Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

LUNETAS: Puerpério não é licença para desaparecer, é chamado para estar

quinta-feira, 21 de agosto de 2025, 15h15

“Cada vez que um pai escolhe fazer diferente do que viu em casa, ele se transforma”, diz Ismael dos Anjos, da Coalizão Licença-Paternidade (CoPai). Embaixador da organização que defende mais tempo dos pais com as crianças, de forma remunerada e obrigatória, ele acredita que estar presente desde o início da vida dos filhos pode mudar não só a dinâmica das famílias, mas a cultura do cuidado.

 

Embora 92% dos brasileiros economicamente ativos apoiem o aumento da licença-paternidade e reconheça a importância paterna no puerpério, mais da metade dos lares é chefiado por mulheres, segundo o IBGE. Em 2024, mais de 91 mil crianças foram registradas apenas com o nome da mãe. A CoPai atua então para ampliar a licença em até 60 dias, considerando que criar filhos deve ser uma responsabilidade compartilhada.

 

Parado há 17 anos no Congresso, o PL que estende a licença de cinco para 15 dias ganhou urgência para ser votado. A movimentação acontece em agosto, mês do lançamento da Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNPI), que reconhece, entre outras coisas, o papel fundamental dos pais nos primeiros cuidados com as crianças.

 

Apesar de estar na linha de frente dessa luta, Ismael não teve direito sequer aos cinco dias de licença previstos em lei. Isso porque estava no início do relacionamento com Juliana Costa e não formalizou o processo de adoção de Francisco, hoje com 11 anos. “Teria sido essencial parar, nem que fosse por alguns dias, para entender o que estava começando a acontecer entre nós”, diz.

 

Para ele, o puerpério significou a combinação entre o pai que estava se tornando e a criança que chegava em sua vida. Nesse período, apesar de não ser o protagonista, Ismael fez do cuidado uma palavra-chave. Assim, conseguiu superar o desafio de não ter repertório diante de tantas mudanças vividas por Juliana, mesmo sem a gravidez e o pós-parto.

 

“A paternidade também é uma chance única de humanizar homens negros, porque cuidar ainda é o oposto do que esperam de nós: que a gente morra mais cedo, que aguente mais dor, que não chore”, diz. “Como pai, a gente passa a viver as emoções e pode abrir a possibilidade de que as próximas gerações experimentem essa conexão de maneira mais íntegra, com espaço para o sonho.”

 

O status de pai chegou para Ismael quando o apelido “El” virou “Papai El”, como Francisco também chamava o personagem do Natal.

 

 

Todos os dias depois de hoje

Para o filósofo e professor Rodrigo Araújo, o puerpério é uma travessia difícil, mas compartilhada. “Sempre entendi que esse era o nosso tempo e o viveríamos juntos”, afirma. Mesmo sem saber exatamente o que fazer, ele estava lá, defendendo que o puerpério não fosse um tempo exclusivo da mãe, mas de toda a família.

 

As anotações sobre descobertas, medos e aprendizados diante do puerpério da companheira Nani Coimbra deram origem ao livro “Todos os dias depois de hoje”. Foi assim que ele começou a contar o tempo a partir da notícia de uma gravidez inesperada e da experiência com a paternidade.

 

Com 35 reflexões e ilustrações da filha Malu, que tinha 7 anos, “esse diário é o testemunho do que a gente viveu e eu me esquivo de dar conselhos. O que tenho a oferecer é a expressão de uma experiência cheia de fraturas, dúvidas, falhas, mas também um lugar para nos lembrar que temos um ao outro, por mais que em alguns momentos nos sentíssemos sozinhos e impotentes diante de uma tarefa tão imensa”.

 

Criado por mulheres e sem referência paterna, por fim, ele aprendeu a partir do improviso e do desejo genuíno de estar junto. Hoje, com Malu aos 11 anos, Rodrigo diz que a relação construída naquele início segue sendo aprimorada.

 

A chegada de Malu na vida de Rodrigo é o tema do livro “Todos os dias depois de hoje”, escrito por ele e ilustrado pela filha, então com 7 anos.

 

A licença acaba, o puerpério continua

A licença-paternidade de cinco dias obrigou Rodrigo a montar, junto com Nani, uma rede de apoio com as avós. Isso, segundo ele, foi essencial para garantir cuidado nos primeiros banhos, amamentação, vacinas, cólicas, além de todas as descobertas do bebê.

 

Porém o puerpério não termina com o fim da licença. Aliás, pode se tornar ainda mais desafiador quando vivido de forma solitária. Para a doula Maiana Kokila, a atitude do pai nesse período é crucial e vai muito além de “ajudar”. “O pai precisa ampliar o olhar e isso exige disponibilidade, proatividade e consciência do que é necessário, sem esperar ser solicitado”, afirma.

 

Maiana explica que um pai presente desde a gestação tende a criar vínculos mais profundos com o filho e a oferecer uma base emocional mais segura à parceira. “Quando a mulher olha para o lado e vê uma necessidade já suprida, entende que não está sozinha. Isso muda tudo.”

“O envolvimento cotidiano transforma a paternidade em vínculo real e fortalece toda a família.”

 

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