandonou seus filhos em tenra idade, quando do falecimento da primeira esposa, relegando-os à própria sorte. 6. A inexistência de afeto impossibilita cogitar-se de família ou de solidariedade familiar, causa jurídica que embasa o dever de mútua assistência. 7. A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória, com o que a indignidade perpetrada pelo autor contra seus filhos impede que deles possa exigir a ajuda material em comento. 8. Os fatos de estar comprovado que o apelante é idoso, que está acometido de doenças e que recebe benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não justificam o êxito do pleito, visto estar amplamente comprovado que, em momento algum, exerceu o poder familiar em relação a seus filhos do primeiro casamento, inexistindo vínculo afetivo e/ou material recíproco. 9. Manutenção da sentença que condenou apenas a filha do segundo casamento do autor ao pagamento de pensão alimentícia, que concorda em prestar-lhe auxílio financeiro. PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70083212431, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em: 16-04-2020) (grifei)

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. PEDIDO DE ALIMENTOS DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE. ABANDONO AFETIVO E MATERIAL. INEXISTÊNCIA DO EXERCÍCIO DO DEVER FAMILIAR. EVENTUAIS NECESSIDADES DA GENITORA QUE NÃO AUTORIZAM A FIXAÇÃO DE ALIMENTOS A SEREM SUPORTADOS PELA FILHA. SENTENÇA CONFIRMADA. A leitura atenta da prova carreada aos autos faz concluir que a apelante jamais exerceu a maternidade em relação à filha, cuja guarda fática, desde o nascimento, foi exercida pelo casal que a acolheu, dando-lhe proteção e amparo material, afetivo e emocional, permitindo que se desenvolvesse como pessoa. Por conseguinte, não pode a genitora, decorridos quase 50 (cinquenta) anos, pretender que a filha lhe alcance alimentos, diante da inexistência de reciprocidade. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70081622235, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em: 31-07-2019)

Por tais fundamentos, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, afastando, por ora ao menos, a obrigação alimentar imposta ao agravante.

Des. José Antônio Daltoé Cezar - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Ricardo Moreira Lins Pastl - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70083853036, Comarca de Caxias do Sul: \DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME.\


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