Jurisprudência TJSP - Destituição do poder familiar cumulada com adoção unilateral. Sentença de procedência. Apelo do genitor
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022, 14h31
APELAÇÃO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM ADOÇÃO UNILATERAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DO GENITOR. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa. Inocorrência. O procedimento observara o art. 161, § 4º., do ECA. Apelante que fora pessoalmente citado e não contestara o feito, sendo-lhe nomeado curador especial. Prescindibilidade da oitiva do genitor e de estudo psicossocial consigo. No mérito, irresignação sem suporte no conjunto probatório. Descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Ocorrência. Configurado o efetivo abandono da criança pelo genitor biológico e, por outro lado, a assunção dos cuidados do infante, desde os primeiros meses de vida, em termos afetivos e materiais, pelo apelado, companheiro da genitora da criança. Conjunto probatório favorável à destituição e à adoção unilateral pleiteadas. Inteligência do art. 1.638, II, do Código Civil, e art. 41, § 1º., da Lei nº. 8.069/90. Preservação do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.(TJSP - AC: 10067154720208260032 SP 1006715-47.2020.8.26.0032, Relator: Sulaiman Miguel, Data de Julgamento: 26/11/2021, Câmara Especial, Data de Publicação: 26/11/2021).
Registro: 2021.0000960107
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1006715-47.2020.8.26.0032, da Comarca de Araçatuba, em que é apelante K. H. DOS S. S., são apelados M. I. C. e T. DA S. P. R..
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE) (Presidente sem voto), MAGALHÃES COELHO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).
São Paulo, 26 de novembro de 2021.
SULAIMAN MIGUEL
Relator
Assinatura Eletrônica
Voto nº. 13.805.
Apelação nº. 1006715-47.2020.8.26.0032 (m).
Apelante:
Apelados:
Interessado: L.P.S. (menor)
Origem: 2a. Vara das Execuções Criminais e Anexo da Infância e da Juventude de
Araçatuba.
Magistrado Prolator: Dr. Carlos Gustavo de Souza Miranda.
APELAÇÃO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM ADOÇÃO UNILATERAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DO GENITOR. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa. Inocorrência. O procedimento observara o art. 161, § 4º., do ECA. Apelante que fora pessoalmente citado e não contestara o feito, sendo-lhe nomeado curador especial. Prescindibilidade da oitiva do genitor e de estudo psicossocial consigo. No mérito, irresignação sem suporte no conjunto probatório. Descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Ocorrência. Configurado o efetivo abandono da criança pelo genitor biológico e, por outro lado, a assunção dos cuidados do infante, desde os primeiros meses de vida, em termos afetivos e materiais, pelo apelado, companheiro da genitora da criança. Conjunto probatório favorável à destituição e à adoção unilateral pleiteadas. Inteligência do art. 1.638, II, do Código Civil, e art. 41, § 1º., da Lei nº. 8.069/90. Preservação do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.
Vistos.
Trata-se de apelação interposta por (...) contra a r. sentença de fls. 90/97, que julgara procedente a ação de destituição do poder familiar cumulada com adoção unilateral, ajuizada por (...) contra o recorrente, em relação aos interesses do infante L.P.S.
Inconformado, alega o genitor do menor, preliminarmente, nulidade da decisão por cerceamento de defesa, porquanto não fora ouvido e tampouco participara do estudo psicossocial. Alega que a relação de união estável entre os recorridos seria recente e não justificaria a perda do múnus, concluindo que o apelado careceria de legitimidade ativa para a ação. Nega, por fim, a existência de qualquer fato desabonador de sua conduta a fundamentar a destituição do poder familiar (fls. 101/109).
Respondido o recurso (fls. 112/113), opinara a Procuradoria Geral de Justiça pelo seu desprovimento (fls. 122/127).
É a síntese do essencial.
O apelo não comportaria ser provido.
Assim, a nulidade por cerceamento de defesa arguida deve ser rejeitada, uma vez que o procedimento observara o art. 161, § 4º., do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual não é obrigatória a oitiva dos genitores, nos casos de não comparecimento perante a Justiça, quando devidamente citados.
Na espécie examinada, observa-se que o apelante fora pessoalmente citado (fls. 60) e não contestara o feito (fls. 67), sendo-lhe nomeado curador especial que resistira à pretensão às fls. 80/84.
Logo, mostra-se legítima a prescindibilidade da oitiva do genitor, bem como de relatório psicossocial realizado com ele, que, inclusive, quando citado pelo oficial de justiça, recusara-se a fornecer seu novo endereço. Ademais, sobre o estudo técnico realizado com os recorridos (fls. 70/73), o apelante tivera a oportunidade de se manifestar na contestação apresentada.
Nesse passo, à luz dos elementos de convicção existentes nos autos, decorreria que a destituição do poder familiar e a adoção unilateral pleiteadas vão ao encontro dos interesses da criança L.P.S., nascida aos 12.06.2018.
