Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

JORNAL JUD: Tutela integral de crianças e adolescentes

segunda-feira, 01 de setembro de 2025, 18h00

 

A dinâmica da realidade digital que vivenciamos hoje transtornou absolutamente a experiência da criança e do adolescente. Sujeitos à uma profunda imersão no mundo digital composto de muitas plataformas virtuais que frequentemente os expõem, além de descontrole dos conteúdos e de interações sociais.

 

O referido fenômeno, conceituado como adultização é, de fato, uma grave ameaça ao desenvolvimento sadio do público infanto-juvenil.

 

Nosso ordenamento jurídico brasileiro enfrenta o dilema fundamental diante da necessidade de conciliar a tutela constitucional da liberdade de expressão com a necessidade urgente de regulamentação das redes sociais e a proteção integral da criança e adolescente. Percebe-se que há uma tensão entre a censura e regulação legítima e as garantias fundamentais que representam a questão principal na jurisprudência, academia e de políticas públicas.

 

Há provocativos desafios ético-jurídicos e mesmo os marcos normativos existentes, vigem lacunas regulatórias e, as possibilidades de construção do sistema de proteção que seja simultaneamente eficaz e respeitoso aos princípios democráticos.

 

A adultização precoce traduz a imposição de comportamentos e responsabilidades peculiares do mundo adulto à criança e ao adolescente, o que ocorre por meio da mídia tradicional, as plataformas digitais, marketing e influenciadores digitais.  

 

Dá-se o que é chamado de "erosão simbólica da infância", propiciando uma homogeneização cultural promovida pelas mídias digitais, onde a internet potencializa a referida tendência ao criar o mercado de consumo infantil adultizado.

 

Dentro do contexto brasileiro, tal processo é preocupante e nota-se através de campanhas publicitárias, pelos conteúdos de influenciadores digitais e ainda produtos audiovisuais que normalizam a sexualização de crianças e adolescentes. Ressalve-se que as plataformas tais como Instagram, You Tube e Tik Tok tornaram-se ambientes onde a intensa adultização vem a comprometer relevantes etapas da formação psicológica, física, social e moral de crianças e adolescente, o que majora gravemente sua vulnerabilidade e a exposição às práticas abusivas e perniciosas.

 

A referida adultização afronta nitidamente o artigo 227 da Constituição Federal brasileira vigente que estabelece explicitamente a proteção integral e prioritária de crianças e adolescentes, o que foi inspirado na doutrina da proteção integral presente na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), determinando que a família, a sociedade e o Estado devam assegurar com absoluta prioridade os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei 8.069/1990 regulamenta este mandamento constitucional, formalizando um sistema amplo de proteção dotado de mecanismos de prevenção, combate e responsabilização diante de casos de violação de direitos.

 

Portanto, a adultização de criança e do adolescente viola frontalmente tais citados princípios constitucionais, gerando forte tensão jurídica o que requer respostas normativas eficazes para articular a proteção integral quanto também o respeito aos direitos fundamentais em conflito.

 

Ainda que a liberdade de expressão que é consagrada no artigo 5º, IV e IX e artigo 220 do texto constitucional vigente, que correspondem a um dos principais pilares do Estado Democrático de Direito. Porém, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) tem reiteradamente afirmado que nenhum direito fundamental possui caráter absoluto, devendo ser exercido em perfeita harmonia com os demais direitos igualmente fundamentais. 

 

Enfim, a proteção da preservação da dignidade humana e os direitos de crianças e adolescentes estabelecem limites que são constitucionalmente legítimos para o exercício da liberdade de expressão, especialmente, quando for instrumentalizada para prática abusivas, exploratórias e perniciosas.

 

Cumpre distinguir censura legítima e regulação legítima como sendo um dos principais desafios hermenêuticos contemporâneos. A regulação legítima, frise-se, atende a proteção proporcional e razoável de direitos fundamentais, respeitando os procedimentos democráticos e o devido controle judicial dos direitos fundamentais.

 

Eis que o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) representa um importante avanço nesse sentido, estabelecendo princípios de neutralidade de rede, privacidade e ainda a responsabilização que buscar equilibrar direitos e liberdades dentro do ambiental digital.

