Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Simpósio sobre Direitos das Vítimas Criminais finaliza com Carta do Recife com intenções de atuações para proteger vítima de crimes

segunda-feira, 30 de novembro de 2020, 17h21

O 1º Simpósio do MPPE sobre os Direitos das Vítimas Criminais encerrou, nesta sexta-feira (27), com diversas contribuições para renovar o olhar do Ministério Público brasileiro e do Poder Judiciário sobre a vítima sobre como estabelecer a verdadeira e necessária proteção a ela. Com os diversos pontos de vista e enriquecimentos argumentativos expostos pelos palestrantes convidados, membros e servidores do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) reuniram propostas em um documento denominado Carta do Recife, que será levada ao II Congresso Nacional sobre Direito das Vítimas Criminais, realizado pela Associação Nacional do Ministério Público (Conamp). A carta contém proposta de Emenda à Constituição Federal, além de proposições na atuação extrajudicial, serviços de atendimento e atuação processual do Ministério Público, que favoreçam a proteção e protagonismo da vítima criminal.

 

O procurador-geral de Justiça do MPPE, Francisco Dirceu Barros, leu a carta ao final das palestras do dia. Entre as intenções contidas no documento, destacam-se: “Os gestores municipais e estaduais na área de segurança pública apresentar projetos e iniciativas de fomento, estímulo e financiamento de estudos e pesquisas, que consolidem estatísticas sobre criminalidade e vitimização, para os fins de integração mencionados no art. 13, inciso IV, da Lei nº 13.675-2018, bem como as pastas encarregadas dos temas de cidadania, justiça e saúde, nos níveis estadual e municipal, devem estabelecer ações conjuntas para serviços, desde logo reputados como essenciais, de atendimento, acolhimento, orientação de vítimas criminais e seus familiares”, “o Ministério Público deve contar com dotação orçamentária própria para estabelecer serviços de apoio à atuação criminal que inclua a estruturação de centros de acolhimento, encaminhamento e orientação a vítimas e seus familiares” e “o Ministério Público deverá atentar, em todos os instrumentos de justiça negociada (transação penal, suspensão condicional do processo, acordo de não persecução penal), para o pleno atendimento dos interesses da vítima e seus familiares, que deverão reunir a reparação do prejuízo material e eventual compensação por prejuízos imateriais”.

 

Proteção às mulheres – Antes da leitura da Carta do Recife, as últimas palestras do simpósio foram: “O direito das mulheres vítimas de violência doméstica”, feita pela advogada Alice Bianchini, que é conselheira Federal da OAB/Nacional e vice-presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, com mediação da promotora de Justiça do MPPE Andrea Griz. Já o titular da Promotoria de Justiça do Tribunal do Júri de Várzea Grande do Mato Grosso, César Danilo Novais, abordou o tema Necrohermenêutica, vítimas e tribunal do Júri, mediado pela promotora de Justiça do MPPE e coordenadora do Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Justiça Criminal (Caop Criminal) do MPPE, Eliane Gaia.

 

Alice Bianchini trouxe dados e fatos para contextualizar a violência doméstica contra a mulher e os avanços conseguidos pela Lei Maria da Penha em seu combate. Ela lembrou que a Lei Maria da Penha contém uma parte punitivista, onde responsabiliza o agressor, mas que é, sobretudo, protetiva à mulher agredida. Ela trata da assistência à vítima, garantia de direitos e empoderamento da mulher.  

 

Segundo ela, o que muito favorece o combate à violência doméstica são os dados que resultam em medições, que geram conhecimento para se buscar soluções. “Há particularidades nos crimes contra a mulher. Eles têm, quase sempre, um caráter cultural machista, que coloca a mulher como inferior frente ao homem”, definiu ela.

 

Sendo assim, Alice Bianchini alertou que o sistema de Justiça também carrega esse machismo e que precisa criar ações para combatê-lo, tanto fora quanto dentro. “A sociedade enxerga a mulher de forma estereotipada. Nisso, a própria mulher se enxerga assim”, explicou ela.

 

Pelos dados apresentados pela advogada, 41% das mulheres têm medo de lutar por seus direitos, 45% desistem de seus sonhos e 40% das meninas, a partir dos 6 anos, se sentem menores que os meninos e desistem de fazer certas atividades. “Muitas mulheres, inclusive, não se reconhecem vítimas das violências que sofrem”, disse Alice Bianchini. Pelos números divulgados, 52% das mulheres não relata a violência sofrida a familiares, 62% tem medo da vingança do agressor e não sai do relacionamento violento e 76,5% dos filhos presenciam e sofrem violência junto à mulher.

