Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Exposição a agrotóxicos aumenta risco de câncer de mulheres rurais no cinturão agrícola brasileiro*

por Mayala Fernandes - Mongabay

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024, 10h42

 

Pulverização de agrotóxicos na cultura do tabaco no Paraná. Imagem cortesia do Instituto Paraná de Desenvolvimento Rural.

 

 

Mulheres agricultoras que vivem no estado do Paraná têm 60% de chance de desenvolver câncer de mama e um aumento de 220% no risco de metástase, de acordo com um novo estudo. O risco de câncer de mama na região, que é dominada por fazendas familiares com uso intensivo de agrotóxicos, é 41% maior do que a média do Brasil; A taxa de mortalidade pela doença é 14% maior.

 

estudo recente, publicado na revista Environmental Science & Technology, é o primeiro desse tipo realizado com mulheres no país; Incluiu 758 indivíduos, divididos entre aqueles que foram expostos a pesticidas e aqueles que não foram.

 

"A pesquisa mostra a ligação direta entre a exposição a pesticidas e a alta incidência de câncer de mama nos agricultores", disse a principal autora do estudo, Carolina Panis, do laboratório de biologia tumoral da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. "Apesar de não pulverizarem os agrotóxicos, essas mulheres são responsáveis por descontaminar os equipamentos de proteção e lavar as roupas usadas para fazê-lo. Fazer isso sem luvas é suficiente para causar contaminação."

 

O Brasil, uma potência agrícola global, também tem um dos regimes de pesticidas mais permissivos de qualquer país. Existem 42 ingredientes ativos de pesticidas considerados provavelmente cancerígenos que estão licenciados para venda no país; 27 deles são classificados como possivelmente cancerígenos pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA e pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde.

 

No Paraná, estado do sul do Brasil, o glifosato se destaca entre os 10 agrotóxicos mais usados de 2013 a 2020. É responsável por quase 50% de todo o comércio de pesticidas, de acordo com o regulador agrícola estadual ADAPAR. Para seu estudo, Panis analisou amostras de urina de mulheres agricultoras, descobrindo que muitas testaram positivo para pesticidas como glifosato, atrazina e 2,4-D.

 

A IARC classifica o glifosato como provavelmente cancerígeno para humanos, além de ser um desregulador endócrino; O 2,4-D é visto como possivelmente cancerígeno e há evidências de que aumenta a incidência de sarcoma de células reticulares em camundongos fêmeas; A atrazina, o 5º ingrediente ativo de agrotóxico mais comercializado no Paraná em 2020, também pode induzir desregulação endócrina.

 

No Brasil, o limite permitido para os níveis de atrazina no corpo humano é cinco vezes maior do que o aprovado na União Europeia. Para o glifosato, é 200 vezes maior.

 

"Os testes de urina dessas mulheres revelaram contaminação por glifosato, atrazina e/ou 2,4-D, resultante da exposição desprotegida durante a lavagem e descontaminação de itens usados para pulverizar pesticidas nas plantações", disse Panis. "Além disso, o risco de desenvolver câncer de mama foi quase 60% maior entre as mulheres rurais (expostas) em comparação com as mulheres urbanas (não expostas)."

 

Impactos invisíveis e silenciosos

 

Maria Elizete Chaud, 51 anos, mora com o marido em uma propriedade rural, a 6 quilômetros da cidade de Planalto, no sudoeste do Paraná. Ela cresceu no campo, cercada por plantações de tabaco, conhecidas pelo uso intensivo de agrotóxicos.

 

"Moro no campo desde criança e sempre plantamos tabaco e usamos muito veneno", disse ela. "Eu nunca borrifei, mas estava sempre no meio disso. Acho que acabamos nos acostumando com isso."

 

Um estudo de 2017 descobriu que o cultivo de tabaco usa uma média de 60 litros de pesticidas por hectare, ou cerca de 6 galões por acre - o mais alto de 21 culturas avaliadas. O estudo foi conduzido por pesquisadores do Centro de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), uma instituição líder na área.

 

Chaud foi diagnosticado com câncer de mama em 2016. Ela passou por quimioterapia, radioterapia e três cirurgias. Ela está curada agora, mas deve permanecer em observação até 2026. "Eu nunca tive problemas de saúde antes; Foi um choque na época porque é uma doença complicada. Não sei de onde veio, não sei se foi o veneno", disse ela.

