TJDFT, DPDF e MPDFT promovem alteração em documentos de pessoas não-binárias
quarta-feira, 16 de novembro de 2022, 13h10
Entidades distritais retificaram os documentos de 24 pessoas auto-identificadas como não-binárias
.png)
Em colaboração interinstitucional histórica, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) promoveram, nessa terça-feira (8/11), a primeira edição do projeto "Cidadania Não-Binária”. A iniciativa integra a programação da XVII Semana Nacional da Conciliação do TJDFT que acontece de 7 a 11 de novembro, em todos os Tribunais do país.
A ação pioneira garantiu o direito à retificação de nome e gênero a 24 pessoas, já acompanhadas há mais de um ano pelo Núcleo de Direitos Humanos (NDH) da Defensoria. O resultado positivo com o projeto abriu caminho para futuras edições que possam atender mais pessoas não-binárias que desejem participar do processo.
O Juiz do TJDFT Gabriel Coura, um dos envolvidos nessa ação, explicou que o Projeto Cidadania Não-Binária foi idealizado para proporcionar uma jurisdição célere e mais humanizada às pessoas trans que ainda não conseguem realizar a readequação do gênero pela via extrajudicial. Para o magistrado, é de extrema relevância que os registros civis representem a pessoa em sua completude, especialmente no que diz respeito à forma que ela se percebe e pretende se expressar perante a sociedade. “O reconhecimento das pessoas não-binárias é um passo essencial para o cumprir os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro, que é a construção de uma sociedade livre, justa, solidária e livre de preconceitos e qualquer forma de discriminação", declarou Coura.
.png)
O Coordenador do NDH e Defensor Público do DF, Ronan Figueiredo, declarou que “a nossa Constituição Federal, os tratados internacionais de direitos humanos, e toda a estrutura normativa de uma sociedade que se pretende democrática é fundamentada na dignidade humana. Não há como falar nela quando um direito básico como o nome é negado às pessoas pelo Estado e pela sociedade. Este é o início de uma reparação histórica em uma sociedade estruturalmente transfóbica e cisnormativa. É necessário que as instituições públicas e os sistemas de Justiça, em articulação com a sociedade civil, tomem iniciativas antidiscriminatórias como essa para efetivar o direito à identidade e autodeclaração das pessoas não-binárias”.
O Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MPDFT foi representado pela Promotora de Justiça Adalgiza Maria Aguiar Hortencio de Medeiros. "A importância deste projeto é singular na medida em que garante a efetivação das disposições constantes na ADI 4275/DF, em que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal garantiram o direito de retificação dos assentos civis a todas as pessoas transgênero, não o limitando às pessoas transexuais. Portanto, o reconhecimento jurídico da identidade de gênero não-binária é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à autodeterminação, sendo amparado pelo conjunto de normas de direito interno e de direito internacional. A participação do Ministério Público neste projeto consubstancia-se em garantir ao cidadão não- binário o direito ao reconhecimento de sua real identidade, tanto no que se refere ao nome, quanto ao gênero, tudo a ser aposto em seus assentamentos registrais”, explicou.
.png)
O evento, prestigiado pelo Desembargador Sérgio Rocha, 2º Vice-Presidente do TJDFT, contou com uma oficina introdutória, seguido por audiências que efetivaram a requalificação de nome e gênero nos documentos das pessoas assistidas, levando dignidade e direitos às pessoas não-binárias. Sobre o momento da oficina, o Juiz Gabriel mencionou que as histórias compartilhadas trouxeram relatos de lutas individuais e coletivas por reconhecimento. E concluiu: “E é assim que o Projeto Cidadania Não-Binária pode ser resumido: reconhecimento. Ver o direito ser concretizado de forma tão intensa demonstra que investir num atendimento mais humanizado é o caminho certo para a construção de uma sociedade mais justa e democrática."
Realizada pelo TJDFT, Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria e MPDFT, a ação contou também com participação da Subsecretaria de Atividade Psicossocial (Suap), do Núcleo Itinerante da DPDF, e parceria do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) Diversidade, do Adolescentro e da Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal (Anoreg/DF).
Relatos
“Esse é um momento único, para nós, pessoas trans não-binárias. Para gente exercer nossa cidadania, ter direito à vida, ao respeito, à dignidade, ao acesso às políticas públicas. E, principalmente, a viver com plenitude, com nosso nome, nosso gênero e com todo amor que há no mundo”, declarou Kayode, um dos participantes.
Gabriel Santos (ela/dela), de 27 anos, que se identifica como pessoa trans não-binária foi a primeira a fazer a retificação de seus documentos no DF. Ela explicou que o processo ocorreu graças à demanda coletiva que mobilizou o Núcleo de Direitos Humanos da DPDF, o TJDFT e o MPDFT. Disse que foi bem acolhida por toda a equipe envolvida e enfatizou sua felicidade com a facilidade para a entrega da documentação e com a rapidez da audiência, realizada no dia da ação. Agora, os documentos serão encaminhados para o cartório e ela será contactada novamente uma vez que eles estejam readequados.
Diadorim (ele/dele, elu/delu) também teve sua documentação readequada e compartilhou: “Vou me formar daqui há três meses e meu sonho era ter meu nome certo no diploma. Passei por várias crises, adiando minha formatura por medo de não ter minha documentação correta. Agora o céu é limite!”
O que é uma pessoa não-binária?
A não-binariedade é um termo guarda-chuva que abrange as diversas identidades daqueles que não se percebem como exclusivamente pertencentes ao gênero que lhes foi atribuído. Isso significa que sua identidade e expressão de gênero não são limitadas ao binário (masculino e feminino).
De acordo com o participante da ação Kaleb Giulia (ele/dele, elu/delu), “reconhecer o nome e os pronomes de uma pessoa não-binária é legitimar que ela existe, e, não chamá-la pelo nome certo ou chamá-la de ‘ela’, quando se identifica como ‘ele’, por exemplo, é dizer que aquela pessoa não é digna de ser respeitada”.
Kaus (ele/dele, elu/delu), que também participou do projeto piloto, acrescentou que “as pessoas não-binárias já estão na sociedade e, quando seus pronomes são respeitados, isso beneficia toda a sociedade, pois influencia as pessoas a enxergarem os outros para além das definições de ‘homem’ e ‘mulher’”.
Fonte: TJDFT