Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Roda de conversa abre debate sobre a aplicação de medidas protetivas

sexta-feira, 12 de maio de 2023, 17h02

Evento promovido pela Cevid discutiu as mais recentes mudanças à Lei Maria da Penha

 

 

Se a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma construção histórica, como tal, é passível de ser desconstruída, argumentou a desembargadora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães, titular da Coordenadoria de Mulheres em Situação de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça do Pará (Cevid/TJPA), na abertura da roda de conversa de “Avaliação sobre a Aplicação das Medidas Protetivas e as inovações da Lei Maria da Penha (Lei 14.550/23). O evento ocorreu nesta quinta-feira, 11, entre 9h e meio-dia, no auditório Des. Agnano Monteiro Lopes, no Fórum Cível, durante o qual a magistrada se referiu à Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) como uma “esperança” que criou “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.”

 

Em seguida, a coordenadora da Cevid traçou uma perspectiva histórica da proteção à mulher na legislação brasileira, que já em 2002 acresceu à Lei dos Juizados Especiais Criminais a medida cautelar de afastamento do agressor do lar em caso de violência doméstica. E em 2004, quando o Código Penal Brasileiro agravou a pena para o delito de lesão corporal praticada contra a mulher no âmbito doméstico.

 

Nessa perspectiva de transformações, a magistrada explicou que a roda de conversa sobre as medidas protetivas de urgência integra a política da Cevid de dialogar com as instituições parceiras no enfrentamento e combate à violência contra a mulher sobre mudanças na Lei Maria da Penha, entre as quais as da Lei 14.450/23, que entrou em vigor em 19 de abril deste ano e que dispõe sobre medidas protetivas de urgência; e estabelece que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor e da ofendida não excluem a aplicação da lei. “Tenho certeza que sairemos daqui com esse tema muito bem debatido e com as evoluções do entendimento sobre o assunto”, disse ela.

 

Dinâmica - A roda de conversa teve a participação da antropóloga Beatriz Accioly, coordenadora de Projetos, Pesquisa e Impacto, do Instituto Avon, que, em novembro passado, apresentou os dados de uma análise no Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência, feita em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Consórcio Lei Maria da Penha, durante o XIV Forum Nacional de Violência Doméstica (Fonavid), em Belém.

 

Ela lembrou essa passagem para afirmar a dinâmica acelerada das transformações que giram em tormo da Lei Maria da Penha.

 

“Talvez um dos principais achados (da pesquisa) tenha sido a quantidade de processos de medidas protetivas que ficavam para além do prazo estipulado pela lei, de 48 horas. Hoje a gente volta, alguns meses depois, e com uma mudança nacional na legislação federal de acelerar esse processo”, observou, ao argumentar pela necessidade de momentos de debate, “como esse, com dados de qualidade, reflexões entre especialistas que possam apontar esses gargalos e obstáculos, que a gente tem condições políticas e institucionais de resolver com celeridade; agora tem a norma; vamos ver se ela vira prática, como toda lei - papel aceita tudo -, é necessário que vire uma prática dos profissionais, mas a gente avançou muitos anos em alguns meses”, constata.

 

Nuances - Juíza titular da 3ª Vara Criminal de Icoaraci, com competência para casos de violência doméstica e familiar e contra crianças e adolescentes, Claudia Favacho observa que a medida protetiva pela Lei Maria da Penha tem várias nuances, as mais comuns são o afastamento do lar, proibição de aproximação ou contato - informa.

 

Ela observa, porém, que a lei possibilita ir além. “Prevê a possibilidade de arbitrar alimentos pra essa vítima, que muitas vezes o agressor afastado é a única renda daquela casa; o juiz pode determinar que ele já pague desde logo uma pensão pra que essa mulher não seja vitimizada mais uma vez, com seus filhos; é possível também que essas crianças, se ela precisar se mudar do local, por uma situação de risco dela ou das crianças, a gente pode determinar também que eles sejam incluídos numa escola; ela não precisa ficar correndo atrás de vaga, o próprio juiz da Vara de Violência Doméstica já concede como medida protetiva que essas crianças sejam matriculadas em outra escola, mais próxima da moradia em que ela passar a residir com seus filhos; então, nós temos vários aspectos, a questão da guarda pode ficar já estabelecida que a guarda fique só com a mãe, pra não se perpetuar atos de violência, feito um estudo social; então, nós temos um leque de proteção para essas vítimas”, explicou.

