DIREITO NEWS: TJAP exclui paternidade socioafetiva mesmo após anos de convivência; defesa destaca “A paternidade não pode ser uma imposição”
quarta-feira, 03 de dezembro de 2025, 16h55
Vídeo ao final • O Tribunal de Justiça do Estado do Amapá (TJAP), por meio da Câmara Única, acolheu apelação em processo que tramita sob segredo de justiça e declarou inexistente o vínculo paterno registral de um homem que, por mais de uma década, acreditou ser pai de duas menores. A decisão reformou a sentença de primeiro grau ao reconhecer que o registro foi firmado sob erro substancial, decorrente de infidelidade conjugal não revelada, infertilidade comprovada e dos profundos impactos emocionais sofridos pelo recorrente ao descobrir que havia sido enganado durante toda a convivência marital.
A parte recorrente é representada pela advogada Inahani Santos Confolonieri (@advogadaonline_inah), cujo escritório atua exclusivamente na defesa de homens em causas de família. Segundo a defesa, o homem não buscou a ação para interromper o pagamento de pensão, mas porque a descoberta da verdade o levou a crises de ansiedade, sentimentos de humilhação e depressão, tornando impossível manter a convivência com as crianças e exigindo a revisão de um registro construído sob vício de consentimento.
Entenda o caso
O caso envolve um homem que, durante o casamento mantido entre 2009 e 2018, registrou como suas duas meninas gêmeas concebidas durante a relação. Após a separação motivada por infidelidade, ele passou a notar que os traços físicos das menores eram muito diferentes dos seus, o que despertou dúvida crescente sobre a paternidade. Essa dúvida ganhou força quando, ao realizar exames médicos, descobriu ser infértil, levando-o a realizar exame de DNA extrajudicial. O resultado confirmou a ausência total de vínculo biológico com as crianças que havia registrado.
A confirmação da infertilidade e do resultado genético provocou um impacto emocional profundo. O homem passou a sofrer crises de ansiedade e evoluiu para estado depressivo, quadro que se agravava ao perceber que toda a formação da sua identidade como pai estava ligada a um equívoco originado durante a convivência conjugal. A defesa explica que, ao comunicar a verdade à mãe e às menores, ele não conseguiu mais manter a convivência, pois a situação o relembrava constantemente do engano vivido por mais de uma década.
Durante a instrução processual, as menores foram ouvidas. Uma delas declarou, conforme registrado nos autos e mencionado no julgamento, que para “ficar tudo bem seria bom o aumento da pensão” e que “o dinheiro que ele dá é pouco, já que elas não têm casa própria”. Essa fala, reproduzida pelo relator durante a sessão gravada do TJAP, foi considerada relevante para demonstrar a ausência de um vínculo afetivo recíproco, indicando que a relação existente era marcada por expectativa financeira, e não por laços emocionais.
A sentença de primeiro grau havia julgado improcedente o pedido, mantendo o registro de paternidade sob o fundamento da socioafetividade. Em grau de apelação, porém, o TJAP reformou a decisão, reconhecendo que houve erro substancial na formação da vontade, considerando a infertilidade comprovada, o exame genético excludente, o relato da própria genitora sobre a infidelidade e as declarações das menores. O Tribunal concluiu que não havia vínculo afetivo contemporâneo e declarou a inexistência de paternidade, por votação unânime.
Fundamentos da decisão
Durante o julgamento gravado e disponibilizado pelo próprio Tribunal, o relator, Desembargador Mário Mazurek, destacou logo no início que o caso envolvia não apenas provas técnicas, mas também uma realidade humana marcada por engano, abalo emocional e vício de consentimento. Ele afirmou de forma clara e direta que “a paternidade deve ser via de mão dupla; se esse homem não quer ser pai socioafetivo, ele não deve ser obrigado”, expressão que sintetizou o entendimento do colegiado sobre a impossibilidade de impor a alguém um vínculo erguido sobre a mentira e sobre a dor.
O relator enfatizou que o recorrido foi atingido duas vezes: a primeira, ao descobrir a traição conjugal e a infertilidade, revelação que destruiu sua compreensão de si mesmo enquanto pai; e a segunda, quando ainda se tentou impor a ele a continuidade de um vínculo que jamais foi formado com plena consciência e que se desfez por completo após a descoberta da verdade. Para o magistrado, manter esse homem vinculado juridicamente a uma paternidade que não era biológica, não era voluntária e não era afetiva equivaleria a perpetuar a injustiça.
O entendimento do relator foi reforçado pelos desembargadores Carmo Antônio e Agostino Silvério, que acompanharam o voto. Ambos ressaltaram que a paternidade socioafetiva, para existir validamente, exige vontade livre, afeto recíproco e convivência real, elementos completamente ausentes nos autos após a revelação da infertilidade. Eles lembraram que uma das menores declarou que, para “ficar tudo bem, seria bom o aumento da pensão”, afirmando ainda que “o dinheiro que ele dá é pouco, já que elas não têm casa própria”. Para a defesa, a fala das menores demonstra a ausência de vínculo afetivo recíproco, evidenciando que a relação mantida após a separação tinha um caráter predominantemente instrumental e marcado por expectativas financeiras — argumento que, segundo a advogada, reforça a inexistência de socioafetividade no caso.
A Procuradora de Justiça Raimunda Clara Banha Picanço também emitiu parecer favorável à reforma da sentença, reconhecendo que a soma das provas — a infertilidade comprovada, o DNA excludente, a confissão da genitora sobre a infidelidade, as declarações das menores e a ausência de convivência — demonstrava a existência de vício de consentimento no ato registral. Para ela, obrigar o recorrente a sustentar uma paternidade moldada pelo equívoco e pela dor seria incompatível com a função protetiva do Direito de Família.
O colegiado chegou a afirmar que insistir na manutenção da paternidade seria “puni-lo duas vezes”, expressão que sintetiza o entendimento de que o homem já havia sofrido profundamente com o engano e não poderia ser juridicamente coagido a permanecer em um vínculo inexistente. Diante de todas as evidências, os desembargadores votaram de maneira unânime pela desconstituição da paternidade, reconhecendo que a verdade biológica, a ausência de afeto e o vício de consentimento tornavam indispensável a anulação do registro.
Considerações finais
A decisão do TJAP reafirma que a paternidade, seja biológica, seja socioafetiva, só pode subsistir quando há verdade, vontade livre e afeto real. O caso evidencia que o erro substancial, quando aliado à infidelidade, à infertilidade comprovada e ao sofrimento emocional grave, torna impossível exigir de alguém o exercício de uma paternidade construída sobre engano. Para o Tribunal, impor esse vínculo significaria punir novamente um homem que já havia sido profundamente ferido pela fraude e pela quebra de confiança.
Segundo a defesa, o recorrente segue em acompanhamento psicológico e move ações de exoneração de alimentos e de indenização por danos morais e materiais, ainda pendentes de julgamento. O caso, considerado emblemático, reforça a importância de reconhecer a dor emocional vivida por homens enganados em contexto familiar e demonstra que a Justiça deve proteger a dignidade daqueles que, mesmo agindo de boa-fé, foram induzidos a assumir responsabilidades fundadas em vício de consentimento.
Decisão proferida em processo que tramita sob segredo de justiça, nos termos da legislação aplicável, para preservar a identidade dos envolvidos.
FONTE: DIREITO NEWS
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