Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Os idosos e a autonomia privada na opção do regime de bens do casamento e da união estável

segunda-feira, 29 de abril de 2024, 13h46

Uma das maiores mudanças na configuração da sociedade brasileira, de acordo com o Censo de 2022 do IBGE (realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), consiste no envelhecimento populacional.

 

A chamada “pirâmide populacional” brasileira, que sempre retratara a baixa idade média da nossa população, com o alargamento da figura inversamente proporcional à faixa etária retratada, agora geometricamente mais se assemelha a um pentágono — não obstante se mantenha a tradição da nomenclatura. [1]

 

O número de pessoas com 65 anos ou mais de idade cresceu 57,4% em apenas 12 anos.[2] A faixa etária em maior volume passou a corresponder aos brasileiros entre 40 e 44 anos de idade, sendo certo que a população dos chamados “superidosos”, ou seja, pessoas com mais de 80 anos de idade, tem inequívoca representatividade na estatística.

 

E, como qualquer outra alteração social significativa, o envelhecimento populacional traz impactos para o Direito, desafiando os operadores a repensar institutos como forma de atender aos anseios emergentes.

 

Em verdade, as estatísticas divulgadas apenas atestam o que já se constatava nos balcões dos cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais do país. O número de idosos atendidos, especialmente aqueles que almejam dar entrada em processos de habilitação de casamento ou formalizar união estável, aumenta expressivamente ano após ano.

 

Com o incremento da expectativa de vida e o avanço da medicina, que propicia aos idosos usufruir das terceira e quarta idades com bem-estar e qualidade de vida, esse segmento da sociedade tem iniciado novos projetos de vida, o que abarca, não raro, a iniciativa de se divorciar ou extinguir união estável e, ao depois, contrair novas núpcias ou formalizar outra união estável. De igual modo, após a viuvez, os idosos se permitem renovar os seus sonhos e se unir a um(a) novo(a) cônjuge ou companheiro(a).

 

 

Trata-se da busca da felicidade, que vem sendo considerada, na atualidade, valor social e projeção da dignidade da pessoa humana, a merecer tutela, especialmente nas relações familiares. [3]

 

Essas mudanças estão influindo diretamente no tratamento dispensado ao regime de bens a ser adotado em casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas idosas.

 

Embora a liberdade seja um valor fundamental em nosso ordenamento jurídico, prevista no artigo 5º, caput, da Constituição de 1988, e a autonomia privada na escolha do regime de bens seja correlatamente prestigiada, como regra, no artigo 1639 do Código Civil em vigor, a legislação infraconstitucional tem previsto, há décadas, restrições (normas de ordem pública) à possibilidade de escolha do regime de bens do casamento em função da idade dos nubentes, como medida voltada à proteção de seus interesses.

 

Nesse sentido, o artigo 258, inciso II, do Código Civil de 1916, previa a adoção do regime da separação obrigatória de bens, caso o noivo fosse maior de 60 anos de idade ou a noiva fosse maior de 50 anos de idade.

 

A redação original do Código Civil de 2002, por seu turno, dispunha, no artigo 1.641, inciso II, a obrigatoriedade do regime da separação de bens, caso qualquer dos nubentes fosse maior de 60 anos — ou seja, aumentou, em dez anos, a idade em relação à nubente virago, comparativamente com a codificação anterior.

 

Em 2010, foi editada a Lei Federal nº 12.344, que alterou a redação do referido inciso, a fim de impor o regime da separação obrigatória de bens aos nubentes com mais de 70 anos de idade — dessa vez, aumentando em dez anos a idade para ambos os nubentes, indistintamente. [4][5]

 

Com o advento dessa alteração legislativa, em 2010, verificamos, em nossa rotina profissional, a mobilização de casais que, por terem contraído núpcias sob a égide da lei anterior, com idade entre 60 anos (completos) e 70 anos (incompletos), se submeteram ao regime da separação obrigatória de bens.

 

Eles recorreram, com êxito, ao Poder Judiciário, tendo obtido autorização judicial para optar por outro regime de bens. Em cumprimento à sentença de procedência, houve a expedição de mandado judicial ao Registro Civil de Pessoas Naturais para a respectiva averbação à margem do assento de casamento.

 

O Superior Tribunal de Justiça também passou a autorizar, especialmente a partir de 2016, o afastamento da separação obrigatória de bens para o casamento, caso os nubentes idosos tivessem união estável anterior, iniciada quando ainda não tinham restrição legal à escolha do regime de bens. [6]

 

“O correr da vida embrulha tudo,
A vida é assim: esquenta e esfria,
Aperta e afrouxa, sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.”
Guimarães Rosa

 

 

Leia na integra: CONJUR


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