Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

A competência para legislar sobre recursos minerais é da União.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020, 15h04

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 

Decisão: Vistos. Trata-se de agravo contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto contra acórdão da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado: “REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROIBIÇÃO DE ATIVIDADE MINERÁRIA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISPOSITIVOS DA LEI Nº 1.973/06 DO MUNICÍPIO DE CALDAS. No julgamento do incidente n.º 1.0103.09.010174-4/004, o Órgão Especial deste Tribunal de Justiça afastou a arguição de inconstitucionalidade dos artigos 7º, V, 8º, VII, 9º, IV e 10, IX e 51, caput, da Lei Municipal nº 1.973/06, entendendo que os dispositivos não invadem esfera de competência legislativa privativa da União, pois cuidam de normas de proteção ambiental, cuja competência é concorrente entre os entes federados. Por outro lado, reconheceu-se a inconstitucionalidade da segunda parte do § 1º e do § 2º do artigo 51 da mesma Lei, por trazerem exigência que ofende a autonomia da vontade. Sentença reformada parcialmente no reexame necessário conhecido de ofício. Prejudicado o recurso da apelação.” Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

O recurso extraordinário foi interposto com fundamento nas alíneas “c” e “d” do permissivo constitucional. Alega-se que o Tribunal de origem acabou por julgar válida a Lei nº 1.973/2006, do Município de Caldas/MG, contestada em face de Lei Federal e de normas constitucionais. Opina o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco, pelo provimento parcial do recurso extraordinário. Referido parecer restou assim ementado: “Recurso extraordinário com agravo. Área de Proteção Ambiental criada por lei municipal. Imposição de restrições à mineração. Parecer por que seja dado parcial provimento ao recurso extraordinário, a fim de que se afaste a exigibilidade da licença ambiental municipal para os empreendimentos sujeitos ao licenciamento estadual”.

Decido.

A irresignação não merece prosperar. Colhe-se do voto do condutor do acórdão recorrido a seguinte fundamentação: “(…). A primeira questão a ser enfrentada diz respeito ao ato de criação da Área de Proteção Ambiental - APA, que segundo o artigo 22 da Lei Federal n° 9.985/00 deve ser precedido de estudos técnicos e consulta pública. Veja-se: ‘Art. 22. As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público: § 2ª A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento. § 3º No processo de consulta de que trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.’ O dispositivo é regulamentado pelos artigos 4º e 5º do Decreto n° 4.340/02, com a seguinte redação: ‘Art. 4° Compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade.’ ‘Art. 5º A consulta pública para a criação de unidade de conservação tem a finalidade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade. § 1° A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas. § 2º No processo de consulta pública, o órgão executor competente deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da unidade proposta.’ (…). A Lei Municipal n° 1.973/06, no entanto, ao trazer as vedações constantes dos dispositivos acima mencionados, acabou por atribuir à APA características típicas de uma ‘Unidade de Proteção Integral’, que é aquela cujo objetivo ‘é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais’ (art.7°, §1º). No entanto, não foi essa a orientação firmada no já mencionado incidente de inconstitucionalidade n° 1.0103.09.010174-4/004 (fls.1034/1038v), em que o Órgão Especial decidiu pela possibilidade de a legislação municipal estabelecer restrições adicionais, ‘quando conveniente para a afetiva proteção da unidade de conservação criada’, vinculando, mais uma vez, este julgamento. Exatamente por isso, sequer é possível analisar a pretensão sob o aspecto da legalidade, tal como requerido pelos apelantes no memorial recebido em 29/01/2014, já que no julgamento do incidente de inconstitucionalidade, o Órgão Especial concluiu pela ‘possibilidade de a legislação ambiental municipal formular exigências adicionais àquelas já tratadas em legislações federal e estadual.’ (…).” Assim, não procede o apelo pelas alíneas “c” e “d” do permissivo constitucional, haja vista que o acórdão atacado, ao atestar a “possibilidade de a legislação ambiental municipal formular exigências adicionais àquelas já tratadas em legislação federal” não julgou válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição e, tampouco, julgou válida lei local contestada em face de lei federal. Manifestamente incabível, portanto, o recurso extraordinário nesses pontos.

Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO COM BASE NAS ALÍNEAS C E D DO INCISO III DO ART. 102 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido não julgou válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição. Incabível, portanto, o recurso pela alínea c do art. 102, III, da Constituição. II - A admissão do recurso extraordinário pela alínea d do inciso III do art. 102 da Constituição Federal pressupõe a ocorrência de conflito de competência legislativa entre os entes da Federação. Dessa forma, é incabível o apelo extremo, fundado no aludido dispositivo, cuja pretensão seja provocar o reexame da interpretação de norma infraconstitucional conferida pelo Juízo de origem. III - Agravo regimental improvido” (AI nº 769.919/RS AgR-segundo, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 27/9/11). No julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 132.755, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, do qual fui o redator para o acórdão, o Ministro Marco Aurélio bem esclareceu que: “Na alínea d, Presidente, não está essa explicitação e, então, em visão primeira, admitir-se-ia recurso extraordinário desde que contestada lei local em face de lei federal, inclusive quanto ao mérito em si. Foi quando imaginamos que o alcance desse preceito não é outro senão submeter ao Supremo a competência legiferante, ou seja, apenas quando em discussão - na Corte de origem e formalizado o acórdão impugnado mediante o extraordinário -, em termos de competência, se cabe ao Poder Legislativo local ou federal disciplinar a matéria, é que se abre a porta para chegar ao Supremo. Fora isso, o Supremo ficará inviabilizado se admitirmos todo e qualquer conflito entre a lei local e a federal” (DJe 25/2/2010). Diga-se, ainda, que o E. STJ, ao apreciar o recurso especial paralelamente interposto, já assentou, no âmbito de sua competência de última instância da legislação infraconstitucional brasileira, a plena possibilidade de criação de unidades de conservação pelos municípios, nos termos da Lei Federal nº 9.985/2000. Já a análise das eventuais violações ao disposto nessa legislação, em razão da criação da APA em análise nestes autos, implicaria no necessário reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se mostra incabível em sede extraordinária. Incidência da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal. Sobre o tema: “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Administrativo. Artigo 22, inciso IV, da CF. Prequestionamento. Ausência. Poço artesiano. Uso da água para consumo humano. Local abastecido pela rede pública. Legislação local. Ofensa reflexa. Precedentes. 1. Inadmissível o recurso extraordinário se o dispositivo constitucional que nele se alega violado não está devidamente prequestionado. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. Impossibilidade de análise, em recurso extraordinário, da legislação local. Incidência da Súmula nº 280/STF. 3. Agravo regimental não provido. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, pois o agravado não apresentou contrarrazões” (ARE nº 959.833/RS, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 28/11/16).

“DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LICENÇA AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INEXISTÊNCIA DE CONSTATAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA 279/STF. DESCABIMENTO. 1. Hipótese em que a resolução da controvérsia demanda a análise de legislação infraconstitucional e o reexame do conjunto fático-probatório dos autos (Súmula 279/STF), procedimentos inviáveis nesta fase recursal. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE nº 869.787-AgR/GO, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 13/11/15).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL EM SITUAÇÃO IRREGULAR. PRÉVIA ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS NS. 279 E 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (ARE nº 868.838/DF-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 28/4/15). “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Administrativo. Construção em área pública. Legislação local. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisdição foi prestada pelo Tribunal de origem mediante decisão suficientemente motivada. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação local e o reexame dos fatos e das provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 280 e 279/STF. 3. Agravo regimental não provido” (ARE nº 718.301/DF-AgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 1/8/14). “Agravo regimental no recurso extraordinário. Imóvel construído em área de preservação permanente. Determinação judicial para sua demolição. Direito de propriedade. Circunstâncias fáticas e legais que nortearam a decisão da origem em prol do princípio da proteção ao meio ambiente. Legislação infraconstitucional. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A Corte de origem, analisando as Leis nºs 4.771/65, 6.938/81 e 7.347/85, a Resolução nº 4/85 do CONAMA e os fatos e as provas dos autos, concluiu que o ora agravante, com a construção não autorizada de imóvel em área de preservação permanente, causou dano ambiental, bem como que a condenação pecuniária não seria apta a reconstituir o espaço degradado, motivo pelo qual impunha-se a demolição do imóvel. 2. Para divergir da conclusão a que chegou o Tribunal de origem, seria necessário analisar a referida legislação, bem como o conjunto fático-probatório da causa, o que é inviável em recurso extraordinário. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF. 3. Agravo regimental não provido.” (RE nº 605.482/SC-AgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 5/11/13). Nesse mesmo sentido, ainda, as seguintes decisões: RE nº 1.093.497/SC, de minha relatoria, DJe de 10/5/18; ARE nº 1.064.812/RS, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 21/8/17 e ARE nº 1.037.773/RJ, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 20/4/17.

Ante o exposto, nos termos do artigo 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 21 de junho de 2018. Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente.

(ARE 1051716, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 21/06/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 26/06/2018 PUBLIC 27/06/2018)


topo