DPU aciona Justiça contra novas regras que restringem passe livre para pessoas com deficiência
segunda-feira, 14 de abril de 2025, 13h11
Defensoria aponta ilegalidades das mudanças praticadas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

São Luís - A Defensoria Pública da União (DPU) ingressou, na sexta-feira (4), com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), questionando mudanças que restringem o acesso de pessoas com deficiência (PcD) ao Programa Passe Livre Interestadual. Ação foi proposta na Seção Judiciária do Maranhão, sendo distribuída à 6ª Vara Federal. Em vigor desde julho de 2024, as novas regras da autarquia federal estariam impedindo o acesso ao benefício até mesmo por pessoas que atendem aos critérios previstos em lei.
Para a DPU, a ANTT passou a exigir requisitos adicionais, sem respaldo legal, para a concessão do passe livre. Atualmente, o solicitante precisa possuir conta no Gov.BR, estar inscrito no Cadastro Único (CadÚnico) com renda familiar de até meio salário mínimo per capita e estar registrado no Cadastro Inclusão da Pessoa com Deficiência ou, alternativamente, ser beneficiário do Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas).
No entanto, a legislação que regula o programa exige apenas a comprovação da condição de pessoa com deficiência e de renda familiar per capita de até um salário mínimo. Para a DPU, os critérios adicionais são indevidos e acabam por excluir pessoas que apresentam laudos médicos válidos, mas não atendem às exigências burocráticas criadas pela autarquia. Também são afetados aqueles com renda entre meio e um salário mínimo per capita, que é a faixa ainda dentro do limite legal, mas fora dos parâmetros do CadÚnico.
Outro ponto criticado é a digitalização do processo. Desde a implementação do Passe Livre Digital, os pedidos passaram a ser aceitos exclusivamente por meio do site da ANTT. Segundo relatos de assistidos da DPU, o atendimento presencial não está mais sendo realizado no posto na Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília, por exemplo. A DPU entende que essa limitação prejudica especialmente pessoas em situação de vulnerabilidade ou residentes em áreas com pouca conectividade.
Entre julho de 2024 e fevereiro de 2025, a Defensoria Nacional de Direitos Humanos (DNDH) registrou 405 atendimentos relacionados à negativa do benefício. Além do impacto direto sobre os usuários, as novas exigências também sobrecarregaram o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pois a inclusão no Cadastro Inclusão exige perícia biopsicossocial. Em estados como o Tocantins, a espera por esse atendimento chega a 119 dias, que é bem acima do limite de 45 dias estabelecido por acordo judicial firmado em processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (RE n° 1.171.152/SC).
Para o defensor regional de Direitos Humanos no Maranhão, Gioliano Antunes Damasceno, “o fluxo criado pela ANTT por meio do Passe Livre Digital constitui uma barreira adicional, além de ilegal, desnecessária, desproporcional e ineficiente ao acesso ao benefício, impactando negativamente não apenas o funcionamento dos serviços prestados pelo INSS, mas também provocando um aumento expressivo na judicialização”.
Tentativas de diálogo
Antes de acionar a Justiça, a DPU tentou resolver a questão de forma extrajudicial. Foram enviados ofícios à ANTT e ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, questionando a legalidade das novas exigências e solicitando a adequação dos critérios às exigências legais.
Em resposta, a ANTT confirmou as mudanças, reiterando a obrigatoriedade de conta no Gov.BR e de inscrição em cadastros específicos. Informou, ainda, que o envio de documentos pelos Correios continua disponível, mas que o único posto de atendimento presencial permanece sendo o da capital federal.
A autarquia justificou as mudanças pelo encerramento do sistema anterior, considerado obsoleto, e pela promessa de maior agilidade, economia e segurança. Contudo, reconheceu haver dúvidas sobre a legalidade de vincular o benefício ao Cadastro Inclusão e à comprovação de renda apenas pelo CadÚnico.
Foi criado um grupo de trabalho para buscar soluções, incluindo a possibilidade de autodeclaração de renda e flexibilização para quem não está inscrito no Cadastro Inclusão. Apesar disso, a DPU aponta que ainda não há cronograma ou medidas concretas implementadas e que as barreiras seguem ativas.
O que pede a ação
Na ação, a DPU solicita tutela de urgência para suspender imediatamente os critérios considerados ilegais e requer que a ANTT aceite laudos médicos e declarações de renda como forma de comprovação, sem a exigência de registros em cadastros públicos. A Defensoria também pede o restabelecimento do atendimento presencial ou por correspondência. Em caso de descumprimento, solicita a aplicação de multa diária de R$ 10 mil.
“O Programa Passe Livre constitui política pública de mobilidade voltada à inclusão social e à garantia de igualdade material de oportunidades, essencial para o exercício da cidadania por pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade econômica. No entanto, limitar a formalização do requerimento à internet acaba reproduzindo desigualdades, já que nem todos têm as mesmas condições de cumprir essa etapa. Isso contraria diretamente os princípios que deveriam nortear a política, perpetuando exclusões sociais e econômicas”, afirma trecho da ação.
Assinaram a ação a defensora nacional de Direitos Humanos, Carolina Castelliano; a defensora pública federal Raquel Brodsky, integrante do GT de Atendimento à Pessoa Idosa e à Pessoa com Deficiência; e os defensores regionais de Direitos Humanos Gioliano Antunes Damasceno, Eduardo Nunes de Queiroz e Thales Arcoverde Treiger, que atuam no Maranhão, no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, respectivamente.
Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União
Fonte: DPU