Ministério Publico do Estado de Mato Grosso

Jurisprudência TJMG - Ação de alimentos. Maioridade. Doença incapacitante

segunda-feira, 11 de julho de 2022, 09h13

Acórdão TJMG

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE ALIMENTOS - MAIORIDADE - DOENÇA INCAPACITANTE - Os alimentos são fixados em atendimento aos vetores que compõem o binômio necessidade-possibilidade, conforme preceitua o artigo 1.694, § 1º, do Código Civil - Alcançada a maioridade civil do alimentando, a presunção de necessidade dos alimentos deixa de vigorar, já que extinto o poder familiar - O recebimento do Benefício Assistencial não exime que o genitor continue a contribuir materialmente com o sustento de seu filho, ainda que maior de idade, quando demonstrada sua incapacidade de prover seu próprio sustento, em decorrência de doença que o acomete.(TJMG - AC: 10000204500169002 MG, Relator: Alexandre Santiago, Data de Julgamento: 12/05/2022, Câmaras Especializadas Cíveis / 8ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 18/05/2022).

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE ALIMENTOS - MAIORIDADE - DOENÇA INCAPACITANTE

- Os alimentos são fixados em atendimento aos vetores que compõem o binômio necessidade-possibilidade, conforme preceitua o artigo 1.694§ 1º, do Código Civil.

- Alcançada a maioridade civil do alimentando, a presunção de necessidade dos alimentos deixa de vigorar, já que extinto o poder familiar.

- O recebimento do Benefício Assistencial não exime que o genitor continue a contribuir materialmente com o sustento de seu filho, ainda que maior de idade, quando demonstrada sua incapacidade de prover seu próprio sustento, em decorrência de doença que o acomete.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.20.450016-9/002 - COMARCA DE CABO VERDE - APELANTE (S): E.M.B. - APELADO (A)(S): J.P.M.B.

A C Ó R D Ã O

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. ALEXANDRE SANTIAGO

RELATOR





DES. ALEXANDRE SANTIAGO (RELATOR)



V O T O

Trata-se de apelação interposta em face da sentença de ordem nº 124, proferida pela MM Juíza da Vara Única da Comarca de Cabo Verde, que julgou improcedente o pedido formulado nos autos da Ação de Exoneração Alimentos ajuizada por E.M.B. em desfavor de J.P.M.B.

Inconformado, insurge-se o autor, por meio das razões apresentadas à ordem nº 129, pugnando pela exoneração da pensão, eis que seu filho teria atingido a maioridade civil, estaria recebendo benefício de prestação continuada no importe de um salário mínimo mensal e não estaria estudando.

Aduz que o apelado é portador de AME, todavia, possui aptidão para fazer as atividades que lhe interessa, mas quando se trata de buscar um trabalho para prover sua própria subsistência, utiliza da sua doença para dizer que não possui condições de se inserir no mercado de trabalho.

Afirma que o apelado não está desamparado, pois, mesmo que não desempenhe atividade laborativa, possui o Benefício de Prestação Continuada.

Requer, pois, o provimento do recurso, com a procedência do pedido de exoneração de alimentos.

Preparo regular.

Contrarrazões apresentadas à ordem nº 134, pugnando pela manutenção da decisão, eis que o apelado é portador de sérios problemas de saúde, tendo sido diagnosticado com atrofia espinhal progressiva (AME) do tipo III, doença degenerativa e incurável, apresentando prejuízo importante da marcha e sendo parcialmente dependente para as atividades da vida diária

Desnecessária a intervenção da Procuradoria-Geral de Justiça, tendo em vista a ausência de interesse de incapaz.

É o breve relatório.



DECIDO.



Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Anota-se, inicialmente, insurgir-se o autor, ora apelante, contra a sentença que julgou improcedente o pedido de exoneração de alimentos.

Aponta-se, neste contexto, decorrer o dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores do poder familiar, nos termos do disposto pelo artigo 229, da Constituição Federal, do artigo 22, da Lei n. 8.069/90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente), bem como dos artigos 1.630 e 1.634, do Código Civil.

