Tríplice monotonia dos sistemas alimentares ameaça a variedade agrícola e gera impactos ao meio ambiente
por Redação USP
terça-feira, 10 de junho de 2025, 16h20
A paisagem agrícola homogênea, marcada por vastas extensões de uma única cultura, é o retrato de um sistema agroalimentar baseado na simplicidade produtiva e na dependência de poucos insumos. Para Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e pesquisador da Cátedra Josué de Castro, esse modelo dominante é insustentável tanto do ponto de vista ambiental quanto da saúde pública. Um dos pontos de alerta citados pelo especialista é o impacto daquilo que chama de “tríplice monotonia” da agricultura moderna.
Padronização
De acordo com Abramovay, o sistema agroalimentar global hoje gira em torno de uma concentração extrema. “O mundo conhece cerca de 7 mil produtos comestíveis, dos quais apenas 400 são cultiváveis. Ainda assim, 75% das calorias que consumimos vêm de apenas seis produtos: trigo, milho, arroz, batata, soja e cana-de-açúcar”, afirma. Ele reconhece que uma certa concentração produtiva é esperada nas sociedades modernas, mas critica os excessos, que resultam em paisagens agrícolas monótonas, pouca diversidade genética animal e uma dieta cada vez mais composta de alimentos ultraprocessados.
Essa homogeneização se reflete também nas práticas de cultivo e criação. A produção agrícola atual, de acordo com o professor, é altamente dependente do uso intensivo de água, fertilizantes nitrogenados, agrotóxicos e, no caso das criações animais, antibióticos. Ele explica que as criações concentracionárias de aves e suínos reúnem grande número de animais em espaços reduzidos, com uso massivo de antibióticos. Para o docente, essa dinâmica acarreta em consequências graves, como o surgimento de superbactérias resistentes aos tratamentos convencionais.
Impactos
Os efeitos desse sistema ultrapassam o campo e chegam à saúde das populações. Abramovay destaca que o consumo de alimentos ultraprocessados está diretamente ligado ao aumento das doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e diferentes tipos de câncer, doenças que já matam mais do que a fome em várias partes do mundo, segundo ele. O excesso de consumo de carne, especialmente em países industrializados, também contribui para esse cenário, com implicações negativas à saúde humana e ao meio ambiente.
Outro ponto preocupante é a vulnerabilidade ambiental. O pesquisador lembra que em 2024 quase 60% do território brasileiro enfrentou a maior seca da história. Ele explica que esse fenômeno deixou de se concentrar apenas no semiárido e agora atinge o Cerrado. Por conseguinte, as secas nessa região têm um efeito perverso: incentivam o desmatamento da Amazônia para expansão das lavouras de soja e milho.
Para Abramovay, essa dinâmica revela a urgência de uma transição no sistema agroalimentar. Ele defende mudanças estruturais no modelo de produção, como a adoção da rotação de culturas, a integração entre pecuária e sistemas agroflorestais e o estímulo à biodiversidade dentro das áreas agrícolas. Nesse processo de transformação, os bioinsumos surgem como uma alternativa promissora. Conforme o professor, seu uso tem crescido no Brasil e oferece múltiplos benefícios.
“O atual modelo de monocultura é insustentável. Precisamos restaurar o equilíbrio ecológico e reduzir nossa dependência de tecnologias controladas por poucas corporações. Para isso, os bioinsumos aumentam a resiliência das lavouras, reduzem os custos da produção e tornam os agricultores menos dependentes de pacotes tecnológicos proprietários.”
Papel do Brasil
Ricardo Abramovay destaca que o Brasil, como um dos principais produtores de grãos do mundo, tem uma responsabilidade global na construção de um modelo agroalimentar mais sustentável. Para ele, não se trata de abrir mão dessa posição estratégica, mas de repensar a forma como o território é ocupado e como os alimentos são produzidos.
Segundo o professor, a transição para um novo modelo produtivo não será simples nem imediata, mas é urgente. Ele aponta que a crise climática, a perda de biodiversidade e o avanço das doenças associadas à má alimentação exigem uma mudança de rumo. Nesse processo, o docente cita as políticas públicas eficazes, o planejamento de longo prazo e a inovação tecnológica como elementos essenciais.