Para filósofo, crise climática e racismo são duas faces do colonialismo
por Silvana Salles
quarta-feira, 23 de abril de 2025, 13h10
Livro lembra que, em 2005, o furacão Katrina escancarou a realidade do racismo ambiental no sul dos Estados Unidos – Foto: News Muse via Flickr – CC BY-NC-ND 2.0
À primeira vista, pode parecer estranha a proposição de que tanto a destruição da natureza quanto o racismo compartilham da mesma lógica. Mas, conforme mergulhamos nas páginas do livro Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho, o argumento do pesquisador martinicano Malcom Ferdinand se torna quase óbvio: a modernidade fraturou o mundo entre colonizadores e colonizados, humanidade e natureza, e essa dupla fratura gerou um modo de habitar o planeta no qual tanto seres humanos quanto o meio ambiente são transformados pelos colonizadores em recursos a serem explorados para enriquecer.
Não faltam exemplos para desenhar o argumento de Ferdinand. Alguns deles são citados no livro, como o desmatamento das ilhas do Caribe, onde, após a chegada de Cristóvão Colombo, em poucas décadas os indígenas foram dizimados e as florestas deram lugar aos latifúndios monocultores, cultivados durante os séculos seguintes pelo trabalho de africanos escravizados. Um processo em tudo semelhante ao que conhecemos na história do Brasil. O autor explica que o que ele chama de “habitar colonial” é “esse modo de habitar onde você planta sempre a mesma planta, a mesma cultura, repetidamente, cana-de-açúcar, algodão, café, e você escraviza pessoas para cultivá-la”.
Malcom Ferdinand cresceu na ilha caribenha de Martinica e formou-se engenheiro ambiental no Reino Unido. Vive na França, onde fez o doutorado em filosofia política na Universidade Paris VII e atualmente é pesquisador do CNRS. Entre os dias 18 e 23 de março, o pesquisador esteve no Brasil em uma breve turnê para promover Uma ecologia decolonial, que por aqui foi publicado em 2022 pela editora Ubu. Além do prefácio da ativista norte-americana Angela Davis, a edição brasileira conta com um posfácio original de Guilherme Moura Fagundes, professor do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A reportagem do Jornal da USP aproveitou a ocasião da visita para falar com ambos os pesquisadores, Ferdinand e Fagundes, e entender como o argumento do autor martinicano tem influenciado os debates contemporâneos sobre a crise climática e o racismo ambiental.
Malcom Ferdinand - Foto de divulgação fornecida pela Ubu Editora (Berrada)
“A principal contribuição de Malcom Ferdinand neste debate consiste em nos fornecer uma abordagem original para análise da intersecção entre as dinâmicas ambientais e coloniais da crise climática. Ele faz isso a partir de uma ferramenta metodológica intitulada de ‘a dupla fratura colonial e ambiental da modernidade’, que se presta tanto como diagnóstico da crise quanto meio para sua superação”, afirma Fagundes. “Assim, a principal contribuição de seu livro consiste em reconhecer que o fundamento lógico da subjugação da terra encontra-se na subjugação das pessoas, e vice-versa. Com efeito, a luta antirracista se mostra como luta ecológica, ao passo que a conservação ambiental torna-se um ato de justiça social”, completa o professor da FFLCH.
Guilherme Moura Fagundes - Foto: Arquivo pessoal
O problema do ambientalista que não reconhece o saber local