Por sua vez, alcançada a maioridade civil do alimentando, a presunção de necessidade dos alimentos deixa de vigorar, competindo a este produzir provas robustas acerca de tal necessidade, já que extinto o poder familiar, conforme previsto pelo artigo 1.635, inciso III, do Código Civil.

Sobre o assunto, a lição de YUSSEF SAID CAHALI elucida:

Efetivamente, com a maioridade, pode surgir obrigação alimentar dos pais com relação aos filhos adultos, porém de natureza diversa, fundada no art. 397 do CC (art. 1.694 do Novo Código Civil); essa obrigação diz respeito aos filhos maiores que, por incapacidade ou enfermidade, não estiverem em condições de prover à sua própria subsistência.

Essa estrita obrigação alimentar entre pais e filhos resultante da relação de parentesco em linha reta terá como pressuposto o estado de necessidade do alimentário e a correlata possibilidade do alimentante de ministrá-lo, sem com isso desatender às suas próprias necessidades e de sua família.

(...)

O dever de sustento se extingue com a maioridade ou mesmo com a emancipação do filho: ao romper-se o vínculo do poder familiar, cessam os seus efeitos pessoais, entre os quais o dever de sustento do filho, e surge como única e autônoma a prestação legal de alimentos, condicionada esta, agora, ao estado de necessidade do filho e à possibilidade do genitor. (Dos Alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª edição, 2012, p. 335/336).



Neste contexto, cabe ao alimentando que alcançou a maioridade demonstrar a real necessidade de receber a pensão alimentar, por não possuir meios para garantir o seu sustento.

Com efeito, dispõem os artigos 1.964 e 1.695, do Código Civil:



Art. 1694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Art. 1695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.



No caso dos autos, restou incontroverso que o requerido foi diagnosticado com depressão, atrofia espinhal progressiva e hipoacusia neurossensorial grave bilateral (perda auditiva):

Consta do Relatório colacionado aos autos à ordem 74:



Ele tem diagnóstico de depressão, cujos sintomas iniciaram no início de 2019. Houve melhora parcial com o antidepressivo, mas ainda continua com falta de motivação e iniciativa. Vai dormir muito tarde e acorda muito tarde, o que é indicativo de atraso de fase do sono.

(...)

Musculatura com atrofias nos peitorais, cintura escapular, bíceps, tríceps e quadríceps. Escápulas aladas. Fasciculações no deltoide e bíceps à direita. Força muscular diminuída em cintura escapular (grau 4); preensão das mãos (grau 4); flexão de quadris (grau 2); flexão plantar e dorsal dos pés (grau 4)

Portanto, a doença que o acomete compromete suas funções vitais, sendo certo que, nos casos em que é demonstrada a incapacidade total do filho para o exercício de atividade laboral, persiste a obrigação alimentar.

Cabe, desta forma, examinar a condição do alimentado.

Realizada Audiência de Instrução e Julgamento, verifica-se que, em seu depoimento pessoal, o requerido informa que não estava estuando.

Na oportunidade, confessou receber o Benefício de Prestação Continuada, em decorrência de suas limitações físicas e motoras. Afirmou, ainda, que possui um filho, para o qual paga pensão alimentícia.

Cabe esclarecer que o Benefício de Prestação Continuada - BPC, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, garante o pagamento de um salário mínimo à pessoa com deficiência de qualquer idade.

Conforme previsão da Constituição Federal:



Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.





Em sede recursal, o apelante pleiteia pela exoneração da obrigação alimentar em decorrência do recebimento pelo alimentando do Benefício de Prestação Continuada, em valor suficiente para garantir suas necessidades básicas.

Contudo, razão não lhe assiste,

Os depoimentos testemunhais revelaram que o apelado possui diversos gastos com o tratamento médico realizado e que suas limitações físicas vêm se agravando e impedem o exercício de atividade laborativa.

