Roda de Conversa promovida pelo Caop Cidadania debateu o olhar cidadão sobre o Tribunal do Júri
sexta-feira, 16 de outubro de 2020, 13h42
Na tarde desta terça-feira (6), às 17h, o Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Justiça de Defesa da Cidadania (Caop Cidadania), do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), reuniu juíz, defensora, promotores e jurados para debater O que espera e como pensa a sociedade no ambiente cidadão do Tribunal do Júri. O encontro ocorreu por meio da plataforma Google Meet, com transmissão ao vivo pelo canal do YouTube do Caop Cidadania.
Para debater o tema, estiveram presentes: a promotora de Justiça Criminal da Capital, Ana Clézia Nunes; o promotor de Justiça Mário Barros; a defensora pública na Vara do Tribunal do Júri da Capital, Natali Brandi; o juiz titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Jaboatão dos Guararapes, José Faustino Macedo Ferreira; a matemática e jurada do Tribunal do Júri Popular, Juliana de Lima Aragão; professora da rede Estadual de Educação e jurada do Tribunal do Júri Popular, Edna Veríssimo; o servidor público federal e jurado do Tribunal do Júri Popular, Audair Pereira Cavalcanti; o economista e jurado do Tribunal do Júri Popular, Marcus Paz; as pedagogas e juradas do Tribunal do Júri Popular, Marilourdes Moreira e Maria de Fátima Monteiro; e a enfermeira fiscal e jurada do Tribunal do Júri Popular, Fernanda Cerqueira.
Logo no início, a coordenadora do Caop Cidadania, promotora de Justiça Dalva Cabral, questionou a promotora de Justiça Ana Clézia sobre o que não pode faltar a um jurado ou jurada que compunha o conselho de sentença para cumprir a missão de representar a sociedade. “Como promotora de Justiça, espero Justiça. Eu penso que, respeitando quem pensa o contrário, o plenário do Júri não é espaço para algumas discussões que por vezes se travam. E, nesse sentido, sob a observância legal, o conselho de sentença deve decidir a partir da recepção atenciosa e com equidade das provas que são apresentadas para eles. E, assim, que seja formada a convicção para a decisão que será tomada. Com o comprometimento com as provas, portanto, nós encontraremos o voto de excelência. Também espero que os jurados compreendam o que é a legítima soberania de um veredito. A Constituição diz que a decisão dos jurados é soberana, e é por íntima convicção, mas que cabe recurso se não for de acordo com a prova dos autos. Assim, a decisão soberana dos jurados, para mim, só pode ser entendida como soberana se houver coerência com a prova dos autos. A decisão não pode ser mantida se ofender o estado democrático de direito”, ressaltou Ana Clézia.
Em seguida, Dalva perguntou à matemática e jurada do Tribunal do Júri Popular, Juliana de Lima Aragão, se é possível se investir na posição de jurado e afastar todas as experiências próximas e afetivas. “Eu procuro não ir ao tribunal com os problemas que eu tenho em casa em mente, nem com as coisas que eu trago de bagagem. No momento do julgamento, a gente fica tão concentrado no debate que ocorre no Júri, que esquecemos todos os outros momentos. É complicado, pois sou professora da rede pública e já vi muita coisa. Mas é possível vestir essa camisa, analisar os fatos, ouvir todos os lados e se posicionar de forma correta. Eu tenho sempre esse método comigo, de sentar ali no Júri e esquecer meus problemas, pra fazer o meu trabalho o melhor possível. Esquecer que poderia ser com um primo, um irmão, ou que já aconteceu algo com alguém próximo a mim. O esquecimento deve ser vestido, e devemos julgar pelo que escutamos, vemos e sentimos”, disse Juliana Aragão.
Para o economista e jurado do Tribunal do Júri Popular, Marcus Paz, a coordenadora sugeriu que ele abordasse o que o jurado deve fazer quando percebe que no julgamento existem pessoas que não depõem pois sabem que podem sofrer represálias se falarem. “Em meu trabalho com auditoria, tudo o que eu tenho que fazer para construir meu parecer, tem que constar no processo. Então, eu sinto a necessidade de ter o processo bem instruído. E, quando os elementos de prova são muito frágeis e a promotoria não consegue traduzir aquilo em convencimento para que sirva de prova para o jurado, eu recuo um pouco na construção da minha convicção. Então, durante esse meu processo de entender os fatos que estão nos autos, eu começo a construir minha decisão. A princípio eu não decido o caso como absolvido, mas começa a pesar para a absolvição. E, apesar de ser chamado de conselho de sentença, é um voto unitário. Eu entendo que, de antemão, eu não excluo a condenação, mas o meu voto é construído em um processo de elaboração”, ressaltou Marcus Paz.
