6ª Jornada de Leitura começa para mais de 40 mil pessoas privadas de liberdade
quarta-feira, 19 de novembro de 2025, 08h25
“Não desista”. Com esse recado dirigido às mais de 40 mil pessoas privadas de liberdade que acompanharam a transmissão em todo o país, o escritor e compositor Nei Lopes deu o tom do primeiro dia da 6ª Jornada de Leitura no Cárcere, realizada nesta segunda-feira (17/11) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pena Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senappen/MJSP) e pelo Observatório do Livro e da Leitura.
A mesa de abertura reuniu representantes do CNJ, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Ministério da Educação (MEC), da Fundação Biblioteca Nacional e do Observatório. O coordenador adjunto do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, desembargador Ruy Muggiati, reforçou o papel da literatura na afirmação da dignidade humana. “A literatura é vida e nos devolve o reconhecimento de quem somos”.
Presidente do Observatório do Livro e da Leitura, Galeno Amorim destacou que a Jornada se consolidou como espaço de construção coletiva, como “um lugar para ouvir o que vem de dentro das unidades e transformar em políticas de leitura”. A diretora de Políticas de Educação Étnico-Racial e Educação Escolar Quilombola do MEC, Clélia Mara dos Santos, defendeu a leitura, a alfabetização e a educação como ferramentas de reparação histórica à população negra. “Mais de 80% das pessoas privadas de liberdade não concluíram a educação básica. Sem compreender esse passado, não se compreende o presente nem o porquê de termos tantas pessoas negras no sistema prisional”.
Leitura e justiça social
Representantes do CNJ, do Ministério da Cultura e da Senappen discutiram os caminhos da leitura no sistema prisional e sua relação com a justiça social. Foram apresentados dados do Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional, conduzido pelo CNJ em 2023, que identificou 871 projetos de leitura em andamento, envolvendo mais de 75 mil leitores e aproximadamente 390 mil livros distribuídos. O levantamento também mostrou que 30,4% das unidades prisionais ainda não dispõem de bibliotecas ou espaços de leitura.
As metas relacionadas à leitura no plano Pena Justa, para enfrentar o estado de coisas inconstitucional reconhecido pelo STF, também foram detalhadas. Entre elas, estão a implementação de um Plano Nacional de Fomento à Leitura no Sistema Prisional, a ampliação dos acervos, a oferta de atividades culturais e educacionais e o fortalecimento da remição de pena pela leitura, prevista na Resolução CNJ n. 391/2021.
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Andréa Brito destacou que discutir leitura no cárcere exige reconhecer as desigualdades que atravessam o sistema prisional. “Superar o quadro atual só é possível quando se enfrenta o racismo institucional e suas interseccionalidades”, disse, lembrando que práticas de leitura são também práticas de dignidade e reconstrução simbólica.
A coordenadora-geral de Cidadania e Assistência Penitenciária da Senappen, Cíntia Rangel Assumpção, leu carta enviada por uma pessoa privada de liberdade acompanhada do comprovante de nota 940 na redação do Enem. No texto, a pessoa escreveu: “A leitura na prisão foi transformadora para mim. Apenas aqui passei a ter contato com livros, literatura. O detento que lê, estuda, é mais calmo, evita contendas, traça planos bons para o futuro e busca sua evolução pessoal”.
Já o diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério da Cultura, Jéferson dos Santos Assumpção, ressaltou que políticas de leitura precisam levar em conta o legado de séculos de exclusão educacional e cultural. Para ele, ampliar repertórios e garantir acesso à escrita e à produção simbólica é parte essencial da reparação histórica: “Não é possível pensar mobilidade social ou democracia sem leitura, escrita e diversidade de repertórios”.
Nei Lopes: memória negra, oralidade e o direito de existir
No bate-papo Palavra e Pertencimento, o escritor e compositor Nei Lopes partiu de sua própria trajetória — filho de uma família negra do pós-abolição e primeiro entre treze irmãos a concluir o ensino superior — para refletir sobre ancestralidade, educação e o impacto da escrita.
O autor falou sobre seus mais de cinquenta livros e sobre trabalhos que prepara atualmente, entre eles uma autobiografia e um dicionário sobre religiões africanas nas Américas, motivado pela necessidade de registrar saberes e enfrentar a intolerância religiosa. Nei contou, também, a origem do samba Senhora Liberdade, composto em parceria com Wilson Moreira, então servidor penitenciário, inspirado em histórias de pessoas presas que escreviam sobre a própria situação.
Dirigindo-se às pessoas privadas de liberdade que acompanhavam a transmissão, Nei reconheceu que o primeiro contato com o livro pode vir acompanhado de medo ou estranhamento, mas enfatizou a importância de insistir na leitura e na escrita, inclusive quando a palavra circula pela oralidade: “Se não puder escrever, fale. Que alguém leve a mensagem por você”.
O encontro terminou com apresentação musical das mulheres privadas de liberdade da unidade feminina de Aquiraz (CE), integrantes do projeto Acordes para a Vida.
O evento segue até 19 de novembro, com debates sobre religiosidades afro-indígenas, bibliotecas prisionais, audiovisual, escrita e políticas de leitura no âmbito da Resolução CNJ n. 391/2021 e do plano Pena Justa.
Acesse a programação completa do evento
A 6ª Jornada de Leitura no Cárcere tem apoio do programa Fazendo Justiça, parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e a Senappen, e conta ainda com apoio do Ministério da Cultura (MinC), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), da Editora Record, da Companhia das Letras e da Fundação Biblioteca Nacional.
Acompanhe a programação da 6ª Jornada de Leitura no Cárcere no canal do CNJ no YouTube
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