 

E, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) complementou este quadro normativo, introduzindo parâmetros mais nítidos sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, estabelecendo requisitos rigorosos de consentimento e proteção especial para este grupo vulnerável.

 

É justamente nesse contexto regulatório em construção onde se destaca o PL (Projeto de Lei) 2.6.28/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados em 20 de agosto de 2025, que estabelece normas específicas de transparência, responsabilidade e liberdade na internet, priorizando a proteção de criança e adolescente.

 

Afinal, procura-se implementar obrigações expressas para os provedores e plataformas digitais quanto à moderação de conteúdos, o combate à desinformação e as fake news e, ainda, a criança de mecanismos de proteção especial para criança e adolescente.

 

O PL acena como a possível tentativa de conciliação entre a proteção infanto-juvenil e a preservação de liberdades democráticas, estabelecendo critérios objetivos para a remoção de conteúdos nocivos sem configurar censura prévia. 

 

Com sua tramitação surgem debates sobre os limites da regulação do Estado diante da autonomia de empresas de tecnologia, evidenciando a imperiosa necessidade de haver salvaguardas institucionais que impeçam o uso como mecanismo de controle político e ideológico.

 

Afinal, o controle social das políticas de moderação de conteúdos digitais e a transparência nos algoritmos de recomendação são demandas que emergem deste debate político, se consolidando como direitos fundamentais dentro do mundo digital.

 

Infelizmente, a internet consagrou-se como sendo um terreno fértil para haver práticas de violência sexual e de outros níveis contra crianças e adolescentes. 

 

O chamado child grooming, é um sistemático aliciamento digital em que adultos galgam a confiança de menores para fins de exploração sexual, conforme expõem os relatórios da Europol (2023) e da Interpol (2022) e, tal fenômeno se caracteriza-se por técnicas psicológicas sofisticadas de manipulação e, envolvem diversas plataformas digitais e estratégias de isolamento das vítimas.

 

Realmente, o ECA e a Lei 11.829/2008 já tipificam sanções aplicáveis às condutas relacionadas à pornografia infantil, produção e distribuição de material de abuso sexual infanto-juvenil. Porém, devido ao caráter transnacional das redes e plataformas digitais surgem fortes desafios à investigação e punição destes crimes, exigindo instrumentos de cooperação internacional que sejam mais eficazes e procedimentos jurídicos inovadores.

 

Lembremos que criança e adolescente são seres humanos em desenvolvimento e, a responsabilidade de sua higidez mental e física é de todos, ou seja, da família, da sociedade e, do Estado.

 

Assim, a responsabilização civil e criminal das plataformas digitais é importante tema para prover o verdadeiro combate à exploração sexual online. E, as Big techs devem implementar eficazes sistemas de detecção automática de tais conteúdos abusivos e criminosos, provendo simplificadas denúncias, remoções rápidas de materiais ilegais e impróprios, além de farta cooperação com as autoridades investigativas.

 

Aliás, a cooperação internacional, principalmente, a legislação europeia vigente já oferece diversos modelos interessantes de responsabilização proporcional que poderão servir de inspiração para a regulação brasileira.

 

Transcende-se ao aspecto meramente repressivo tornando-se indispensável haver a educação digital crítica além de desenvolver em crianças e adolescentes habilidades e competência para reconhecer situações de risco digital e, ainda, compreender os mecanismos de manipulação digital e, fixar limites saudáveis para o uso da tecnologia. 

 

Portanto, tanto as famílias como educadores precisam também assumir o papel proativo na mediação do uso da internet, de redes e plataformas digitais, propiciando estratégicas hábeis pedagógicas que proporcionem o uso consciente e seguro das tecnologias digitais.

 

É imperiosa a construção de um marco regulatório eficaz capaz de fundamentar-se nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, impedindo que medidas de proteção sejam desvirtuadas para justificar censuras políticas ou ideológicas. Simultaneamente, é imperativo rejeitar a instrumentalização da liberdade de expressão como escudo para as práticas ilegais e abusivas contra as crianças e adolescentes.