Em que pese ser incontroverso o recebimento do Benefício Assistencial, tal fato não exime que o genitor continue a contribuir materialmente com o sustento de seu filho, ainda que maior de idade, pois demonstrada sua incapacidade de prover seu próprio sustento, em decorrência de doença que o acomete.

Neste sentido é o posicionamento do nosso Egrégio Tribunal:



APELAÇÃO CÍVEL - EXONERAÇÃO/REVISIONAL DE ALIMENTOS - MAIORIDADE DA ALIMENTANDA - PORTADORA DE DOENÇA INCAPACITANTE ABSOLUTA E IRREVERSÍVEL - PERÍCIA JUDICIAL - NECESSIDADE DEMONSTRADA - REDUÇÃO DA VERBA ALIMENTÍCIA - ADEQUAÇÃO AO TRINÔMIO REGULADOR DA MATERIA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - RECURSO DESPROVIDO.

-A maioridade do filho extingue o dever de sustento pelos pais, devendo o beneficiário dos alimentos comprovar a partir de então, além da possibilidade do alimentante de suportar o encargo da pensão alimentícia, a sua real necessidade, subsistindo o pensionamento, se comprovado que o filho não tem condição de prover sua própria subsistência, como é o caso dos autos.

- Ainda que a filha tenha atingido a maioridade, o fato de ser portadora de doença incapacitante absoluta e irreversível conforme perícia médica, impõe-se a manutenção da sentença que julgou improcedente o pleito de exoneração de alimentos e reduziu a verba alimentar, adequando-a ao trinômio: possibilidade do alimentante, necessidade da alimentanda e proporcionalidade da prestação alimentícia. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.028951-8/001, Relator (a): Des.(a) Yeda Athias , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/08/2021, publicação da sumula em 16082021)

AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS - MAIORIDADE CIVIL - INCAPACIDADE AO TRABALHO - DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS - COMPROVAÇÃO - PERSISTÊNCIA DA NECESSIDADE - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. ALTERAÇÃO NA SITUAÇÃO FINANCEIRA DO ALIMENTANTE - DEMONSTRAÇÃO - REDUÇÃO DO ENCARGO - RECURSO PROVIDO EM PARTE.

- Com a maioridade adquirida pelo filho, extingue-se o poder familiar, desaparecendo, em conseqüência, o dever de sustento; todavia, não cessa o dever de alimentar previsto no artigo 1.696 do Código Civil de 2002, que estabelece a reciprocidade da obrigação alimentar entre pai e filho, devendo os critérios da necessidade e possibilidade prosperar neste particular.

- Restando devidamente comprovado nos autos que a alimentanda, embora já tenha alcançado a maioridade, apresenta problemas psiquiátricos que a incapacitam ao trabalho, e, assim, ainda necessita dos alimentos para sobreviver dignamente, mas, de outro lado, evidenciada a piora da condição financeira do genitor, em decorrência, principalmente, do nascimento de outro filho e da posterior perda do emprego formal, que mantinha há quase dez anos, caso é, não de exoneração do encargo, mas de diminuição do valor da pensão para patamar que melhor se ajuste a essa nova realidade, tendo-se como limite à redução o Princípio da Dignidade Humana. (TJMG - Apelação Cível 1.0694.11.006098-5/001, Relator (a): Des.(a) Eduardo Andrade , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/11/2012, publicação da sumula em 19112012).



Conclui-se, portanto, que a maioridade civil, por si só, não exime o alimentante da obrigação de prestar alimentos, mas, a partir de então, torna-se necessária prova cabal da necessidade, a qual deixa de ser presumida.

Como no caso dos autos restou demonstrada a necessidade de o alimentante continuar a receber a pensão, em decorrência de sua incapacidade laborativa, deve ser mantida a sentença de improcedência da demanda.

Por todo o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas recursais e honorários advocatícios, os quais majoro para 12% do valor atualizado da causa, pelo apelante.





DESA. ÂNGELA DE LOURDES RODRIGUES - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. CARLOS ROBERTO DE FARIA - De acordo com o (a) Relator (a).



SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"


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