Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

TJPA: ECA é âncora para garantia de direitos

quinta-feira, 16 de julho de 2020, 10h02

Estatuto fortalece projetos de reinserção social de jovens egressos

 

Garantia da dignidade humana é a essência do estado democrático de direito, observa o juiz Vanderley Silva

 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 30 anos na última segunda-feira, 13, rompeu, do ponto de vista legislativo, com uma história de iniquidade contra as crianças e os adolescentes no Brasil. Antes, esses seres eram considerados apenas objetos de intervenção da sociedade, da família e do próprio Estado. Após a criação do Estatuto, reivindicado pela sociedade através de um abaixo-assinado feito por milhões de brasileiros, a população infanto-juvenil passou a ser considerada sujeito de direitos fundamentais e a família, o Estado e toda a sociedade passaram a ter o dever de dar garantia a esses direitos. 

 

De acordo com o juiz Vanderley de Oliveira Silva, da 3ª Vara de Infância e Juventude de Belém, o ECA veio para traduzir um elemento considerado a âncora de uma sociedade que busca garantias para aqueles que estão em condição de vulnerabilidade. "A âncora do Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana. Esse é o ponto fundamental para qualquer sociedade que se diz civilizada. Então, o artigo 227 da Constituição Federal vem estabelecendo, primeiro, a doutrina da proteção integral. Ou seja, a criança e o adolescente deixaram de ser objetos de intervenção de tudo e de todos e passaram a ser protagonistas das suas próprias histórias: sujeitos de direitos e de responsabilidades", considerou. 

 

Dentro desse contexto, foi estabelecida, após a criação do ECA, uma ampla cooperação a nível obrigacional que estabeleceu que é dever da família, do Estado e da sociedade garantir o mínimo existencial a crianças e adolescentes. "Um desses aspectos é a própria convivência familiar e comunitária, além do direito à vida, à saúde, à alimentação, à moradia digna, ao esporte, à cultura, ao lazer e tantos outros estabelecidos no dispositivo. Foi a partir daí que o legislador vem disciplinando como as políticas públicas haveriam de consubstanciar o elemento operacional para dar efetividade a esses direitos", explicou o magistrado. 

 

O Poder Judiciário é configurado nessa rede apenas como um elemento, mas que é vital para a garantia desses direitos fundamentais, mas não como era anteriormente, no Código de Menores. "No Código de Menores, o magistrado era uma figura centralizadora. Convergia para si todas as intervenções relacionadas a criança e ao adolescente em situação irregular. É claro que isso desencadeou, ao longo desses 30 anos, inúmeros avanços em todos os sentidos, criando uma rede para se estabelecer um elemento vital na proteção integral. Essa rede contempla as três esferas: família, sociedade e o Estado", destacou o juiz Vanderley de Oliveira. 

 

Ressocialização

 

Em relação aos adolescentes em conflito com a lei, a partir dos 12 anos e até os 18 anos incompletos os adolescentes também passaram a ter, pelo ECA, um contexto de responsabilização, embora sejam inimputáveis. A partir de então, o ato ilícito de um adolescente que viola direitos e valores da própria sociedade demanda um processo de responsabilização. "Mas essa responsabilização se dá no plano de uma medida socioeducativa e não na medida propriamente punitiva e sancionatória. Essa medida socioeducativa visa exatamente promover as oportunidades deste adolescente para ressignificar a sua história". 

 

Na prática, garantir a todos os adolescentes um futuro digno e longe da criminalidade ainda é um desafio para a sociedade brasileira. A falta de oportunidades e até de perspectiva de se conseguir um bom emprego, por conta também do baixo índice de escolaridade, faz com que jovens sejam um alvo fácil para a criminalidade. Uma pesquisa do Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf), divulgada em 2019, revelou que 29% dos jovens e adultos entre 15 a 64 anos são considerados analfabetos funcionais, o que representa 38 milhões de brasileiros. 

 

Essa realidade se reflete diretamente nas condições de trabalho. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, entre os jovens de 18 a 24 anos, a taxa de desemprego é de 26,6%. Do total de desempregados no Brasil, 32% são jovens e isso corresponde a 4,1 milhões de pessoas que estão à procura de emprego nesta faixa etária.

 

Em apenas seis anos, segundo dados divulgados pelo Governo Federal em 2018 (Governo Temer), o número de adolescentes em privação e restrição de liberdade aumentou 58,6% no Brasil. De 16.940 jovens cumprindo alguma medida socioeducativa desse tipo em 2009, o índice passou para 26.868 em 2015. 

 

A necessidade de incentivar a reinserção social de jovens egressos através de programas de educação, qualificação profissional, cultura, esporte, lazer e meio ambiente uniu o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e mais 14 instituições em torno de dois projetos: “Escrevendo nossa história” e “Reescrevendo nossa história”, destinados, respectivamente, a jovens de áreas consideradas violentas e egressos, tanto da socioeducação quanto do sistema penitenciário. 

 

Os projetos, lançados em 2017, já renderam frutos. "Hoje nós já estamos em 10 polos no Estado do Pará, atendendo cerca de 10 mil pessoas por ano, de acordo com a estatística de 2019. Atendemos através do projeto socioeducandos, suas famílias, egressos, comunidades que vivem no entorno dos projetos e que estão em condições de vulnerabilidade e de risco. Essa convivência tem se dado na busca pela implementação da cidadania e da dignidade, com cursos profissionalizantes, com musicalização, com esporte, com cultura e lazer, com inserção no mercado através de programas como o Jovem Aprendiz e tantas outras ações para que se possa romper com a prisão que o próprio ato ilícito provoca", explicou o juiz Vanderley de Oliveira. 

 

Segundo ele, após um ano de execução dos projetos, de todos os adolescentes socioeducandos encaminhados ao projeto, 88% não retornaram mais para o ato ilícito ou para o crime. "E é claro que há muitos outros projetos que se ancoram nesse, como os desenvolvidos pela Coordenação da Infância e Juventude do Tribunal. Na 3ª Vara da Infância e Juventude, por exemplo, há um projeto de inclusão de socioeducandos em estágio profissionalizante. São 15 vagas oferecidas dentro do Judiciário paraense, onde os jovens podem passar até dois anos em estágio profissionalizante", explicou.


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