 

Embora as mulheres que trabalham nas fazendas não sejam normalmente as que pulverizam pesticidas, elas estão envolvidas em atividades secundárias que as expõem à contaminação. Muitas vezes, são elas que preparam a mistura de produtos químicos, acompanham seus maridos durante a pulverização e, em particular, são responsáveis pela limpeza das ferramentas usadas nos campos. Esse trabalho doméstico também pode levar a uma contaminação tão alta quanto a enfrentada pelos homens que realmente pulverizam os pesticidas.

 

"Nosso estudo mostra que pelo menos 90% das mulheres que lavam roupas usadas durante a pulverização e descontaminam equipamentos de proteção individual não usam luvas de proteção, e isso se torna a principal via para os pesticidas entrarem no corpo dessas pessoas", disse Panis.

 

Chaud disse que frequentemente manuseava roupas contaminadas. "Eu nunca pensei em usar luvas. O veneno é sempre usado em tudo a ser plantado e colhido. A necessidade de usar luvas deve ser comunicada quando esses produtos são vendidos, mas essa informação não é fornecida.

 

Seu marido atualmente trabalha no cultivo de milho e soja. Ele ainda pulveriza pesticidas, mas agora descontamina suas próprias roupas e EPIs. Os agricultores do sexo masculino, assim como as mulheres, também são rotineiramente expostos a vários pesticidas com efeitos cancerígenos, reprodutivos, neurotóxicos, desreguladores endócrinos e respiratórios, entre outros. Vários estudos no Brasil analisaram esses efeitos na saúde do homem. Um deles, do município de Farroupilha, no extremo sul do estado do Rio Grande do Sul, descobriu que os pesticidas desreguladores endócrinos podem causar câncer de testículo e próstata, além de distúrbios reprodutivos em homens cronicamente expostos a eles. A pesquisa foi a tese de doutorado de Cleber Cremonese na Fundação Oswaldo Cruz, um dos principais institutos de pesquisa em saúde pública do mundo.

 

"Quando eles pulverizam o veneno em campos próximos, posso sentir o cheiro", disse Chaud. "Eu fecho a casa inteira, mas sinto o cheiro de qualquer maneira. Todos ao meu redor borrifam veneno e, em dias de vento, o cheiro viaja para longe.

 

"Os resultados da pesquisa indicam que as mulheres que estão continuamente expostas a agrotóxicos enfrentam um risco maior de desenvolver câncer de mama mais agressivo, o que reforça a urgência de ter políticas públicas voltadas para a prevenção e monitoramento dessas populações", disse Panis.

 

Clarice Wals, 47 anos, mora em São Jorge do Oeste, também no sudoeste do Paraná. Ela teve que mudar de emprego depois de ser diagnosticada com câncer de mama em 2016. "Só me dei conta quando tomei banho e me vi no espelho após a cirurgia", disse ela.

 

Wals também não percebeu a relação direta entre câncer e exposição a pesticidas, mas ela se lembrou de ter muitas dores de cabeça devido ao cheiro forte depois que os campos foram pulverizados, a cerca de 200 metros (660 pés) de sua porta da frente. "Os [agricultores] não nos dão nenhum aviso antes de pulverizar veneno e geralmente começam ao amanhecer. Tenho que fechar a casa rapidamente ou ir para a cidade", disse ela.

 

Wals disse que a primeira vez que soube da ligação entre o desenvolvimento de câncer de mama e a exposição a agrotóxicos foi quando alguém do centro de oncologia do município de Cascavel, onde ela recebeu tratamento, a visitou em casa e coletou amostras de água e urina. "Até então, ninguém havia me contado sobre isso. As pessoas em nossa comunidade estão acostumadas com o veneno; Um vizinho mora no meio dos campos e fica do lado de fora, 'comendo aquela poeira'", disse ela.

 

Outro estudo, liderado por Panis e publicado em 2022, encontrou altos níveis de 11 tipos de agrotóxicos na água que abastece 127 municípios produtores de grãos em todo o Paraná, com uma população combinada de 5,5 milhões. De acordo com o estudo, pelo menos 542 casos de câncer diagnosticados entre moradores da área entre 2017 e 2019 podem estar relacionados a essa contaminação.

 

"Fiz quimioterapia por seis meses e depois fiz uma cirurgia", disse Wals. "Depois de 40 dias, comecei a radioterapia e tudo ficou bem. Graças a Deus não sofri muito durante esse período." Ela disse que ainda tem dois anos pela frente antes de receber alta do tratamento.

 

Relação entre pesticidas e câncer

 

O câncer de mama tem muitas causas, e estudos indicam que a exposição a pesticidas pode ser uma delas, de acordo com Panis. Ela disse que as reações do corpo humano variam de acordo com fatores como nível de exposição, duração do contato e suscetibilidade individual.

