A ofensiva do agronegócio contra a legislação ambiental no Brasil
quarta-feira, 10 de maio de 2023, 14h07
Autor do livro ‘Formação Política do Agronegócio’, o antropólogo Caio Pompeia explica como o Instituto Pensar Agropecuária multiplicou a influência do setor ao articular associações de fazendeiros a corporações empresariais, ampliando o poder da bancada ruralista no parlamento para interferir em reformas de Estado, políticas de alimentação e até na organização dos ministérios
Por Cristiane Fontes
Publicado em Sumaúma
Há quase dez anos, e minuciosamente, o antropólogo Caio Pompeia investiga o agronegócio brasileiro como um fenômeno político, tema de seu livro Formação Política do Agronegócio, lançado em 2021 (Editora Elefante). Em entrevista exclusiva a SUMAÚMA, o pesquisador, de fala suave e palavras escolhidas com cuidado, descreve como se deu a formação e a consolidação do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), estratégico para o fortalecimento da atuação política do agronegócio na última década. Com sede em Brasília, equipe especializada, agenda de trabalho permanente e orçamento de mais de meio milhão de reais por mês, o IPA é responsável pela convergência de discursos das elites regionais, nacionais e transnacionais do agronegócio e pela atuação empresarial-parlamentar que fortaleceu a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso.
Essa rede sustentou, por exemplo, ações orquestradas contra a demarcação de terras indígenas e a criação de Unidades de Conservação (UCs). Nos últimos anos, passou a tratar ainda de políticas públicas ligadas à alimentação, como sua tentativa de alterar o Guia Alimentar para a População Brasileira, para melhorar a imagem dos ultraprocessados – produtos apresentados como bebidas e alimentos que passam por processos industriais e sofrem a adição de substâncias, estando relacionados ao aumento de várias doenças e a problemas de saúde pública, como a obesidade.
Compreender como a aliança entre associações de fazendeiros e corporações de alimentos se fortalece cada vez mais é essencial para enfrentar a crise climática, que já levou ao aumento do número de eventos extremos, como o que, neste ano, matou e desabrigou pessoas e destruiu casas no litoral de São Paulo, no sudeste do Brasil, e no estado do Acre, na Amazônia. Estudo recém-lançado por cientistas norte-americanos, intitulado Future Warming from Global Food Consumption (Aquecimento futuro devido ao consumo global de alimentos), revela que, se os atuais padrões de consumo forem mantidos até o fim deste século, será adicionado 1 grau Celsius ao aquecimento global até 2100. Se isso acontecer, a meta de redução da emissão de gases de efeito estufa estabelecida pelo Acordo de Paris será severamente afetada. Os principais vilões são os alimentos com alto teor de metano (CH4), como carne e laticínios.
O metano é o segundo gás de efeito estufa mais abundante, depois do dióxido de carbono (CO2) – representa 17,6% das emissões globais. O Brasil é o quinto maior emissor de metano do mundo, e a agropecuária é responsável por 71,8% dessas emissões, geradas, majoritariamente, pelo processo digestivo do rebanho bovino, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. Além disso, a agropecuária é a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e o principal vetor de desmatamento e de conflitos fundiários, especialmente na Amazônia. De acordo com o último relatório da organização internacional Global Witness, de 2022, o Brasil foi o país mais letal do mundo para ativistas ambientais na última década.
Atualmente vivendo na Inglaterra, professor visitante do Latin American Centre, da Oxford School of Global and Area Studies, Caio Pompeia pretende, ao longo de 2023, estudar como as diferentes correntes do agronegócio vão se reorganizar a partir da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se elegeu com um discurso pró-Amazônia e pró-enfrentamento da crise climática. A gestão do petista já começou bastante movimentada. Nas últimas semanas, representantes do agronegócio apresentaram emendas à medida provisória que reestrutura os ministérios sob Lula e que, se aprovadas, enfraquecerão órgãos como o Ministério do Meio Ambiente e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O setor reagiu à fala do presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), o petista Jorge Viana, sobre a relação do agronegócio com o desmatamento na Amazônia durante recente visita à China e publicou uma nota de repúdio. Também acaba de ser aprovada na Câmara dos Deputados uma medida provisória que permite o desmatamento de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração na Mata Atlântica, hoje o bioma mais ameaçado do Brasil.
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Fonte: Elefante Editora