 

“A violência pode ser física, psicológica ou moral. Nas crianças, causa problemas de rendimento escolar, socialização e diversos traumas”, contou a advogada. “Para lidar com esses casos, os atores jurídicos precisam estar capacitados, sensibilizados e dispostos a atuar”, assegurou ela. Entre as ações específicas estão: requisitar força policial, fiscalizar o atendimento às vítimas em estabelecimentos públicos e cadastrar os casos com detalhamento.

 

Outra medida a ser tomada é acolher e confiar na mulher agredida quando ela procura ajuda. Segundo dados de uma pesquisa na Espanha, mostrado pela palestrante, só 0,4% das mulheres que denunciam violência doméstica mentem em seus depoimentos. “Ou seja, apesar de não termos dados no Brasil, implica que mesmo que aqui seja o dobro ou o triplo do que ocorre na Espanha, o número de denúncias falsas é ínfimo. Daí, buscar retirar a mulher dessa situação de violência é algo urgente”, constatou Alice Bianchini.

 

Apesar da Lei Maria da Penha ser uma das mais progressistas do mundo, o Brasil continua sendo um dos cinco países que mais assassina mulheres. “A mulher tem que ter direito à liberdade de escolher o seu parceiro e de permanecer ou não com ele”, afirmou Alice Bianchini.

 

Necrohermenêutica - Já César Danilo Novais defendeu, em seu momento de fala, que o Tribunal do Júri é um mecanismo de proteção integral de direito à vida e não deve servir como escudo para o assassino. “Não se pode costumizar o direito para favorecer o agressor. Assim, se flexibiliza o direito à vida, que a vítima perdeu”, declarou ele.

 

“A vítima foi quem sofreu a lesão, o direito à vida sofreu a lesão, a sociedade sofreu a lesão. É dever do promotor de Justiça cobrar que a vítima não seja ultrajada depois de morta, como tantas vezes é, até mesmo culpabilizada”, afirmou Novais.

 

Segundo ele, o promotor precisa também estar antenado com os conceitos mais solidários e humanísticos ao tratar com a família da vítima. “A família vem bater na nossa porta e temos que ter olhar terno, capacidade de escuta, palavras terapêuticas”, aconselhou ele.

 

Novais alertou que o Brasil pratica uma necropolítica, pois exibe políticas públicas fracas de coibição do crime e proteção à vida. Estreitando, gera um necrodireito, que é condescendente com assassinos, assim como com a falta de estrutura para atendimento social de qualidade, como o sistema de saúde, que, por sua vez, gera a necrohermenêutica, onde, pela característica dialética do Direito, argumentos dos mais diversos são usados para banalizar as leis e menosprezar a vida perdida em função de quem a tirou, desrespeitando os direitos humanos.

 

“O Ministério Público tem que defender acima de tudo o principal direito humano, que é o direito à vida, o centro onde orbitam todos os outros direitos. Isso é o óbvio no ordenamento jurídico. Não basta declarar o direito, é preciso protege-lo”, asseverou Novais. “Temos que ter um sistema vidacêntrico e trabalhar os jurados do Tribunal nessa consciência de proteção à vida. A tutela da vida humana é a principal função do Estado”, finalizou ele.

 

 

Acesse os relatos de cada dia de palestras do 1º Simpósio do MPPE sobre os Direitos das Vítimas Criminais:

Simpósio sobre Direitos das Vítimas Criminais abre com defesa de Estatuto das Vítimas e equiparação com direito dos acusados

Segundo dia do Simpósio sobre Direitos das Vítimas Criminais debateu o papel do MP em defesa das vítimas criminais e os fundamentos e limites dos mandados implícitos de criminalização

Melhoria nos acordos de não persecução penal e no acolhimento às vítimas são temas do terceiro dia do 1º Simpósio do MPPE sobre os Direitos das Vítimas Criminais

Simpósio do MPPE sobre os Direitos das Vítimas criminais tem em seu quarto dia defesa de processos humanizados e com maior protagonismo da vítima 

 

 

 

Fonte: MPPE


topo