TJCE: Iniciativa pioneira do TJCE promove acessibilidade e inclusão de alunas(os) surdas(os) no Judiciário
terça-feira, 26 de agosto de 2025, 13h26

Um dia histórico para a comunidade surda estadual. Na tarde desta segunda-feira (11/08), a Escola Superior da Magistratura do Ceará (Esmec) foi preenchida por sinais, expressões e olhares curiosos. Cada movimento das mãos das intérpretes de Libras carregava não apenas palavras, mas significados e direitos. Foi assim que 155 pessoas — estudantes e integrantes da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Ceará (Apada), do Instituto Filippo Smaldone e do Instituto Cearense dos Surdos do Estado — acompanharam, pela primeira vez, um julgamento real no Tribunal do Júri.
A sessão fez parte do projeto Justiça em Libras, conduzida pelo juiz Antônio Edilberto Oliveira Lima, titular da 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza. O julgamento foi inteiramente traduzido para Libras, permitindo que cada gesto, argumento e decisão fossem compreendidos de forma plena. Para muitos, era a primeira vez que viam a Justiça acontecer não como algo distante, mas como um palco aberto à participação de todos.
Antes de iniciar o julgamento, o magistrado fez questão de explicar, com clareza e exemplos, o funcionamento do Tribunal do Júri. Comparou o processo a uma longa estrada com várias paradas obrigatórias: começa com a investigação de um crime doloso contra a vida, segue com a acusação feita pelo Ministério Público e a defesa apresentada pelo acusado, passa pela oitiva de testemunhas, pela análise de provas e, quando há indícios suficientes, o caso é encaminhado para julgamento popular.
É nesse momento que a Justiça coloca nas mãos da sociedade — representada por sete jurados sorteados entre voluntários — a responsabilidade de decidir. “O Tribunal do Júri é, talvez, o maior exercício de cidadania dentro do Judiciário. Aqui, não é o juiz quem decide, mas cidadãos comuns, homens e mulheres que representam o olhar da sociedade sobre aquele fato”, explicou.
QUEBRA DE BARREIRAS
O presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), desembargador Heráclito Vieira de Sousa Neto, ressaltou que a iniciativa ultrapassa a simples transmissão de conhecimento. “Ela toca o coração, abre portas e transforma vidas. Hoje, com essa experiência, elas não apenas recebem informação, mas sentem a Justiça de perto, compreendem seu funcionamento e percebem que podem ser protagonistas dentro dela.”
As(os) estudantes nunca tiveram a oportunidade de conhecer o funcionamento do Judiciário, de entender como iniciar um processo ou de descobrir seus próprios direitos. Segundo o desembargador, garantir acessibilidade é promover a inclusão daquelas(es) que não têm voz, é um trabalho de construção e também de quebra de barreiras.
“Não se trata apenas de abrir uma porta, mas de convidar a entrar, mostrar o caminho e garantir a participação plena. A inclusão é, portanto, justiça na sua essência. Não existe justiça quando alguém é excluído. As pessoas surdas têm toda a capacidade para atuar em qualquer área, inclusive no Direito. O que fazemos é oferecer a elas a oportunidade de enxergar, na prática, que pertencem a esse espaço tão importante. Justiça vai muito além de julgar processos. É garantir que todos tenham o direito de compreender, participar e fazer valer seus direitos”.
Estudantes tiveram a oportunidade de acompanhar um julgamento em libras
UM MARCO
A presidente da Apada, Dâmia Duarte, reforçou que a experiência amplia horizontes. “Esse projeto é um marco. Ele capacita as(os) surdas(os) para entender melhor a parte jurídica. Por que não, um dia, termos um dos nossos como jurado? É também um momento de valorização: muitos trabalham no Fórum, mas agora podem ver o impacto do que fazem e perceber que fazem parte de algo maior.”
Para os estudantes, o dia foi marcado por descobertas. A estudante surda Yara Gonçalves, do Instituto Cearense de Educação de Surdos, descreveu a emoção em sinais. “Sempre tive curiosidade. Nunca tinha assistido a algo assim. Entender como funciona o júri é essencial para a cidadania e fortalece a democracia.”
Yara Maris Vidal dos Santos, do Instituto Filippo Smaldone, disse, por meio da professora e intérprete de Libras, Luana Lins Coelho, que é uma “experiência diferente e gostei muito, principalmente por ser algo real. Precisamos saber disso para conhecer nossos direitos e deveres.”
A professora Luana contou que a expectativa era grande. “Eles estavam ansiosos, curiosos, e muitos nem acreditavam que seria algo verdadeiro. Agora, alguns já falam em estudar mais sobre Justiça. Temos até uma aluna que sonha em ser perita criminal e está ainda mais motivada.”
DESPERTAR
Foi só depois dessa vivência, de estar dentro da sala do júri e sentir o ritmo do julgamento, que os estudantes entenderam por completo o conteúdo que haviam visto na primeira etapa do Justiça em Libras. Antes de pisarem na Esmec, eles assistiram a sete videoaulas produzidas pela Assessoria de Comunicação do TJCE, explicando de forma bilíngue o funcionamento do Judiciário. Era como ver, agora, as peças de um quebra-cabeça se encaixarem diante dos olhos.
O jornalista, servidor e coordenador do projeto, Edson Viana Gomes, informou que o impacto começou já nas aulas. “Teve um aluno que disse, por meio de intérprete de Libras: ‘Eu nunca ouvi falar sobre o que é justiça, mas agora, sei o que significa e qual a sua importância na minha vida’. É algo que desperta interesse e sonhos, abre perspectivas para o futuro. É o Tribunal mostrando que tem ouvidos sensíveis, atentos para promover a inclusão da pessoa com deficiência no Judiciário.”
Cada movimento das mãos da intérprete de Libras carrega não apenas palavras, mas significados e direitos
PRÓXIMOS PASSOS
A terceira e última fase do projeto será ainda mais transformadora. Haverá júris simulados nas instituições participantes, e os próprios estudantes serão jurados, promotores, defensores, juízes e réus. Será a chance de viver, não só assistir, o exercício pleno da cidadania.
O Justiça em Libras mostra que quando a Justiça se abre, ela não apenas informa, mas transforma. E prova que, para ser verdadeira, a Justiça precisa ser vista, sentida e compreendida por todos — sem exceção.
A iniciativa teve o auxílio da Assessoria de Cerimonial e dos intérpretes de Libras do TJCE, Kalinca Nascimento da Cruz e Clenylton Pereira do Nascimento.
Fonte: TJCE

