Justiça Federal acolhe pedido do MPPA e MPF e declara ilegalidade do CEMEP no Pará
por PJ Agrária, com edição de Hannah Franco/Ascom
segunda-feira, 17 de novembro de 2025, 23h48
A Justiça Federal, por meio da 1ª Vara Cível da Seção Judiciária do Pará, acolheu os pedidos formulados na Ação Civil Pública nº 1002904-47.2020.4.01.3900, ajuizada inicialmente pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) em 2018, sob a coordenação das Promotorias de Justiça Agrárias, e posteriormente reforçada pelo Ministério Público Federal (MPF).
A decisão reconheceu a ilegalidade da implementação do Sistema Educacional Interativo (SEI), posteriormente substituído pelo Centro de Mídias da Educação Paraense (CEMEP), destinado ao ensino médio para povos e comunidades tradicionais do campo, das águas e das florestas.
Na sentença, o juízo constatou que o modelo educacional foi implantado sem regulamentação formal específica e sem a realização da consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — requisito obrigatório para políticas públicas que impactam povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, agricultores familiares e demais comunidades tradicionais.
Segundo a decisão, a inexistência de ato normativo do Conselho Estadual de Educação também violou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que permite o uso de mediação tecnológica apenas em caráter excepcional e mediante parâmetros técnicos definidos.
Atuação do MPPA em defesa da educação do campo
Desde o início do processo, o MPPA sustentou que o modelo adotado pelo Estado desconsiderou as realidades socioculturais das comunidades tradicionais e violou o direito à educação adequada às especificidades territoriais. Em manifestação nos autos, a promotora de Justiça Herena Neves Maués Corrêa de Melo destacou que o sistema reproduzia uma lógica de ensino urbanocêntrica, afastada das realidades do campo, “desmobilizando professores e alunos camponeses, quilombolas e indígenas de suas vivências e prejudicando o aprendizado repassado por docentes especializados”.
A promotora também apontou que a substituição do ensino presencial por aulas transmitidas via estúdios urbanos representava um retrocesso pedagógico, semelhante a um “telecurso”, incapaz de atender às diretrizes dos artigos 26 e 28 da LDB e aos decretos federais que regulamentam a Educação do Campo.
O MPPA ainda demonstrou que o programa ignorou o direito à participação social e afastou práticas pedagógicas próprias dos territórios tradicionais, comprometendo o padrão mínimo de qualidade exigido pela legislação.
A decisão judicial confirmou as violações apontadas, reconhecendo a necessidade de um processo consultivo e regulatório que observe a autonomia, os modos de vida e as demandas específicas das comunidades tradicionais.
Embora tenha declarado a ilegalidade, o juízo concedeu ao Estado um prazo de 150 dias para editar o ato normativo exigido e adequar o modelo, a fim de evitar prejuízos imediatos a milhares de estudantes que dependem do serviço educacional. Após o prazo, a continuidade do programa sem regulamentação acarretará multa diária.
A decisão representa uma vitória histórica para as populações tradicionais e para a educação pública do Pará, reafirmando que políticas educacionais destinadas a povos do campo devem ser construídas com participação social, respeito às diferenças, segurança jurídica e observância aos instrumentos de proteção coletiva.
Para o Ministério Público, o reconhecimento judicial da ilegalidade reforça a importância da atuação conjunta das Promotorias Agrárias, que desde 2018 vinham acompanhando as comunidades afetadas, realizando inspeções e promovendo diálogos para assegurar que seus direitos fossem respeitados.
A ação contou com a assinatura, na petição inicial, dos seguintes membros do MPPA: Sabrina M. Napoleão Kalume, Maria das Graças Corrêa Cunha, Herena Neves Maués Corrêa de Melo, Regina Célia Taveira da Silva, Marieta Corrêa Hage, Darlene R. Moreira, Waldir Macieira de Costa Filho, Frederico Augusto de Moraes Freire, Érika Menezes de Oliveira, Nadilson Pontes Gomes, Angela Maria Balieiro Queiroz, Bruno Saravalli Rodrigues, Eliane Cristina Pinto Moreira, Ioná Silva de Sousa Nunes, Sabrina Said Daibes de Amorim Sanchez e Louise Rejane Araújo da Silva.
Texto: PJ Agrária, com edição de Hannah Franco/Ascom
Fonte: MPPA