Durante o evento, Conceição Batista, cujo pai foi réu em julgamente sobre o assassinato de sua mãe, expôs sua angústia em não ter uma resolução para seu caso. “Sou filha de vítima e acusado. Eu gostaria de entender mais de como as leis no Brasil funcionam. Como uma pessoa acusada e condenada por um crime sai pela porta da frente de um Tribunal? Eu tenho essa oportunidade de estar aqui com juízes, promotores e gostaria que vocês me ajudassem a entender como é que um homem que mata sua mulher e acaba com o sentimento de quatro filhos, ainda continua recebendo aposentadoria e não é encontrado. Me sinto triste e angustiada por estar envolvida com os dois lados. Sinto remorso de meu pai e falta da minha mãe por ter sido vítima de uma violência grande. A dor é grande, e a Justiça em que acreditamos, é omissa”, expôs Conceição.
Na sequência, o promotor de Justiça Mário Barros trouxe em sua fala o debate sobre a deficiência probatória existente no Brasil e como os jurados devem lidar com depoimentos não oficiais e boatos. “Nem sempre é fácil fazer avaliação das provas no sentido amplo, principalmente para os jurados que não possuem a formação para tanto, mas isso não impede ele de realizar seu papel de analisar minuciosamente os fatos. Não basta que o promotor apenas diga, mas ele deve demonstrar como foram os fatos, e da mesma forma a defesa. Nós temos no nosso país estruturas de investigação bastante limitadas, o que não justifica que cheguem investigações com elementos de provas insuficientes aos órgãos de persecução penal para gerar uma convicção a respeito se houve ou não o fato e quem o praticou. As informações que chegam no Júri por meio de depoimentos não oficiais ou boatos não devem ser encaradas como descartáveis, mas também não como argumento final. É preciso que se analise as provas num conjunto probatório e de fatos, analisando o contexto social em que as partes estão inseridas”, ressaltou Mário Barros.
Para o juiz titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Jaboatão dos Guararapes, José Faustino Macedo Ferreira, a promotora Dalva perguntou se ele acredita no instituto do júri, e na delegação aos pares para que julguem os crimes mais graves, que são dolosos contra a vida. “Eu vejo a instituição do júri com respeito e respeito a opção constitucional que foi feita pela constituinte. E entendo que quanto mais o júri conseguir levar o julgamento com leveza, embora a matéria seja extremamente dura, a gente consegue promover uma justiça mais efetiva. O júri é um instituto jurídico que desperta amor e ódio, sentimentos de injustiça e de justiça, justamente porque ele é um local onde os julgamentos não são necessariamente jurídicos. Nossa Constituição institui o júri como um local em que a sociedade é chamada para, de acordo com seus valores, fazer um julgamento de fatos. Por essa razão, nós temos uma gama de promotores, defensores e juízes que acreditam ou não na instituição do Júri. Mas, pensar sobre o que passa na cabeça do jurado, e a perspectiva da sociedade do cidadão é o que é relevante no momento do julgamento. A conexão do Tribunal do Júri com a sociedade advém do estado democrático de direito em seus objetivos fundamentais de constituir uma sociedade justa, livre e solidária”, disse José Faustino.
Logo após, a defensora pública na Vara do Tribunal do Júri da Capital, Natali Brandi, trouxe as reflexões de sua posição como defensora. “A defensoria pública existe para garantir, no Tribunal do Júri, que o que vigore seja a garantia dos direitos da vítima e do acusado. E a consciência que é chamada para o jurado nesse momento é pano de fundo da soberania. Para mim, a soberania dos jurados não pode ser limitada, pois advém da consciência, e não se limita consciências e senso de justiça. Em um olhar primário, a defensoria resguarda apenas o réu, mas ela defende as garantias constitucionais que são exercidas individualmente por cada um, mas que são de todos nós também. Não com um sentimento de vingança, mas de justiça. A defensoria sempre estará ao lado da Justiça, da lei e da sociedade”, ressaltou Natali Brandi.
Posteriormente, a coordenadora Dalva trouxe para o debate a questão da antipatia ou empatia entre as partes da acusação e defesa, e se esse sentimento interfere no momento de decisão dos fatos. Como resposta, a professora e jurada do Tribunal do Júri Popular, Edna Veríssimo, disse que “é preciso maturidade ao lidar com ambas as partes, entendendo qual o nosso papel enquanto cidadão e representante legal da sociedade. A empatia ou antipatia pode existir, mas a partir do momento em que o jurado senta na sala do tribunal, e que coloca a toga, ele se veste de juiz, e há uma responsabilidade enorme nisso. Mesmo que haja uma relação interpessoal prazerosa entre os jurados, advogados, defensores e promotores, no momento do julgamento nós iremos analisar os fatos. A empatia existe em qualquer âmbito, mas nós precisamos entender qual o papel de cada um, e respeitar a responsabilidade que assumimos naquele momento”.
