Jurisprudência TJMG - Idosa portadora de doença de alzheimer. Perícia judicial não realizada. Ofensa ao devido processo legal. Nulidade do processo
terça-feira, 08 de agosto de 2023, 16h48
EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - IDOSA PORTADORA DE DOENÇA DE ALZHEIMER - PERÍCIA JUDICIAL - NÃO REALIZAÇÃO - ART. 753 DO CPC - VULNERAÇÃO - DEFINIÇÃO DOS LIMITES DA CURATELA - NECESSIDADE - OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NULIDADE DO PROCESSO - RECURSO PROVIDO. Afigura-se nulo o processo de interdição quando não é realizada perícia judicial nos autos, imprescindível para definição dos limites da curatela, implicando ofensa ao art. 753 do Código de Processo Civil.(TJMG - AC: 10000220073514001 MG, Relator: Kildare Carvalho, Data de Julgamento: 19/05/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 4ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 20/05/2022).
EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - IDOSA PORTADORA DE DOENÇA DE ALZHEIMER - PERÍCIA JUDICIAL - NÃO REALIZAÇÃO - ART. 753 DO CPC - VULNERAÇÃO - DEFINIÇÃO DOS LIMITES DA CURATELA - NECESSIDADE - OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NULIDADE DO PROCESSO - RECURSO PROVIDO.
Afigura-se nulo o processo de interdição quando não é realizada perícia judicial nos autos, imprescindível para definição dos limites da curatela, implicando ofensa ao art. 753 do Código de Processo Civil.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.22.007351-4/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE (S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO (A)(S):
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
DES. KILDARE CARVALHO
RELATOR
DES. KILDARE CARVALHO (RELATOR)
V O T O
Trato de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face da r. sentença proferida pela MMª. Juíza da 10ª Vara de Família da comarca de Belo Horizonte, que julgou procedente o pedido inicial, decretando a interdição de N. C. F., por considerá-la incapaz de gerir sua pessoa e praticar atos da vida civil, que digam respeito à administração de seu patrimônio e rendimentos e submeteu-a à curatela, nomeando para o encargo o autor E. A. de F..
Irresignada, recorre o apelante requerendo a cassação da sentença por nulidade do processo, haja vista a necessidade de realização de prova pericial no processo, de maneira a se atestar a real condição de saúde da requerida. Para tanto, alega que, no momento atual pandêmico, foi regulamentada a possibilidade de realização de atos processuais de modo remoto, inclusive o que se refere ao exame pericial médico, não havendo razoabilidade de sua dispensa, por se tratar de requisito legal obrigatório. Argumenta que a não submissão da idosa à prova fundamental pode implicar violação dos interesses de pessoa incapaz, o que não se pode admitir.
Contrarrazões nos termos do documento de ordem eletrônica nº 114, pelo desprovimento do recurso.
Manifestação pelo curador especial conforme documento de ordem eletrônica nº 116.
Parecer da Procuradoria de Justiça conforme documento de ordem eletrônica nº 128, pela reforma da sentença.
Este o relatório.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos para sua admissão.
Cuidam os autos, como se disse, de ação de interdição proposta por E. A. de F. em favor de sua genitora N. C. de F., portadora de doença de Alzheimer desde 2011, e que por causa permanente, não apresentaria condições de exprimir a própria vontade.
No bojo dos autos foi realizado estudo social (fls.128/129 do documento único eletrônico) e apresentados dois laudos médicos particulares (fls.13 e 166 do documento único eletrônico), ambos atestando as condições de saúde da requerida.
Em virtude do início da pandemia decorrente do vírus COVID-19, a realização de atos processuais presenciais foram suspensos, o que levou a magistrada de origem a julgar o feito no estado em que se encontrava, sem a realização de perícia, por entender não ser razoável a paralisação dos autos por tempo indeterminado, sobretudo em se tratando de idosa em avançada idade.
Assim, julgou procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:
"Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e decreto a interdição de (...), por considerá-la incapaz de gerir sua pessoa e praticar atos da vida civil, que digam respeito à administração de seu patrimônio e rendimentos. Via de consequência, submeto-a à curatela, nomeando para o encargo a parte autora, sr. Edmilson Angelo de Freitas.".
Tenho, contudo, não ser essa a melhor solução para o caso dos autos, em que pese me sensibilizar com as circunstâncias de saúde sob as quais se encontra a requerida.
Com efeito, estabelece o Código de Processo Civil, no capítulo referente ao instituto da interdição:
"Art. 753 - Decorrido o prazo previsto no art. 752, o juiz determinará a produção de prova pericial para avaliação da capacidade do interditando para praticar atos da vida civil.
(...)
§ 2º. O laudo pericial indicará especificamente, se for o caso, os atos para os quais haverá necessidade de curatela.".
Com efeito, pode-se constatar que, o exame pericial, no procedimento voltado à interdição é, de acordo com o ordenamento processual pátrio, obrigatório, não podendo ser dispensado. Ele é o fundamento básico que possibilita ao magistrado a decisão nos feitos de interdição.
No caso dos autos, o estudo social, conquanto seja elemento auxiliar de convencimento do julgador, foi realizado por assistente social, que não detém conhecimentos técnicos médicos para se afirmar acerca do grau de extensão da doença da qual padece a requerida e o alcance dos limites de eventual curatela a ser imposta.