 

"Sabemos que compostos como glifosato, 2,4-D e atrazina estão relacionados ao câncer de mama, ovário e tireoide e outros, como resultado das desregulações endócrinas que causam", disse ela. "Há evidências de estudos em animais de que esses pesticidas afetam diretamente o DNA, além de alterar a produção de hormônios. O corpo tenta reparar esse dano, mas em alguns casos o próprio sistema de reparo fica comprometido, impossibilitando a correção do material genético, por exemplo."

 

A Dra. Monique Celeste Tavares, oncologista do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, disse que o potencial de pesticidas como o glifosato e a atrazina para causar distúrbios hormonais é um dos fatores que explicam a ligação entre essas substâncias e o câncer de mama. "Esses agentes podem imitar ou induzir estrogênio, que é um dos principais hormônios relacionados ao desenvolvimento do câncer de mama", disse ela.

 

O médico Fernando Maluf, oncologista clínico e membro do comitê gestor do Centro de Oncologia do Hospital Albert Einstein, também em São Paulo, disse que a exposição a agrotóxicos pode causar grandes danos ao material genético. "Esses carcinógenos afetam diretamente o DNA, interferindo nos mecanismos de proteção do corpo contra o desenvolvimento do câncer", disse ele. Esse efeito, combinado com mudanças no sistema imunológico, pode comprometer a capacidade do corpo de encontrar e eliminar células cancerígenas.

 

O Dr. Tavares disse que é importante estudar o risco de exposição a pesticidas em populações rurais. "Disseminar essas informações, especialmente em áreas agrícolas, é essencial para que essas mulheres tenham acesso a medidas para prevenir a exposição", disse ela.

 

Educação ambiental para prevenção

 

Panis e sua equipe estão realizando uma nova iniciativa entre as agricultoras do sudoeste do Paraná. Busca educar mulheres rurais em risco, com foco em mulheres jovens que ainda não foram diagnosticadas com doenças relacionadas à exposição a agrotóxicos.

 

Para conscientizar esse grupo, os pesquisadores estão realizando palestras para divulgar os resultados de seu estudo e realizando oficinas práticas para conscientizar sobre o manuseio adequado de agrotóxicos, enfatizando o uso de luvas de proteção na lavagem e descontaminação de roupas e EPIs. O projeto também se concentra na distribuição de EPI, embora enfrente desafios de financiamento. Apesar do baixo custo do equipamento, isso pode ser um obstáculo para sua incorporação na rotina dos agricultores.

 

Panis disse que já treinou mais de 5.000 mulheres na área, fornecendo informações sobre a importância do uso de EPI ao manusear objetos contaminados por pesticidas, especialmente durante as tarefas domésticas. "Uma simples luva de borracha pode reduzir as taxas de contaminação, mas aumentar a conscientização não é uma tarefa fácil", disse ela.

 

Atualmente, o projeto conta com o patrocínio da Fundação Araucária, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Itaipu Binacional, desenvolvedora hidrelétrica, e de parceiros locais como o Rotary Club e a Cresol, além do governo do Paraná e do governo federal, que financia a iniciativa.

 

"Neste projeto, levamos os resultados do estudo às mulheres e explicamos o risco a que estão expostas", disse Panis. "Oferecemos um espaço para que eles se sintam confortáveis e conversem." Ela cita a importância de oficinas que ensinem a lavar a roupa corretamente e evitar a contaminação. "Hoje, a grande força do trabalho é esse projeto educacional. Mostramos os dados, alertamos e propomos treinamento sobre o uso de EPI. Fornecemos luvas adequadas para lavar roupas, óculos e aventais, todos adequados para o manuseio de pesticidas.

 

Para avaliar se os ensinamentos estão surtindo efeito, Panis coletou amostras de urina de um grupo de mulheres que já haviam se declarado extremamente expostas a pesticidas, para ver se seus níveis de contaminação depois de participarem de workshops e sessões de treinamento haviam mudado. "Quero mostrar a eles que podemos minimizar essa contaminação apenas usando luvas", disse Panis. Essa etapa do estudo está em andamento agora, e o grupo pretende apresentá-la em breve, em um evento que será organizado para todos os participantes do sudoeste paranaense no próximo ano.

 

Fonte: https://news.mongabay.com/2024/12/pesticide-exposure-drives-up-rural-womens-cancer-risk-in-brazil-farming-belt/

 

*Tradução automática


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