STJ. Avanços e desafios nos direitos da pessoa idosa ou com deficiência em 35 anos da Constituição e do STJ
segunda-feira, 05 de fevereiro de 2024, 14h18
A cidadania plena não é aquela que garante vários direitos a um número limitado de pessoas, mas a que assegura todos os direitos ao maior número possível delas, dando-lhes, assim, a noção de equidade social. Se, por falta de acesso ao transporte público, uma idosa não consegue comparecer ao local de votação no dia das eleições, seus direitos de cidadã foram violados. Ou se alguém com deficiência não tem acessibilidade para estudar ou trabalhar, falha a república cuja Constituição proclama a cidadania como um de seus fundamentos.
Em uma nação marcada por desigualdades, o ordenamento jurídico cumpre o papel de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis e a inclusão social de grupos historicamente marginalizados: negros, mulheres, indígenas, LGBT+ e outros tantos. Em homenagem aos 35 anos da Constituição Cidadã, esta quinta matéria da série Faces da Cidadania, produzida pela Secretaria de Comunicação Social do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aborda os direitos das pessoas idosas ou com deficiência.
Responsabilidades compartilhadas por todos
Em relação às pessoas idosas, o texto promulgado em 1988 estabeleceu o amparo a esse grupo como dever comum da família, da sociedade e do Estado.
Em 2003, o Estatuto da Pessoa Idosa instituiu direitos e garantias especiais, que incluem diretrizes como prioridade absoluta na formulação e no atendimento de políticas sociais públicas; gratuidade no transporte coletivo urbano, intermunicipal e interestadual; proteção contra a violência e o abuso; e prioridade nos processos judiciais. E, desde 2015, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, instrumento jurídico elaborado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) com o objetivo de estabelecer padrões regionais para promoção e proteção desse grupo social.
A legislação que garante direitos à pessoa com deficiência (PcD) também vem sendo aprimorada nos últimos 35 anos. A Carta Magna determinou que cabe conjuntamente a todas as unidades federativas cuidar da saúde, da proteção e da integração social da população com deficiência. A partir daí, vários instrumentos legais foram adotados para cumprir os mandamentos constitucionais, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que passou a vigorar no país com status de emenda constitucional em 2009, e da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), de 2015.
O STJ confere materialidade à sua alcunha de Tribunal da Cidadania ao implementar, de maneira uniforme em todo o país, os direitos que, por muito tempo, foram negados a amplas parcelas da população.
A vocação do Poder Judiciário frente aos grupos marginalizados
Para Flávia Piovesan, professora de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Constituição de 1988 foi um marco tanto da transição brasileira para a democracia quanto da institucionalização dos direitos humanos no ordenamento jurídico nacional.
A jurista, especializada em direitos humanos, acredita que a Carta Magna se consolidou como elemento primordial para assegurar visibilidade e proteção jurídica especial a pessoas em situação de vulnerabilidade. De acordo com Flávia, essa proteção a grupos que sofrem discriminação histórica e estrutural – caso de pessoas idosas ou com deficiência – é muito significativa, principalmente quando são levadas em conta as interseccionalidades, como as perspectivas de gênero ou raça.
Flávia Piovesan destaca o papel do STJ – e do Poder Judiciário como um todo – na defesa da cidadania dessas pessoas: "Entendo que a maior vocação do Poder Judiciário é proteger direitos, e ela tem sido honrada com primor pela Corte da Cidadania".
Cidadania e dignidade no envelhecimento
O ministro Sérgio Kukina considera que, embora tenha demorado 15 anos para que o reconhecimento dos direitos da pessoa idosa na Constituição fosse regulamentado, a aprovação da lei resultou em uma norma que invoca como matriz a doutrina da proteção integral: a lei não só contempla direitos, mas leva em conta as condições próprias da idade para o seu exercício.
Um exemplo da proteção integral a que o ministro se refere foi a decisão tomada na MC 25.053, sob sua relatoria. O acórdão garantiu a concessão de um percentual dos rendimentos a casal de idosos que teve os investimentos e a única conta bancária bloqueados em função de dívida tributária com a Fazenda Nacional. A decisão levou em consideração a proteção devida em função da avançada idade do casal.
Em 2014, o STJ definiu que o Estatuto da Pessoa Idosa é norma imperativa e de ordem pública. Significa dizer que seu interesse social é implícito e exige aplicação imediata em todas as relações jurídicas de trato sucessivo. O entendimento se deu no julgamento do REsp 1.280.211, em que se considerou abusivo o reajuste na mensalidade do plano de saúde de uma consumidora idosa.
Desafio da cidadania para uma população em crescimento
Dados do Censo Demográfico de 2022 apontam que o número de pessoas com 65 anos de idade ou mais no Brasil cresceu 57,4% em 12 anos, alcançando 10,9% dos habitantes do país. Em um cenário em que a fatia da população considerada idosa (com mais de 60 anos) cresce continuamente, também tende a aumentar o desafio do Poder Judiciário na tarefa de garantir a efetivação de seus direitos e, como consequência, o exercício de sua cidadania.
Para o advogado Mauro Moreira Freitas, vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI), a cidadania plena para essa população pressupõe um tratamento igualitário. Ele entende que o direito de participar da elaboração e da implementação de políticas públicas, o acesso a serviços públicos e privados, e o respeito à manifestação de vontade conferem dignidade às pessoas na fase do envelhecimento.
"O Estatuto da Pessoa Idosa é uma das ferramentas que obriga a família, a sociedade e o Estado a lhes conferir esse tratamento igualitário", declarou.
Proteção integral inclui o direito à locomoção e ao lazer
Uma decisão do tribunal que reforça a proteção aos idosos foi a proferida no REsp 1.543.465, em que se afirmou a necessidade de assegurar sua participação na comunidade, seu bem-estar e sua dignidade. A decisão definiu que as taxas de pedágio e de utilização de terminais rodoviários estão incluídas na gratuidade das vagas asseguradas aos idosos nos ônibus interestaduais. Assim, ficou garantido a esse público o direito de adquirir a passagem interestadual gratuitamente, sem pagar taxas adicionais.
Julgamento semelhante ocorreu no REsp 1.512.087, em que o STJ reconheceu o direito dos idosos ao desconto legal de 50% em um serviço de ônibus que levava os passageiros aos principais pontos turísticos de Curitiba.
O caso envolvia ação civil pública em que o Ministério Público do Paraná buscava a isenção ou a redução do valor da tarifa, em no mínimo 50%, para os usuários do serviço com 65 anos de idade ou mais. Para o tribunal, como o serviço era diretamente vinculado ao lazer – visita a pontos turísticos da cidade –, o idoso tinha direito ao desconto legal de 50% no valor do ingresso, nos termos do Estatuto da Pessoa Idosa.
Pessoas com deficiência e o exercício de direitos em condição de igualdade
Diferentemente do que ocorreu com o Estatuto da Pessoa Idosa, que só foi publicado 15 anos após a Constituição de 1988, a Lei 7.853 – um marco importante para a promoção da inclusão social da PcD – entrou em vigor já em 1989.
Desde então, a legislação passou por atualizações que culminaram na publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, com um amplo escopo de proteção que, entre outros direitos, assegura a inserção no mercado de trabalho e no sistema educacional, além de atender demandas de acessibilidade em espaços públicos e privados.
Embora esses direitos estejam salvaguardados por lei, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 2022, em parceria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, constatou que as pessoas com deficiência ainda têm menos acesso à educação, ao trabalho e, portanto, à renda.
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Fonte: STJ