Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Sharenting: Justiça do Acre proíbe pais de expor excessivamente filho nas redes sociais

por Débora Anunciação e Guilherme Gomes

sexta-feira, 18 de julho de 2025, 14h14

A 3ª Vara da Família de Rio Branco condenou um casal por expor excessivamente a imagem do filho nas redes sociais. A decisão proibiu a divulgação de fotos e vídeos da criança além do que seria considerado normal, como registros de datas comemorativas ou momentos em família.

Segundo informações do Tribunal de Justiça do Acre – TJAC, foi constatada a prática de sharenting, termo em inglês que se refere ao comportamento de pais ou responsáveis que compartilham em excesso a vida de crianças na internet, muitas vezes revelando detalhes íntimos e pessoais.

A sentença entende que esse tipo de exposição pode causar danos à dignidade da criança, afetando seu desenvolvimento psicológico e social. A prática compromete direitos fundamentais, como a intimidade, a segurança, a honra, a vida privada e o direito à imagem.

Também foi prevista a proibição de qualquer divulgação da relação entre pai e filho que ultrapasse o padrão esperado e ressalta que eventuais conflitos familiares devem ser resolvidos apenas na esfera judicial. O descumprimento da ordem pode acarretar multa e até a revisão das condições de guarda e convivência.

A Justiça do Acre também destacou que o sharenting viola o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que garante o direito à intimidade e à imagem, e o artigo 17, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que assegura a proteção à identidade, ao respeito e à integridade psíquica e moral da criança.

O processo foi julgado em maio deste ano e tramita em segredo de Justiça.

Proteção digital

A advogada Isabella Paranaguá, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, seção Piauí, vê a decisão com bons olhos e “certa dose de alívio”, pois o “Judiciário começa, ainda que timidamente, a reagir a um fenômeno que naturalizamos por tempo demais: a hipervisibilidade da infância nas redes, muitas vezes sem qualquer filtro ético”.

A especialista reconhece que não é a primeira sentença a abordar o tema. Apesar disso, acredita que o entendimento “é exemplar por delimitar com objetividade o que se entende como excesso e por reconhecer a criança como sujeito de direitos, mesmo diante da autonomia parental”.

“Pode, sim, funcionar como um divisor de águas. O sharenting no Brasil carece de limites jurídicos, e essa decisão ajuda a desenhá-los”, comenta.

Segundo a advogada, o ordenamento jurídico já oferece meios eficazes de proteção da imagem e da intimidade de crianças e adolescentes no ambiente digital. “A Constituição, o ECA, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD formam uma rede normativa que protege a imagem, privacidade e dados de crianças e adolescentes.”

O problema, segundo ela, não é a ausência legal, mas a ausência de aplicação qualificada, sobretudo quando a violação parte dos próprios pais. “A autodeterminação informativa da criança ainda não é levada a sério, e isso precisa mudar.”

Responsabilidade civil

Isabella Paranaguá explica que além da responsabilização civil, que pode envolver indenizações por dano moral, há o risco concreto de interferência judicial no poder familiar. “O Judiciário começa a entender que a superexposição reiterada pode configurar negligência.”

“Para além do risco jurídico, há o dano invisível: a criança é privada do direito de construir sua identidade sem estar submetida a uma audiência permanente. Alguns nunca terão a chance de escolher o que querem revelar sobre si, porque suas vidas já foram entregues ao algoritmo antes mesmo de aprenderem a escrever”, destaca.

Na visão da especialista, o limite entre um registro familiar saudável e a exposição excessiva está no equilíbrio. “Registrar a infância, celebrar momentos e compartilhar experiências com familiares e amigos é natural e faz parte da afetividade contemporânea.”

“O problema surge quando a frequência, a exposição e a intenção começam a se descolar do melhor interesse da criança. Quando a imagem infantil se transforma em ativo digital , seja para validação social, seja para engajamento, o risco aumenta”, pontua.

A advogada afirma que a criança tem o direito de não estar permanentemente visível, mesmo dentro de relações de afeto. “Não se trata de culpar mães ou pais, mas de promover uma consciência mais responsável sobre os impactos desse tipo de exposição no desenvolvimento emocional, na privacidade e na autonomia futura dos filhos. O afeto continua sendo legítimo, mas precisa caminhar lado a lado com o dever de proteção.”

Ela considera ser necessário um marco legal específico para regular o sharenting no Brasil.  “A razão é simples: o Direito precisa deixar de ser apenas reativo.”

“O sharenting expõe um vácuo normativo que hoje é preenchido pela judicialização pontual. Um marco legal específico permitiria o estabelecimento de parâmetros objetivos, obrigações de conduta, limites etários e responsabilização mais clara de plataformas. Não se trata de criminalizar a parentalidade digital, mas de civilizá-la. A infância precisa voltar a ser protegida, e isso inclui a infância on-line”, conclui.


Fonte: IBDFAM


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