Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

STJ restringe comportamento ao ver a polícia como razão para abordagem pela polícia

quinta-feira, 04 de setembro de 2025, 18h40

Mudar de direção com o carro ou a pé, colocar as mãos no bolso e caminhar, desviar o olhar e levantar-se ou sentar-se na frente da polícia são comportamentos que podem ser explicados por uma infinidade de razões e que não necessariamente justificam uma abordagem.

 

A posição vem sendo aplicada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça na análise de Habeas Corpus e recursos que contestam a validade de provas obtidas em abordagens feitas pelas polícias e guardas municipais.

 

Essas revistas pessoais são justificadas por um suposto nervosismo do suspeito ao ver a aproximação da viatura, o que seria suficiente para levantar a suspeita de que carrega com si algo que configure crime.

 

A 6ª Turma tem sido bastante criteriosa nessa análise. A ideia é que o mero nervosismo, por depender de uma avaliação subjetiva, não dá fundadas razões para a ação policial. É preciso dar concretude a essa impressão inicial.

 

É nesse contexto que as mudanças de comportamento são rejeitadas como justificativa. Essa posição já vem sendo aplicada explicitamente desde o primeiro semestre de 2024, quando a 3ª Seção decidiu que fugir ao ver a polícia autoriza a abordagem policial.

 

Já em 2025, a 6ª Turma registrou diversos acórdãos anulando provas contra pessoas flagradas com entorpecentes ou armas, mas que só foram revistadas porque policiais ou guardas enxergaram em atitudes aparentemente banais traços de nervosismo.

 

Se correr o bicho pega

 

No HC 971.160, relatado pelo desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, o colegiado anulou provas de abordagem feita porque a pessoa teria se assustado ao ver a viatura chegando. Segundo os policiais, a ré colocou as mãos no bolso e tentou deixar o local, caminhando ao encontro de pessoas em situação de rua.

 

A 6ª Turma também anulou as provas no HC 882.166. O caso é de guardas municipais que avistaram duas pessoas conhecidas nos meios policiais em razão de crimes e perceberam que eles mudaram de comportamento.  Um deles pegou uma linha de pipa de terceiro e passou a “soltar pipa”, tentando disfarçar e olhando fixamente para a viatura. O outro sentou-se rapidamente entre a calçada e a grama e ali permaneceu.

 

Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior destacou que essas ações não indicam que essas pessoas seriam suspeitas de cometer algum crime naquele momento. “Nunca é demais lembrar que discussões como essas estariam, em boa parte, superadas, se tivesse já se tornado hábito de nossas autoridades policiais o uso de câmeras corporais.”

 

Já no caso que originou o HC 998.027, a justificativa policial para a abordagem foi o fato de o suspeito, dentro do carro, desviar o olhar e abaixar a cabeça e boné que usava, como se quisesse esconder a face. O ministro Antonio Saldanha Palheiro destacou que isso não indica que ele estaria em posse de corpo de delito.

 

O REsp 2.196.901 e o HC 997.835 tratam de ações policiais justificadas pelo fato de os suspeitos terem mudado de direção. No primeiro caso, o acusado “saiu em um andar rápido” ao ver a aproximação dos policiais. No segundo, mudou de rota de forma brusca ao ver a equipe da cavalaria.

 

Já no caso que originou o HC 887.292, a abordagem se deu porque dois indivíduos que estavam sentados na calçada se levantaram ao ver a viatura, o que demonstrou nervosismo. “Os réus sequer demonstraram comportamento esquivo ou evasivo quando avistaram os guardas municipais, tendo se limitado a levantar da calçada”, disse o ministro Sebastião.

 

Se ficar o bicho come

 

A justificativa para a abordagem necessária porque, desde 2022, o STJ vem coibindo esses pequenos abusos praticados por meio de ações aleatórias e exploratórias, impondo ao cidadão o chamado “baculejo” sem nenhuma justificativa plausível.

 

A 5ª Turma do STJ, que também julga casos criminais, adota a mesma premissa: é preciso fundadas razões para que a polícia reviste alguém. Mas é mais inclinada a aceitar as justificativas, até pela impossibilidade de sindicar fatos e provas.

 

Já a 6ª Turma não se importa em ir ao acórdão e avaliar se a justificativa é mesmo suficiente. Quem diverge é o ministro Og Fernandes, que ficou vencido em todos os processos citados. Para ele, a alegação de nervosismo já basta.

 

Nos votos divergentes, ele cita jurisprudência das turmas do Supremo Tribunal Federal e alerta que a expertise da polícia pode apontar para situações em que essa atuação é necessária diante do evidente comportamento do suspeito.

 

“A percepção dos agentes é ínsita à atividade desempenhada, sem que isso necessariamente caracterize arbítrio ou abordagem fundada em preconceito, perseguição individual ou mero subjetivismo dos agentes”, apontou, em um dos casos.

 

Em outro, diz que a menção acerca de eventual atitude suspeita relatada pelos policiais ao identificar o nervosismo não pode, por si só, resultar na conclusão pela invalidade da atuação policial. “O contexto de cada caso poderá autorizar a conclusão a respeito.”

 

Abordagem pessoal em pauta

 

Fato é que, ao longo dos últimos anos, o STJ percebeu que a análise do que são fundadas razões para abordar alguém precisaria ser mais flexível.

 

Entre os exemplos de construção dessa jurisprudência, estão os julgados em que o STJ concluiu ser ilegal a ação da polícia motivada pelo mero fato de duas pessoas estarem em uma moto ou pelo motorista estar usando capacete em local onde isso não é a praxe.

 

 

 

Fonte: Conjur


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