Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Além do "protocolo não é não": mudanças legislativas, controvérsias e compliance de gênero no Brasil

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024, 15h07

Especialista em Direito das Mulheres analisa as novas leis de gênero no Brasil, enfocando o compliance empresarial e questionando a exceção das igrejas na lei do não é não.

 

Em um contexto no qual a luta pela igualdade e o combate à violência contra mulheres ganham cada vez mais destaque, o Brasil dá um passo significativo com a implementação do "protocolo não é não" (lei 14.786). Esta legislação se junta a outras, como a "lei de Igualdade Salarial" (lei 14.611/23) e o "Programa Emprega + Mulheres" (lei 14.457/22), fortalecendo o arcabouço legal em defesa dos direitos das mulheres. Tais medidas não apenas inspiram questões críticas relacionadas à violência de gênero e à disparidade salarial, mas também impõem responsabilidades significativas às empresas, marcando a crescente importância do compliance de gênero.

 

A lei de Igualdade Salarial combate a disparidade de salário entre homens e mulheres, exigindo o cumprimento de diversas obrigações por parte das empresas, sob pena de rigorosas penalidades. Por outro lado, o Programa Emprega + Mulheres visa apoiar a inclusão no mercado de trabalho, oferecendo flexibilização dos horários para mães e promovendo medidas contra o assédio moral e sexual. Estas leis enfatizam a importância de políticas internas que garantam a igualdade e um ambiente de trabalho seguro e respeitoso.

 

A novidade é o "protocolo não é não", que surge como um marco relevante na proteção das mulheres contra a violência em espaços de socialização e entretenimento, como casas noturnas, boates e shows. A lei estabelece um conjunto de direitos, assegurando proteção imediata pelo estabelecimento, informação sobre seus direitos, afastamento e medidas de segurança contra agressores, bem como o respeito às decisões da vítima. Para que seja tangível, a lei também exige que os estabelecimentos tenham pessoal qualificado para atender ao protocolo, mantenham informações visíveis sobre como acioná-lo, além de adotarem medidas proativas em caso de indícios de violência ou constrangimento.

 

No entanto, em meio a manifesta proteção às mulheres, chama a atenção a exceção destacada no parágrafo único do artigo 2º da referida lei 14.786/23, pelo qual garante-se a não aplicação do "protocolo não é não" em locais de natureza religiosa, o que abre um diálogo sobre a não uniformidade da proteção das mulheres em todos os contextos sociais.

 

A exclusão das instituições religiosas da "Lei do Não é Não" merece uma análise cuidadosa e crítica. Afinal, em um primeiro momento pode-se questionar: por quê? Por que somente os templos religiosos? Há quem justifique que o protocolo somente é aplicável para locais com venda de bebidas alcoólicas, por isso a evidente exceção. No entanto, o argumento não convence, eis que outros estabelecimentos que também não comercializam álcool não foram sequer mencionados no texto legal: hospitais, escolas, museus, bibliotecas, academias. Nesse sentido, o assunto parece que ainda irá causar muitos debates, pois, não raramente, vê-se na mídia crimes de violência contra mulheres e crianças em contextos religiosos - por exemplo, o caso João de Deus, para citar o mais emblemático, mas não único.

 

No entanto, apesar da mencionada exceção, o protocolo entra para uma série de medidas que pertencem ao compliance de gênero, parte integral da responsabilidade corporativa e da sustentabilidade dos negócios. Empresas que demonstram comprometimento com a igualdade de gênero e a proteção das mulheres não só cumprem com a lei, mas também melhoram sua imagem pública, o que pode resultar em maior lealdade do cliente e atração de talentos.

 

Assim, é essencial que as empresas adotem políticas eficazes de compliance de gênero, alinhando-se não apenas às exigências legais, mas também às expectativas sociais e éticas de um ambiente de trabalho inclusivo e igualitário. Todavia, mais necessário é o comprometimento do poder público e de toda a sociedade com a construção de espaços seguros, livres de violência e constrangimento, sem quaisquer exceções.

 

 

Fonte: Migalhas


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