Ao que consta, o escopo do presente feito é a regularização da
situação fática já estabelecida desde os primeiros meses de vida do infante, haja vista que o apelados convivem maritalmente há dois anos; e Marcos assumira, juntamente com a genitora, os cuidados do menor, em termos afetivos e materiais, possuindo com ele uma relação permeada por afetividade e afinidade.
Por sua vez, o genitor do petiz, ora apelante, nunca tivera contato com seu filho, que nascera há pouco mais de três anos. Além disso, a despeito do acordo que definira a guarda, visitas e alimentos (fls. 08/09), restou apurado que o recorrente jamais exercera o direito de visitas e tampouco efetuara o pagamento dos alimentos convencionados. Aliás, a própria genitora do apelante, quando instada pelo oficial de justiça a indicar o endereço atual do recorrente, não o fez, afirmando não ter contato com ele, o que não seria usual e permitiria concluir que buscaria se ocultar.
Elaborado o percuciente estudo psicossocial (fls. 70/73), consignara-se que: "Do ponto de vista psicológico, depreendeu-se que a criança, L., não manteve convivência com o genitor desde poucos meses de vida, por afastamento de Kauê após a separação conjugal. Houve uma recomposição familiar com a união de (...), e desde então este vem desempenhando funções parentais com relação à L., que foi aprofundada com o vínculo afetivo e a convivência diária. Há indicadores de que Marcos vêm apresentando conduta apropriada com relação aos cuidados dispendidos a L., situação familiar em que até o momento as necessidades de saúde, sócio intelectuais e afetivas do infante têm sido atendidas adequadamente, observando-se situação favorável à concretização da adoção da criança pelo requerente. Do ponto de vista social verificou-se que o genitor não se constitui figura de referência na vida de L., situação que se estende ao restante da família paterna, que não é referencial para a criança, sendo que processualmente, ele foi devidamente citado e também não ofertou contestação. Apreendeu-se que a criança L.vem se constituindo enquanto ser social em companhia da mãe e do requerente, sendo que este vem ao longo de quase dois anos desempenhando funções parentais (cuidado, manutenção, atenção às suas necessidades) em relação a criança, desta forma a adoção, vem legitimar a vivência diária de responsabilidades e afeto, garantindo à L., este lugar social de filho do Requerente".
Com efeito, o petiz reconhece o padrasto como única e legítima figura paterna, que sempre lhe provera nas suas necessidades básicas, substituindo não só o laço de afeto que era esperado do apelante, mas a guardiania legal, sub-rogando-se o recorrido nas funções parentais que, a princípio, seriam irrenunciáveis pelo genitor, salvo nas hipóteses em que o poder familiar é extinto, suspenso ou seus titulares dele são destituídos.
Daí exsurgiria a figura do abandono, a autorizar, na forma do art. 1.638, II, do Código Civil, Civil, a decretação da perda do poder familiar do apelante sobre o filho. Além do que, afiguram-se presentes os requisitos necessários para a adoção unilateral, nos termos do art. 41, § 1º., da Lei nº. 8.069/90.
Valendo dizer que o conjunto probatório é robusto, evidencia a integração familiar e aponta para a consistência da relação de afeto construída entre o adotante (padrasto) e a criança, mostrando-se a situação irreversível.
Portanto, considerando o efetivo abandono pelo genitor biológico e o fato do infante ser assistido e protegido ampla e integralmente pelo padrasto, desde a tenra idade, resta claro que a destituição do poder familiar de (...) e o deferimento da adoção unilateral da criança L.P.S., a favor do postulante Marcos Izomar Clemente, atendem ao princípio da proteção integral e ao superior interesse do infante, preceitos resguardados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Outro não tem sido o entendimento desta Câmara Especial, ao analisar hipótese análoga: "Apelação. Destituição do Poder Familiar c.c adoção unilateral. Sentença procedente. Recurso do genitor biológico, alegando o cerceamento de defesa, a ausência de enfrentamento das teses defensivas apresentadas, a falha na intimação do apelante e a ocorrência de decisão ultra petita e, no mérito, a ausência de razões suficientes para a destituição do poder familiar, a ocorrência de alienação parental e a possibilidade de multiparentalidade. Preliminares afastadas. Configurado o efetivo abandono da criança pelo genitor biológico e, por outro lado, a assunção dos cuidados do infante, desde os primeiros meses de vida, em termos afetivos e materiais, pelo apelado, esposo da genitora da criança. Conjunto probatório favorável à destituição e à adoção unilateral pleiteadas. Preservação do Princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse da criança e do adolescente. Recurso não provido" (TJSP; Apelação nº. 1014535-42.2016.8.26.0361; Rel. Des. Magalhães Coelho; j. 14.06.2021).
Destarte, outra não pode ser a solução para a espécie, que aquela adotada pelo Juízo a quo , bem avaliando as condições do caso concreto, aplicando o melhor direito. Dando-se por prequestionado o tema, reputam-se observadas as normas constitucional e infraconstitucional invocadas; sendo desnecessária menção expressa aos dispositivos legais e argumentos trazidos pelas partes, conforme pacífico entendimento do STJ.
Isto posto, nega-se provimento à apelação.
SULAIMAN MIGUEL
Relator