 

A referida regulação deve pautar-se em três bases essenciais, a saber: a efetividade da proteção integral através de mecanismos concretos e mensuráveis; propiciar a transparência e controle democrático mediante procedimentos nítidos de moderação de conteúdos com possibilidade de supervisão social e judicial; e promover o equilíbrio entre a repressão e a educação, harmonizando as medidas sancionatórias com iniciativas preventivas e educativas.

 

A efetivação destes princípios requer a criação de órgãos especializados em regulação digital, desenvolvimento de protocolos de cooperação internacional, investimento em capacitação dos operadores de direito bem como o estabelecimento de canais permanentes de diálogo com a sociedade civil.

 

A tutela integral da criança e do adolescente dentro do espaço digital é um notável desafio jurídico e ético da era contemporânea. E, a adultização precoce gera riscos de exploração sexual digital e práticas abusivas digitais, o que requer prontas respostas institucionais que bem articulem regulação normativa, políticas públicas preventivas e, ainda, a educação digital.

 

A Lei 12.015/2009 classifica como estupro de vulnerável qualquer ato libidinoso contra menores de quatorze anos ou pessoas com deficiência mental, com pena que varia de oito a quinze anos de reclusão. Se houver participação de quem tenha o dever de cuidar ou proteger a vítima, o tempo de condenação será aumentado em 50%. O autor de estupro contra maiores de quatorze e menores de dezoito anos será punido com oito a doze anos de prisão.

 

Além da repressão aos criminosos, é preciso atuar em vários aspectos do problema, desde os relacionados à prevenção e responsabilização, como também assistência psicossocial e apoio jurídico às vítimas, cujos serviços são ofertados pelos centros especializados do Sistema Único de Assistência Social (Suas).

 

O Estado e a sociedade precisam atuar juntos. De um lado, agir preventivamente, junto às famílias, escolas, unidades de saúde e serviços socioassistenciais; de outro, atuar no combate à violação dos direitos da criança e do adolescente, em especial à violência sexual, seja nas residências, em estabelecimentos, nas ruas ou na internet.

 

O atual cenário da autorregulação das plataformas digitais, infelizmente, é insuficiente e ineficaz e a aprovação do PL 2.628/2022 representa um progresso para haver a superação da omissão regulatória e, fornece firmes parâmetros legais para enfim coibir a proliferação de conteúdos nocivos e de aliciamento.

 

O que também requer uma fiscalização presente e rigorosa além da participação social contínua para evitar a ineficiência normativa ou o uso político indevido. O princípio da prevalência do superior interesse da criança, consagrado no artigo 227 da Constituição Federal brasileira vigente., deve orientar qualquer solução regulatória, estabelecendo limites claros e proporcionais ao funcionamento das plataformas digitais.

 

A sociedade brasileira não pode aceitar que a proteção de crianças e adolescentes seja sacrificada em nome de uma pretensa liberdade absoluta das redes sociais.

 

Toda criança tem o direito fundamental de "ser criança", o que significa crescer num ambiente seguro e protegido, com direito à alimentação, saúde, educação, lazer e, principalmente, tempo e espaço para brincar, se divertir e explorar o mundo, sem exploração ou trabalho infantil. 

 

Este direito é protegido por leis como a Convenção sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil. 

 

O direito de ser criança abrange vários direitos essenciais garantidos em tratados internacionais e na legislação brasileira, a saber:  o direito a crescer num ambiente seguro, com carinho, atenção e alimentação adequada;  Acesso à educação, e principalmente, tempo e liberdade para brincar, que é essencial para o desenvolvimento social e psicológico; Direito de ser criado em família, com a possibilidade de convivência familiar e comunitária;  Dever de todos velar pela sua dignidade, estando a salvo de qualquer tratamento desumano, violento ou vexatório. 

 

O trabalho infantil é uma exploração que prejudica o desenvolvimento emocional da criança, retirando-lhe o tempo necessário para atividades típicas da infância.  É obrigação de todos evitar e coibir a adultização infantil se refere à exposição precoce de crianças a comportamentos, responsabilidades e expectativas que deveriam ser reservadas aos adultos.

 

 

FONTE: JORNAL JUD


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