ARTIGO
Guarda
por Dr. Fabricio Miranda Mereb
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023, 18h40
Definição: complexo de direitos e deveres, a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outro que dele necessite, colocado sob sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial.
Importante diferenciar da guarda trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visto que a descrita no Código Civil é decorrente do PODER FAMILIAR. A guarda, decorrência do poder familiar, traduz um conjunto de obrigações e direitos em face da criança ou adolescente, especialmente de assistência material e moral.
A luz do princípio da isonomia não existe prevalência do pai ou da mãe para se ter a guarda, na medida em que esta deve ser conferida baseada no melhor interesse existencial da criança.
Modalidades (CC, art. 1.583 e ss):
Compartilhada ou conjunta = pai e mãe exercem, ao menos tempo, poderes de guardião. * passou a ser a regra, mesmo no divórcio litigioso STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016).
Unilateral ou exclusiva = um dos pais exerce com exclusividade os poderes de guardião.
Alternada = pai e mãe reservam períodos exclusivos de exercício da guarda.
Nidação ou alinhamento = a criança permanece na mesma casa em que vivia, revezando-se os pais na sua companhia.
Guarda Compartilhada:
A guarda compartilhada encontra suas origens na “Common Law” do Direito Inglês, com a denominação de “joint custody”. A partir da década de 1960, se difundiu tal conceito pela Europa, porém, foi nos Estados Unidos da América que a denominada guarda conjunta avançou em virtude de intensas pesquisas em decorrência da transformação das famílias. Daí, é possível concluir que a adoção de previsão legal da guarda compartilhada no Brasil retrata uma crescente tendência mundial, fortalecida pela Convenção de Nova Iorque sobre Direitos da Criança (ONU, 1989).
A guarda compartilhada define os dois genitores como detentores da autoridade parental para tomar todas as decisões que afetem os filhos, visando manter os laços de afetividade e abrandar os efeitos que o fim da sociedade conjugal pode trazer à prole, ao passo que tenta manter de forma igualitária a função parental, consagrando os direitos da criança e de seus genitores. Em face disso, a guarda compartilhada, como regra, é recomendável, não se aplicando, porém, quando um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor ou um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar.
A guarda pode ser deferida para outra pessoa que não seja o pai ou a mãe, como, por exemplo, a tios e avós. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
A guarda compartilhada é a modalidade de guarda mais adequada para preservar os interesses do menor, quando ambos os genitores estiverem aptos. A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. Logo, a guarda compartilhada é a regra, independentemente de concordância entre os genitores acerca de sua necessidade ou oportunidade (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016).
A lei 13.058/2014, que alterou o §2º do art. 1.584 do CC, esclareceu que a guarda compartilhada não é apenas prioritária ou preferencial, mas sim obrigatória, só sendo afastada quando:
a) um genitor declarar que não deseja a guarda; ou
b) um genitor não estiver apto ao exercício do poder familiar.
Portanto, a residência do genitor em outra localidade (cidade, estado ou país), não é considerada exceção para a não fixação da guarda compartilhada. Igualmente, o artigo 1.583, §3º, do Código Civil, estabelece um critério para a definição da cidade que deverá ser considerada como base da moradia dos filhos na guarda compartilhada, qual seja, a que melhor atender aos interesses da criança ou do adolescente. Assim, o próprio código civil estabelece tal possibilidade.
Com o avanço tecnológico, passa a ser plenamente possível que os genitores compartilhem as responsabilidades referentes aos filhos, mesmo que à distância. Desse modo, o fato de os genitores possuírem domicílio em cidades diversas, por si só, não representa óbice à fixação de guarda compartilhada. STJ. 3ª Turma. REsp 1878041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021 (Info 698).
Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (§ 3º do art. 1.584 do CC). Portanto, com a ajuda de psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, o juiz já deverá estabelecer as atribuições que caberão a cada um dos pais e o tempo de convivência com o filho.
Para fixação da guarda, o juiz não deve se guiar pela culpa no fim do relacionamento, mas sim pelo interesse existencial dos filhos.
Quanto aos alimentos, ainda que seja estabelecido o regime de guarda compartilhada, é possível a fixação da pensão alimentícia em desfavor de um dos genitores.