De igual forma, os laudos médicos particulares também são aptos a subsidiar a decisão do magistrado, mas não são oficiais e não contém minúcias e particularidades afetas a um laudo pericial, como por exemplo, respostas a quesitos apresentados pelas partes, além dos demais requisitos estabelecidos pelo art. 473 do CPC.
Há de observar que a medida decretada - e aqui combatida - poderá implicar cerceamento de sagrados direitos individuais da interditanda, medida extrema e, portanto, deverá ter sua avaliação amparada em critérios absolutamente definidos e claros.
A respeito, a doutrina:
"A regra é a capacidade, passando a curatela, a partir da vigência da Lei nº 13.146/2015, a ser uma medida protetiva excepcional, aplicada apenas quando for estritamente necessário. A pessoa com deficiência possui o exercício, em igualdade de condições com outras pessoas, de sua capacidade legal. É o que dispõe o art. 84, §§ 1º e 3º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, dispondo ainda o § 2º do art. 85 que" constitui medida extraordinária, devendo constar na sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado. "(Direito das Famílias, Dimas Messias de Carvalho, Ed. Saraiva, 5ª Edição, p. 890).
Saliente-se que, no atual momento mundial, a pandemia sofreu claro arrefecimento, diante do avançado estágio de vacinação da população e controle dos casos de contaminação pelo vírus COVID-19.
Dessa maneira, vislumbro clara a possibilidade de realização de imediata perícia judicial, seja porque os trabalhos presenciais foram totalmente retomados, seja porque não se verifica risco grave à saúde da requerida em se submeter a tal avaliação técnica por expert habilitado para tanto.
O que não se pode permitir, sob a ótica deste julgador, é a decretação de grave medida de interdição com base apenas em estudo social e laudos firmados por médicos particulares, sob pena de clara vulneração ao devido processo legal estabelecido no Código de Processo Civil.
Não tendo este comando legal sido observado pela MMª Juíza de origem, outra solução não há senão a anulação do presente feito.
Neste sentido, a jurisprudência deste Tribunal de Justiça:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - CURATELA PROVISÓRIA - REAL ESTADO DE SAÚDE MENTAL - NECESSIDADE DE PERÍCIA MÉDICA PARA ATESTAR A INCAPACIDADE DA CURATELADA - DILAÇÃO PROBATÓRIA - RECURSO PROVIDO. I - O instituto da curatela destina-se à proteção daqueles que, conquanto maiores, não possuem condições de reger a própria vida e administrar o seu patrimônio. Portanto, é a curatela um encargo conferido a outrem, para administrar os bens e a vida de quem, impossibilitado pela falta de lucidez, não pode fazê-lo por si mesmo. II - Na nomeação de curador provisório, deve ser observado o melhor interesse do interditando. III - No caso em tela, não existem razões para a nomeação de um curador provisório em caráter liminar, diante da ausência de elementos de convicção nos autos que atestem a incapacidade civil da agravante, o que, por certo, demanda maior dilação probatória. IV- Recurso provido para indeferir a curatela provisória pleiteada pelos agravados."(TJMG, Agravo de Instrumento nº1.0000.21.090224-3/001, Rel. Des. Wilson Benevides, DJ 06/12/2021).
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INTERDIÇÃO - ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA - PERÍCIA MÉDICA PARA APURAÇÃO DE ATOS OBJETO DA CURATELA - NULIDADE PARCIAL DO PROCESSO - RECURSO PROVIDO. O Estatuto da Pessoa com Deficiência deixou de prever expressamente a hipótese de interdição, submetendo a pessoa com deficiência ao regime da curatela, restrita aos atos de caráter negocial e patrimonial. Evidenciada a imprescindibilidade de perícia médica para fins de apuração dos atos para os quais o interditando necessita de curatela, patente a ocorrência de cerceamento de defesa decorrente de sua não realização, com consequente reconhecimento de nulidade parcial do processo."(TJMG, Apelação nº1.0000.21.142209-2/001, Relª. Desª. Luzia Divina de Paula Peixoto, DJ 18/10/2021).
"APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSUAL CIVIL - INTERDIÇÃO - PROVA PERICIAL: AUSÊNCIA - OUTROS ELEMENTOS: OMISSÃO - NULIDADE. 1. Na ação de interdição deve observar-se o devido processo legal, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa, com a produção de prova contundente sobre a incapacidade do interditando. 2. A prova unilateralmente produzida, ainda que somada às impressões colhidas em audiência, não dispensa a realização da perícia prevista no Código de Processo Civil ( CPC), salvo, excepcionalmente, a presença de outros elementos que corroborem para a convicção inequívoca do juízo. 3. Inobservado o procedimento legal, é de se reconhecer a nulidade da sentença, com a consequente remessa dos autos à origem."(TJMG, Apelação nº1.0000.19.139261-2/001, Rel. Des. Oliveira Firmo, DJ 19/05/2021).
Desta forma, entendo que, não realizada a prova pericial na interditanda e inexistentes elementos técnicos contundentes para se verificar os limites da curatela a ser exercida, conforme imperiosamente determina a lei, afigura-se nula a sentença proferida sem que antes tais diligências sejam realizadas.
Diante de tais considerações, dou provimento ao recurso, para cassar a r. sentença objurgada e decretar a nulidade do processo, determinando seja realizada a prova pericial.
Sem custas.
DES. MOREIRA DINIZ - De acordo com o (a) Relator (a).
DESA. ANA PAULA CAIXETA - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:"Deram provimento ao recurso"