Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

OPINIÃO - Guia de boas práticas para a publicidade infantil: um olhar sobre seu valor jurídico

quarta-feira, 10 de novembro de 2021, 08h49

10 de novembro de 2021, 6h04

 

Por Alexandre Peres Rodrigues

 

No mês passado foi divulgado o "Guia de Boas Práticas para a Publicidade Online Voltada ao Público Infantil", documento firmado entre o Google e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), como fruto da composição da empresa com o Ministério Público, derivada de uma ação civil pública na qual se questionava publicidade irregular voltada ao público infantil por suposta estratégia abusiva de publicidade.


documento foi produzido no formato de um manual, ou seja, é um guia de "boas práticas" destinado a anunciantes, agências, influenciadores e outros atores a fim de que possam se balizar ao desenvolver materiais publicitários e de comunicação comercial voltados ao público infantil, em ambiente online.


Sobre sua força jurídica, vale debater alguns pontos. É certo que o manual não tem a força cogente de uma lei, assim como a sua não adoção não redunda num descumprimento da decisão judicial da citada ação civil pública. Seu perfil aproxima-se de um instrumento de consulta para eventuais ações publicitárias voltadas ao público infantil, já que não é uma norma em si e não tem o poder de condicionar campanhas publicitárias, eis que esse não é o papel do Conar: esta é uma organização não governamental voltada à promoção da liberdade de expressão publicitária e à defesa das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial.


Nesta primeira camada de análise, pode-se pensar no guia possivelmente como um marco de compliance entre os atores das ações publicitárias. Entretanto, devemos avançar para outras visões mais complexas.


O primeiro avanço remete ao perfil dos assuntos tratados: publicidade e infantil. Tratando em outros termos: direito do consumidor e direito das crianças. Ambos direitos fundamentais e políticas públicas a serem perseguidas pelo Estado brasileiro, de modo que se faz fazer princípios destas leis: o "estudo constante das modificações do mercado de consumo" (artigo 4º, VIII do CDC) e a "efetivação dos direitos referentes à cultura, à dignidade, ao respeito" das crianças e adolescentes (artigo 4º, caput do ECA).


Além do que, e talvez com mais vigor, o guia concretiza os fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 10709/2018), desenvolvendo o conteúdo jurídico do critério ambivalente da proteção da liberdade unida ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (artigos 1º e 2º). Em especial, mostra-se como uma ótima aplicação das diretrizes da LGPD para os dados de crianças e adolescentes presentes no artigo 14, com destaque para a consideração do melhor interesse destas na ação publicitária.


Considerando o vácuo e/ou o engessamento legislativo voltados à publicidade online infantil, é de bom grado ter em conta esse guia principalmente pelo protagonismo de atores privados (Google e Conar) na sua realização, já que são os verdadeiros detentores do acervo das boas práticas relacionadas a esse tema.

 

 é mestre em Direito do Estado pela USP, especialista em Direito do Consumidor pela Damásio Educacional, coordenador adjunto da Comissão de Direito das Relações de Consumo da OAB/Jabaquara, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP e autor da obra "Os serviços públicos na avaliação de governo: uma narrativa sobre sua relação e efetividade" (ed. Dialética, 2021).

 

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 10 de novembro de 2021, 6h04


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