OBS: É válida a aplicação de astreintes quando o genitor detentor da guarda da criança descumpre acordo homologado judicialmente sobre o regime de visitas. A aplicação das astreintes em hipótese de descumprimento do regime de visitas por parte do genitor, detentor da guarda da criança se mostra como um instrumento eficiente e também, menos drástico para a criança. STJ. 3ª Turma. REsp 1481531-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 16/2/2017 (Info 599).
Competência:
No caso em que criança tenha sido, supostamente, retida ilicitamente no Brasil por sua genitora, NÃO haverá conflito de competência entre
(a) o juízo federal no qual tramite ação tão somente de busca e apreensão da criança ajuizada pelo genitor com fundamento na Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças; e
(b) o juízo estadual de vara de família que aprecie ação ajuizada pela genitora na qual se discuta o fundo do direito de guarda e a regulamentação de visitas à criança verificando-se apenas prejudicialidade externa à ação ajuizada na Justiça Estadual, a recomendar a suspensão deste processo até a solução final da demanda ajuizada na Justiça Federal (STJ, CC 132.100/BA).
Enunciados da Jornada de Direito Civil:
Enunciado 603 da VII JDC: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2 do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.”
Enunciado 604 da VII JDC: “A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo § 2° do art. 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na companhia do filho.”
Enunciado 605 da VII JDC: “A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência.”
Enunciado 606 da VII JDC: “O tempo de convívio com os filhos ‘de forma equilibrada com a mãe e com o pai’ deve ser entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada um.”
Enunciado 607 da VII JDC: “A guarda compartilhada não implica ausência de pagamento de pensão alimentícia.”
Jurisprudência correlata:
Mãe biológica pode se opor à ação de guarda de sua filha mesmo que já tenha perdido o poder familiar em ação proposta pelo MP com esse objetivo A mãe biológica detém legitimidade para recorrer da sentença que julgou procedente o pedido de guarda formulado por casal que exercia a guarda provisória da criança, mesmo se já destituída do poder familiar em outra ação proposta pelo Ministério Público e já transitada em julgado. O fato de a mãe biológica ter sido destituída, em outra ação, do poder familiar em relação a seu filho, não significa, necessariamente, que ela tenha perdido a legitimidade recursal na ação de guarda. Para a mãe biológica, devido aos laços naturais, persiste o interesse fático e jurídico sobre a criação e destinação da criança, mesmo após destituída do poder familiar. Assim, enquanto não cessado o vínculo de parentesco com o filho, através da adoção, que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos, é possível a ação de restituição do poder familiar, a ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar. STJ. 4ª Turma. REsp 1.845.146-ES, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19/11/2019 (Info 661).
O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos (usufruto legal), bem como têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade, nos termos do art. 1.689, incisos I e II, do Código Civil. Por essa razão, em regra, não existe o dever de prestar contas acerca dos valores recebidos pelos pais em nome do menor, durante o exercício do poder familiar. Isso porque há presunção de que as verbas recebidas tenham sido utilizadas para a manutenção da comunidade familiar, abrangendo o custeio de alimentação, saúde, vestuário, educação, lazer, entre outros. Excepcionalmente, admite-se o ajuizamento de ação de prestação de contas pelo filho, sempre que a causa de pedir estiver fundada na suspeita de abuso de direito no exercício desse poder. Assim, a ação de prestação de contas ajuizada pelo filho em desfavor dos pais é possível quando a causa de pedir estiver relacionada com suposto abuso do direito ao usufruto legal e à administração dos bens dos filhos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.623.098-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/03/2018 (Info 622).
A representação legal do filho menor é uma das vertentes do poder familiar e deverá ser exercida, em regra, pelos pais, conforme prevê o art. 1.634, VII, do Código Civil. Assim, somente em algumas hipóteses é que o menor poderá deixar de ser representado pelos seus pais. O fato de ter sido concedida a guarda do menor para uma outra pessoa que não compõe o núcleo familiar não significa que tenha havido a destituição automática do poder familiar. Logo, mesmo em tais casos, a competência para representar este menor em juízo é do pai ou da mãe (e não da guardiã). STJ. 3ª Turma. REsp 1.761.274-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 664).
Referência:
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É possível a fixação de guarda compartilhada mesmo que um dos genitores possua domicílio em cidade distinta. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/bd4a6d0563e0604510989eb8f9ff71f5>. Acesso em: 27/02/2023.
Madaleno, Rolf. Manual de direito de família / Rolf Madaleno. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022.
Tartuce, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único / Flávio Tartuce. – 12. ed. – Rio de Janeiro, Forense; METODO, 2022.