Para a pedagoga e jurada do Tribunal do Júri Popular, Maria de Fátima Monteiro, Dalva sugeriu que fosse abordado se o tamanho da pena ou condição social do réu influencia no momento da decisão. ”O peso emocional está muito latente na gente no momento do julgamento, e quando o defensor faz a fala do aumento da pena, talvez seja uma das maiores dificuldades na hora do voto. Mas isso não pode interferir no momento de decisão, pois nós estamos ali para fazer Justiça. Nós não somos técnicos, e é por isso que temos que estar atentos a ambas as partes. Nós precisamos nos despir de todo o preconceito que carregamos como seres humanos, e somos falhos, mas quando chegamos no momento do julgamento precisamos arcar com essa responsabilidade”, disse Maria de Fátima.
Em seguida, a promotora Dalva perguntou a pedagoga e jurada do Tribunal do Júri Popular, Marilourdes Pereira, se o uso ou não da réplica interfere no momento de absolver ou condenar. ”Para mim, a réplica é importante, e muitos promotores a utilizam. Até hoje eu ainda não entendo exatamente o motivo de utilizar a réplica, se é por que o promotor viu algo na fala da defesa e sentiu a necessidade de retornar ao assunto, ou se houve alguma lacuna em seu primeiro momento e o promotor por si só preferiu voltar. Eu acho importante, quanto mais fala, melhor. É uma responsabilidade muito grande, pois há um ser humano que está sentado para ser julgado e outro que se foi. São duas vidas envolvidas nesse momento, e é uma responsabilidade sem tamanho”, destacou Marilourdes.
Para o servidor público federal e jurado do Tribunal do Júri Popular, Audair Pereira Cavalcanti, a coordenadora sugeriu que fosse abordado se é possível se colocar no lugar da vítima, visto que muitos defensores públicos pedem para que o jurado se coloque no lugar do acusado. “Eu sempre me pergunto sobre a vítima quando surge essa pergunta no Tribunal. Eu sempre estive comprometido e gosto desse momento do júri. Nós ouvimos histórias que não conseguimos imaginar, e nós temos que julgar. O Tribunal do Júri é um instrumento muito bonito, e que deveria ser visto com bons olhos até pelo Estado. No momento do julgamento, precisamos esquecer todos os problemas que nós já passamos na vida, analisar todo o processo para julgar”, disse Audair.
Já a enfermeira fiscal e jurada do Tribunal do Júri Popular, Fernanda Cerqueira, respondeu a uma dúvida sugerida pela promotora Dalva, se as vestimentas, postura, até mesmo a ficha de antecedentes das vítimas e réus interferem na decisão do jurado. ”Algo que sempre ajuda a me despir de todo o resto é pensar que estamos ali para julgar o fato específico daquele processo, e não todos os processos em que as vítimas ou réus estejam passando. Muitas vezes eu não olho para o réu, e me detenho em ouvir as partes e acompanhar o processo. Para mim, e acredito que para meus colegas jurados, a postura e a aparência não interferem, pois nós somos conduzidos a analisar tecnicamente. Parece que, quando colocamos a toga, realmente nos transformamos. A promotoria e defensoria, apesar de estarem em lugares diferentes e utilizando-se de argumentos muitas vezes contrários, nos passam muita segurança, e fazem questão de tratar o processo com minúcias”, destacou Fernanda.
Por fim, o promotor de Justiça Antonio Augusto de Arroxelas fez observações sobre a conversa, a partir de sua escuta como expectador. “Com essa reunião, pude entender melhor os jurados, e obtive a confirmação, através da fala dos jurados, de que todos procuram ser imparciais em suas decisões. Em um momento, foi debatido se os jurados ou juradas são seletivos na hora da decisão, e tenho a felicidade de perceber que há uma imparcialidade sem igual, muitas vezes bem maior do que em muitos juízes togados. Outro ponto, é que os jurados precisam entender, e entendem, que tirar a liberdade de alguém também é um ato de violência. Entretanto, o Estado e a sociedade ainda não encontraram outra forma de lidar com a violência de tirar a vida de alguém, cabendo ao jurado decidir sobre a vida humana e a liberdade de um indivíduo”, destacou Antonio Arroxelas.
Fonte: MPPE