Patrimônio cultural: MPF pede que STF reconheça repercussão geral sobre proteção criminal a bens especialmente protegidos
quinta-feira, 02 de fevereiro de 2023, 12h55
Para Augusto Aras, matéria tem relevância social e densidade constitucional, ante o dever de punição dos danos ao patrimônio cultural.
Arte: Secom/MPF
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defende que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça a repercussão geral de um processo que trata da definição do conceito de “bem especialmente protegido” no contexto da proteção do patrimônio cultural e da punição dos crimes contra esses bens. Para o PGR, a matéria tem densidade constitucional e relevância social e sua resolução deve levar em conta o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. Na manifestação, o Ministério Público Federal (MPF) pede ainda a apreciação do caso (Recurso Extraordinário 1.409.595) no Plenário Virtual da Corte.
O processo a ser deliberado pelo STF teve início em Brusque (SC) e envolve a polêmica demolição de um imóvel conhecido como Casarão Strecker, datado de 1946. A construção era tida como bem material que remetia à memória e à identidade da população daquele município, tendo sido incluída no catálogo do patrimônio arquitetônico e urbanístico municipal (nos termos da Lei 3.593/2013, conhecida como Lei Preservar).
Apesar de o Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico Cultural de Brusque ter deliberado pela não concessão do alvará de demolição do imóvel, com parecer acatado pelo Instituto Brusquense de Planejamento (IBPlan), o empresário Valdir Furbringer, dono do bem, tendo pleno conhecimento da decisão, desobedeceu a ordem e, em um fim de semana de 2014, destruiu o edifício histórico. O caso foi julgado pela primeira e segunda instâncias, mas o proprietário foi absolvido dos crimes de desobediência (artigo 330, do Código Penal) e destruição de bem especialmente protegido por lei (artigo 62, inciso I, da Lei 9.605/1998).
Segundo a Constituição, fazem parte de patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial “portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. A Carta Magna estabelece ainda caber ao poder público a promoção e a proteção desse patrimônio por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento, e que os danos e ameaças devem ser punidos, na forma da lei.
O que diz o MPF – Para Augusto Aras, a matéria envolve a análise do alcance dos institutos de preservação do patrimônio cultural brasileiro, especialmente quanto aos seus efeitos na esfera penal, considerando direito social ao meio ambiente cultural íntegro e o mandado de punição dos danos e ameaças ao patrimônio cultural (conforme determina o artigo 216, parágrafos 1º e 4º, da Constituição). Neste momento processual, no entanto, ele esclarece que não pretende adentrar na resolução do mérito, mas apenas examinar o preenchimento dos requisitos de admissibilidade para conhecimento do recurso extraordinário e analisar se o caso se amolda às hipóteses previstas para reconhecimento da sistemática da repercussão geral.
No entendimento do procurador-geral, o exame da questão deve ser realizado pela via da repercussão geral. Conforme explica, o recorrido foi absolvido sumariamente com base na compreensão das instâncias inferiores de que o instituto do inventário não impõe o dever de abstenção de realizar a intervenção no bem de valor histórico.
Aras pondera que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com a questão ambiental, matéria reconhecida pela Constituição como valor fundamental, a ser tutelado pelo Estado. Dessa forma, o alcance dos institutos de preservação do patrimônio cultural brasileiro – como inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação – e as consequências de sua inobservância na esfera penal passam a ter relação direta com a efetividade das normas constitucionais.
“É nesse cenário que se evidencia a configuração de interesses políticos e sociais, por se tratar de tema que envolve o interesse público, bem como interesses jurídicos, uma vez que permitirá à Suprema Corte definir, sob a ótica da proteção constitucional do meio ambiente e da sua natureza de direito-dever fundamental, o alcance dos institutos de acautelamento e de preservação do patrimônio cultural brasileiro”.
Pedidos – Ao final, o PGR se manifesta pela submissão do recurso extraordinário ao Plenário Virtual a fim de que seja reconhecida a repercussão geral da matéria, sob o seguinte tema sugerido: “Definir, à luz da tutela do meio ambiente e do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, o conceito de bem especialmente protegido para fins penais ante o mandado constitucional de punição dos danos e ameaças a esse patrimônio (art. 216, §§1º e 4º da Constituição Federal)”.
Repercussão Geral – A repercussão geral é um instrumento processual que possibilita ao Supremo selecionar recursos extraordinários de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, a Corte analisa o mérito da questão, e a decisão passa a ser aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores em casos idênticos.