Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Brasil é denunciado à OEA por não responsabilizar suspeitos nem reparar vítimas de crimes de tortura na Fundação Casa, em SP

quinta-feira, 17 de junho de 2021, 14h42

Em 2015, G1 revelou denúncias de tortura contra ao menos 15 adolescentes na unidade Cedro, na cidade de São Paulo. Em 2016, OEA determinou que Brasil garantisse integridade dos jovens, mas Defensoria entendeu que estado falhou na investigação. Fundação Casa diz que tomou todas as medidas cabíveis à época dos fatos.

Por Cíntia Acayaba, G1 SP

15/06/2021 16h04 


Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão — Foto: Defensoria Pública

Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão — Foto: Defensoria Pública


O Brasil foi denunciado à Organização dos Estados Americanos (OEA) por não ter responsabilizado os envolvidos em crimes de tortura ocorridos em uma unidade da Fundação Casa, na cidade de São Paulo, em 2015. O G1 revelou, em julho daquele ano, que ao menos 15 jovens foram espancados na unidade Cedro, na Rodovia Raposo Tavares.

A denúncia foi feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA, contra o Brasil, e não contra o governo de São Paulo, porque o órgão só pode se reportar ao estado brasileiro. A Fundação Casa diz que tomou todas as medidas cabíveis à época dos fatos (leia mais abaixo).

A unidade Cedro teve as atividades suspensas em março deste ano, segundo a instituição, "devido à queda no atendimento da instituição", que recebe jovens infratores.

Em 2016, como o G1 mostrou, a OEA concedeu uma medida cautelar e determinou que o Brasil garantisse a integridade dos adolescentes internados na unidade. Mas a Defensoria Pública de São Paulo entendeu que o estado não cumpriu a medida e ofereceu a denúncia.

Agora, os defensores pedem que o órgão internacional analise as violações dos direitos humanos, como:

  • falta de proteção judicial;

  • adoção de recomendações que incluam investigação com responsabilização administrativa, civil, criminal e política das pessoas e instituições envolvidas;

  • reparação às vítimas, incluindo disponibilização ou custeio de tratamento médico e psicológico;

  • o fortalecimento e a expansão do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura;

  • a adoção de providências legislativas e jurídicas para tornar efetiva a fiscalização e responsabilização de agentes públicos envolvidos em casos de tortura ou de violência contra crianças e adolescentes.

 

A Defensoria ressalta ainda o fato de São Paulo não ter criado um mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura.

Em 2016, a OEA chegou a pedir que o governo concedesse tratamento médico adequado, que proibisse as punições disciplinares contrárias aos padrões internacionais, como o isolamento dos jovens, e que informasse sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que deram origem à ação.

Depois da repercussão do caso, a diretora da unidade Cedro da Fundação Casa deixou o cargo.

Na denúncia, os defensores Públicos Samuel Friedman, da Regional Infância e Juventude da Capital, e Daniel Palotti Secco, do Núcleo Especializado de Infância e Juventude, afirmam que "o Brasil falhou na apuração de responsabilidades e na reparação das vítimas".

“Embora tenham sido instaurados diversos procedimentos por vários órgãos, não houve qualquer providência além da demissão de alguns funcionários da Fundação Casa”, afirma Fiedman.

“As investigações criminais até hoje não foram concluídas e há documento do delegado de polícia responsável pela região enumerando diversas ações da Fundação Casa que dificultavam e prejudicavam o andamento dos inquéritos policiais", completa.

A Fundação Casa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que esclarece que "tomou todas as medidas administrativas e trabalhistas possíveis à época dos fatos".

"A Corregedoria Geral da Instituição instaurou imediatamente sindicância administrativa para investigar o ocorrido. Após as apurações, foi instaurado processo administrativo disciplinar (PAD), com direito ao contraditório e à ampla defesa dos servidores acusados. Quatro servidores foram demitidos por justa causa", diz a nota (veja íntegra abaixo).

Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão  — Foto: Defensoria Pública

Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão — Foto: Defensoria Pública

 

Caso

 

Dias após um tumulto ocorrido em 9 de junho de 2015, segundo petição encaminhada pela Defensoria à juíza corregedora do Departamento de Execuções da Infância e da Juventude, Luciana Antunes Ribeiro Crocomo, adolescentes foram agredidos com cassetetes, cadeiras, cintos e cabos de vassoura e ficaram feridos em várias partes do corpo.

G1 teve acesso a fotografias que mostram os adolescentes feridos com hematomas nas costas, nas pernas, nos olhos e um jovem com o braço quebrado (veja abaixo).

Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão — Foto: Defensoria Pública

Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão — Foto: Defensoria Pública

As defensoras Fernanda Balera e Yolanda Salles Freire César realizaram a visita rotineira em 11 de junho, dois dias após o tumulto que foi contido pelo Comando de Policiamento de Choque, da Polícia Militar. Segundo Yolanda, os adolescentes estavam visivelmente machucados e relataram que as agressões foram feitas pelos funcionários da unidade. A Casa Cedro ficava na altura do km 19,5 da Raposo Tavares e tinha capacidade para 122 internos.

Elas observaram os jovens com roxos, supercílio inchado, marca de cinto e um deles estava sangrando durante o atendimento.

De acordo com as defensoras, os relatos indicam que a maioria das agressões não ocorreram no dia do tumulto para evitar que o exame de corpo de delito identifique o hematoma, mas sim um ou dois dias depois. Para elas, as agressões são institucionalizadas e motivadas por pequenos atos dos jovens.

O conselheiro tutelar Gledson Silva Deziatto, de Rio Pequeno/Raposo Tavares, recebeu uma denúncia anônima e foi à unidade Cedro no dia 15, quatro dias depois da visita das defensoras. Ele encontrou adolescentes feridos, trancados e sem cobertores.

 

O que diz a Fundação Casa

 

"A Fundação CASA esclarece que, no que lhe cabia, tomou todas as medidas administrativas e trabalhistas possíveis à época dos fatos no CASA Cedro, no Complexo Raposo Tavares, em São Paulo.

A Corregedoria Geral da Instituição instaurou imediatamente sindicância administrativa para investigar o ocorrido. Após as apurações, foi instaurado processo administrativo disciplinar (PAD), com direito ao contraditório e à ampla defesa dos servidores acusados. Quatro servidores foram demitidos por justa causa.

O PAD foi encaminhado ao Ministério Público do Estado de São Paulo para que o órgão, que possui a atribuição legal, tomasse eventuais outras providências cabíveis.

A Fundação CASA colabora com todos os órgãos policiais e de administração da Justiça, compartilhando documentos e informações dos adolescentes em atendimento de acordo com a autorização judicial concedida, de acordo com a previsão legal dos artigos 143 e 144 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A Instituição ainda melhorou estruturalmente o centro de atendimento, substituiu a direção e os gestores das áreas administrativa, técnica, pedagógica e de segurança e implementou planos de ação.

Ao longo do período, desde 2015, o foco de cada plano foi realizar o trabalho socioeducativo de forma que respeitasse a integridade física e psicológica dos adolescentes, assim como práticas pedagógicas e de relacionamento entre adolescentes e servidores baseadas em princípios da não-violência, na cultura de paz e na perspectiva do uso de práticas que visassem a restaurar as relações.

Todos os servidores da Fundação CASA, quando contratados, passam por capacitação profissional no ingresso da carreira, além de cursos de formação continuada baseados nas normativas legais do atendimento socioeducativo; na correlação entre Direitos Humanos e socioeducação; na comunicação não-violenta; na cultura de paz; dentre outros. Aos agentes de apoio socioeducativo também são oferecidos cursos específicos voltados à segurança e à socioeducação.

Atualmente, devido à queda no atendimento da Instituição, o CASA Cedro está com as atividades suspensas."

Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão — Foto: Defensoria Pública

Adolescente interno da Fundação Casa com marcas de agressão — Foto: Defensoria Pública


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