Maioria dos réus é absolvida na maior ação de tráfico internacional do País
segunda-feira, 18 de novembro de 2024, 14h34
Com um total de 159 réus, a maior ação penal de tráfico internacional de drogas do País, derivada da operação “brabo”, da Polícia Federal, apresentou índice de absolvição de 61,54% em um dos quatro processos nos quais ela foi desmembrada. A sentença é da juíza Paula Mantovani Avelino, da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Cabe recurso.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, a organização criminosa desmantelada pela “brabo” é ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC). O grupo foi responsável pela remessa de cerca de nove toneladas de cocaína do Brasil a vários países europeus, entre 2015 e setembro de 2017, principalmente a partir do Porto de Santos.
Entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, advogados de acusados que foram inocentados atribuíram o elevado percentual de absolvições à “pirotecnia, sem o respaldo de provas” promovida pela PF e pelo MPF por ocasião da investigação e do oferecimento da denúncia. A princípio, a inicial elencou 156 réus, sendo depois aditada para incluir mais três.
Em sentença de 236 laudas prolatada no último dia 7 de novembro, a juíza federal apreciou a conduta de 39 réus, em 12 dos 26 “eventos” (nome dado a cada ação atribuída ao grupo investigado) descritos na denúncia principal da “brabo”. As operações criminosas analisadas resultaram na apreensão de 4,4 toneladas de cocaína no Brasil e no exterior.
O desmembramento dos autos originais em mais três outras ações decorreu do grande número de eventos e de acusados, além das situações processuais diversas dos réus (presos preventivamente e em liberdade). Dos 39 recém-julgados, houve a condenação de 14 (38,46%) e a absolvição de 25 (61,54%).
Além do tráfico internacional, os réus responderam por integrar organização criminosa de alcance transnacional e conexa a outros grupos mafiosos. Conforme a participação de cada um no esquema, as penas variaram de três anos e seis meses (para apenas um acusado, absolvido da organização criminosa) a 15 anos e 11 meses de reclusão.
Segundo o MPF, os membros da organização criminosa dividiam tarefas necessárias para o sucesso do esquema, tais como a cooptação de caminhoneiros e tripulantes de navios, a contratação de equipes responsáveis pela inserção da cocaína em contêineres previamente selecionados e o aliciamento de funcionários de terminais portuários.
Elo perdido
A denúncia vinculou um dos absolvidos ao evento nº 18 – relacionado à apreensão de 332 quilos de cocaína no Porto de Santos, em maio de 2017. Defendido pelo advogado Marcelo Cruz, esse réu foi acusado de desempenhar o papel de “elo” entre as células da organização, obtendo dados de contêineres com trabalhadores de terminais.
Conversas telefônicas foram usadas pelo MPF para incriminar o acusado. Porém, para a juíza federal, o “conteúdo sucinto dos diálogos” não se mostra suficiente para comprovar a suposta participação do réu nem detalhou qual teria sido ela. Desde a resposta à acusação, Cruz apontava essa fragilidade probatória, reconhecida na sentença.
“Para um inocente acusado de crimes graves como o tráfico internacional e participação em organização criminosa, figurar como réu representa uma pena sem condenação. Foram sete anos de angústia para o meu cliente, mas há de se louvar a cautela e o senso de justiça da magistrada ao apreciar ação tão volumosa e complexa”, declarou Cruz.
Sem reconhecimento
Os advogados José Luiz Moreira de Macedo e Fábio Spósito Couto defenderam um estivador acusado de participar, com outros homens, do içamento de 234 quilos de cocaína para introduzi-lo no navio Cap San Artemissio, atracado em Santos, em novembro de 2016. Posteriormente, a droga foi colocada em um contêiner embarcado.
Segundo a PF, dois tripulantes estrangeiros do cargueiro flagraram o esquema. No entanto, conforme Macedo e Couto, os policiais federais não providenciaram que as supostas testemunhas realizassem o reconhecimento do estivador, de acordo com as exigências legais, sendo o réu acusado apenas porque trabalhava no navio na ocasião.
A juíza Paula Avelino assinalou na sentença que as informações do timoneiro e imediato do navio não foram ratificadas em juízo, e nem poderiam, “tendo em vista que ambos sequer foram arrolados como testemunhas”. Ela acrescentou a ausência de quaisquer outras evidências a comprovar a ligação do estivador com o caso, absolvendo-o.
Tecnologia
Funcionário de um terminal portuário de Santos, um outro réu foi acusado de envolvimento com o evento nº 5, que resultou na apreensão de 1.137 quilos de cocaína em setembro de 2016. Segundo o MPF, esse acusado utilizou o seu login e a sua senha para apagar imagens de câmeras de segurança no pátio de contêineres da empresa.
Defendido por esse réu negou participação, alegando trabalhar com tecnologia há 20 anos e que, se tivesse intenção de deletar a filmagem, não usaria as próprias credenciais. A julgadora acolheu esse argumento, salientando que não foram produzidas provas vinculando o funcionário do terminal aos demais acusados.
O advogado Ochsendorf apontou nos autos “violação à soberania nacional” por suposta investigação da Drug Enforcement Administration (DEA) – agência antidrogas dos Estados Unidos – em território brasileiro. “A rigor, as provas deveriam ser anuladas, porque a PF juntou no processo uma série de diligências da DEA como se fosse dela.”
Processo 0013470-67.
Fonte: Conjur