Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Comunicação pública sobre mudanças climáticas vem após desastres e com pouco diálogo

por Redação USP

sexta-feira, 28 de março de 2025, 13h19

País adota uma “cultura do desastre”, em que informações sobre riscos climáticos só ganham visibilidade após a ocorrência de tragédias – Ilustração sobre imagens upklyakmacrovector e macrovector /Freepik

 

 

Uma pesquisa conduzida na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP analisou a comunicação pública do clima e de riscos na cidade de Curitiba, Paraná, destacando desafios e limitações no envolvimento da população em políticas públicas. O estudo aponta que modelo vertical de comunicação adotado por autoridades, de “cima para baixo” e com pouco espaço para diálogo, limitou o acesso da população a informações e comprometeu o engajamento em ações preventivas.

 

Em seu doutorado, a pesquisadora Cora Catalina Quinteros avaliou como as informações sobre mudanças climáticas e desastres naturais são transmitidas à população. A comunicação de risco, fundamental para preparar comunidades vulneráveis, refere-se à troca de informações sobre ameaças à sobrevivência, saúde ou bem-estar econômico e social do público-alvo. 

 

Em entrevista ao Jornal da USP, Cora enfatiza que a comunicação de risco precisa ser fortalecida no Brasil. Segundo a pesquisadora, o País adota uma “cultura do desastre”, em que informações sobre riscos climáticos só ganham visibilidade após a ocorrência de tragédias, e não como estratégia de prevenção. 

 

“No contexto das mudanças climáticas, a comunicação de risco deve ser cada vez mais reforçada”, afirma a pesquisadora.

 

Comunicação pública do clima

 

O estudo foi realizado ao longo de três anos e dividido em três etapas principais. A primeira fase, exploratória, ocorreu em 2019 e definiu o escopo da pesquisa, além de mapear os principais atores envolvidos na comunicação pública do clima em Curitiba. A segunda fase, qualitativa, foi conduzida entre 2020 e 2022, com a coleta de dados por meio de entrevistas. Já a terceira etapa, de análise e discussão dos resultados, foi concluída em 2023. 

 

Para compreender como a informação sobre riscos climáticos circula entre governo e sociedade, os pesquisadores realizaram entrevistas com os dois lados dessa comunicação: as pessoas que informam e o público-alvo dessas informações. Participaram das entrevistas 58 agentes públicos, escolhidos com critérios de conveniência (especialistas na área) e intencionalidade (atuantes em áreas de risco climático). Entre eles, havia membros da Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Secretarias Municipais de Educação e Meio Ambiente e outros órgãos governamentais.

 

O público-alvo das comunicações escolhido foram moradores de bairros de alta vulnerabilidade socioambiental de Curitiba e com histórico de enchentes e inundações. Os pesquisadores conduziram entrevistas com dez participantes na Vila 29 de Outubro e 11 famílias nos bairros Vila Harmonia, Vila Barigui e Vila Nossa Senhora Aparecida. 

 

A pesquisadora perguntou aos agentes públicos como se dava a interação com as comunidades em situação de vulnerabilidade aos riscos climáticos. Os resultados apontaram um baixo engajamento: pouco interesse em responder às perguntas sobre comunicação com a população. Entre os possíveis motivos para essa abstenção a pesquisadora destaca a não compreensão do enunciado, o desconhecimento do assunto e a intencionalidade de não responder esse tipo de pergunta.

 

 

 

 

 

 

 

O estudo também investigou os principais meios pelos quais a população se informa sobre mudanças climáticas e desastres:

 

 

 

 

 

Modelo de comunicação

 

A pesquisa revelou que a comunicação de risco em Curitiba segue um modelo vertical – de cima para baixo, ou seja, as informações são emitidas pelas autoridades, sem um canal efetivo de diálogo – e institucional – que prioriza documentos oficiais, normativas e diretrizes, sem levar em conta a linguagem e os meios mais acessíveis à população afetada. Esse formato reduz a participação das comunidades na construção de políticas públicas e limita o acesso da população a informações compreensíveis.

 

Cora explica que, embora as informações sobre mudanças climáticas e desastres sejam divulgadas, elas não são debatidas com a sociedade, o que compromete a eficácia das ações preventivas.

 

Estamos presenciando no Brasil a cultura do desastre: só nos informamos e vemos divulgação quando o desastre já aconteceu” - Cora Catalina

 

Para a pesquisadora, essa abordagem é perigosa porque a população tem diferentes graus de compreensão e interpretação dos fatos que são apresentados. “Não podemos partir do pressuposto de que todo mundo entende o que está sendo colocado de maneira técnica. É preciso de conversa para que a população não só compreenda melhor os riscos, mas também expresse suas necessidades”, afirma. 

 

Sobre as estratégias de comunicação pública, a cientista aponta: “As instituições responsáveis precisam de diretrizes não somente para divulgar as ciências do clima, risco e desastre, mas compreender que a comunicação é também uma ciência”. Para ela, deve ser responsabilidade dessa última esfera o estudo dos fenômenos de interação social, como processos de (des)engajamento, (des)mobilização, participação social e ativismo.

 

Outro problema identificado foi o caráter tardio da comunicação de risco. A pesquisadora explica que, no Brasil, a informação sobre desastres geralmente chega ao público apenas depois que a tragédia já aconteceu. Para a autora, o País trabalha com comunicação de crise – que busca gerenciar os impactos do desastre que já ocorreu – e não com comunicação de risco, que tem foco na prevenção de danos.

 

Fonte: https://jornal.usp.br/ciencias/comunicacao-publica-sobre-mudancas-climaticas-vem-apos-desastres-e-com-pouca-abertura-ao-dialogo/


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