 

Ela pondera, contudo, que para que haja eficácia, como ocorre em Icoaraci, “nós precisamos da rede de proteção articulada – Ministério Público, Defensoria Pública, Assistência social, Creas, município, Poder Executivo – o nome é rede justamente por isso, são vários atores envolvidos”.

 

E, além disso, é preciso também que o magistrado tenha um olhar diferenciado: “Tem que ter esse olhar de uma atuação com perspectiva de gênero, de conhecer as diferenças de gênero entre homens e mulheres e tentar diminuir essa desproporção de poderes nessa relação”, defende.

 

Disputa - Diretora Adjunta do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará, a professora Luanna Thomaz assinalou que as mudanças na Lei Maria da Penha a caracterizam como um objeto de disputa, evidenciada pelas 15 modificações realizadas na lei no período de 17 anos. Ela destacou a edição 206 de jurisprudência em teses, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a primeira das quais descarta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos no crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, haja vista que um dos bens jurídicos tutelados é a integridade física e psíquica da mulher em favor de quem se fixaram tais medidas; e o segundo entendimento aponta que o descumprimento de ordem judicial que impõe medida protetiva de urgência em favor de vítima de violência doméstica autoriza decretação da prisão preventiva. E se estabeleceu também a necessidade de se ouvir a mulher vítima de violência doméstica antes de revogar a medida protetiva de urgência antes concedida.

 

Presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica – Seção Pará, integrante da Comissão Nacional da Mulher Advogada do CFOAB e Conselheira Seccional da OAB/PA, Natasha Vasconcelos diz que a efetivação das medidas protetivas como politica pública e como politica judiciária exige que a rede de proteção e de combate à violência contra a mulher esteja articulada. “A gente pôde ver aqui nesse evento que essa rede, que a atenção para o enfrentamento da violência contra a mulher, exige uma atenção interdisciplinar, multidisciplinar; então esse evento é a continuidade de um trabalho comprometido em dar eficácia à medida protetiva enquanto instrumento de combate à violência contra a mulher, considerando que o feminicídio é um crime evitável, a gente tem como evitar”, disse ela, ao lembrar que sendo a violência psicológica uma das primeiras manifestações da violência doméstica, “a gente enxerga a medida protetiva como um grande instrumento para evitar que se chegue ao resultado trágico da morte de mulheres”.

 

Titular do Núcleo de Prevenção à Violência de Gênero da Defensoria Pública do Pará, a defensora Daiane Santos advertiu que políticas públicas precisam de recursos para serem executadas e é necessário alocá-los às varas de violência doméstica e familiar contra a mulher conforme a demanda percentual de processos envolvida, sob pena de sucateamento da política pública.

 

Curso - A roda de conversa foi mediada pela juíza auxiliar da Cevid e titular da 1ª Vara de Infância e Juventude de Belém, Rubilene do Rosário, que explicou ao público que todas as ações da Cevid estão alinhadas à estratégia nacional do Poder Judiciário de combate e prevenção à violência doméstica e familiar contra as mulheres. Ela informou, também, que o Tribunal de Justiça do Pará já determinou a capacitação de todos os magistrados do Estado na administração da Justiça a partir da perspectiva de gênero. Ao final, foram sorteados entre os presentes os livros da professora Luana Thomaz – Lei Maria da Penha Comentada – e da Desa. Maria de Nazaré Saavedra - “Direitos Humanos no Cotidiano Jurídico: A Violência Contra a Mulher – um estudo comparativo entre as legislações do Brasil e da Argentina”.

 

FonteCoordenadoria de Imprensa TJPA


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